Setor em que houve reduzido apoio ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na campanha, o agronegócio brasileiro terá uma nova política de abastecimento e crédito, que começará a ser desenhada segundo matéria do O Globo nos primeiros dias do novo governo.
Entre as medidas em estudo na equipe de transição para reaproximar Lula de um setor que responde por mais de um quarto do PIB do país, segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), estão juros menores para agricultores com produção ambientalmente sustentável e a retomada dos estoques reguladores de alimentos, usados pelo setor público para calibrar preços e até combater a inflação.
Segundo aliados de Lula no agro, o presidente eleito quer reposicionar a produção brasileira no mercado internacional, ampliando os destinos das exportações e aumentando o valor agregado de produtos enviados a parceiros tradicionais, como China, Europa e países árabes.
Maior importador da soja brasileira, a China está com estoques baixos e há informações de que já encomenda farelo de soja do Brasil, que não era significativo no comércio bilateral até agora. A adoção de uma nova política de garantia de preços mínimos ao produtor permitiria uma ação balizadora da oferta de itens, com o governo incentivando ou desestimulando a produção.
Os estoques reguladores podem ser colocados à venda para forçar queda de preços ou ficar armazenados em locais públicos ou privados para melhorar a rentabilidade do produtor, um instrumento que não foi prioritário no governo de Jair Bolsonaro (PL).
Dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) mostram que, em setembro deste ano, o total de arroz nas mãos do governo era de 1,7 mil toneladas, ante mais de 20 mil toneladas em 2021. E não há nada hoje de café, feijão, trigo, açúcar e farinha de mandioca.
No ano passado, não havia milho estocado, mas neste ano há 40 mil toneladas. Na década de 1980, o órgão chegou a guardar 6 milhões de toneladas. O plano do futuro governo é reforçar esse tipo de ação.
— As prioridades são retomar com força o mercado internacional, fazer investimentos em infraestrutura e diminuir os juros do crédito rural — resume o deputado Neri Geller (PP-RS), que foi ministro da Agricultura no governo de Dilma Rousseff (PT).
Divisão do ministério
Geller atuou na campanha de Lula com o senador Carlos Fávaro (PSD-MT) e outros integrantes de uma parcela minoritária da Frente Parlamentar da Agricultura. A equipe que cuidará dessa área na transição ainda não foi anunciada, mas o deputado diz que terá representantes de diferentes regiões e segmentos, como o das cooperativas.
Além dos dois parlamentares, a senadora Kátia Abreu (PP-TO), que foi ministra da Agricultura de Dilma, também deve integrar o grupo. Os três são cotados para assumir a pasta no novo governo, além da senadora Simonte Tebet (MDB-MS), cuja atuação na área social na transição sugere que terá outra posição.
Segundo uma fonte próxima a Lula, o Ministério da Agricultura deve ser desmembrado, perdendo as áreas de reforma agrária e agricultura familiar. O petista buscará apoio da bancada ruralista, a maior e mais organizada do Congresso, ainda que a maioria caminhe para a oposição.
Lula pretende manter a promessa de priorizar a questão ambiental, e isso também vai se refletir na política agrícola. No entanto, buscará convencer os produtores de que nenhuma ação ambiental ferirá interesses internos, particularmente de um setor tão importante para a economia.
Acesso a empréstimos
O crédito terá um papel fundamental nessa reaproximação, inclusive no incentivo a práticas sustentáveis. Não há números sobre a mesa ainda, mas aliados de Lula dizem que a ideia é formatar uma nova política agrícola a ser anunciada no segundo semestre com melhores condições de acesso aos empréstimos.
A expectativa é que os recursos públicos para financiar o plantio e a comercialização da produção fiquem acima dos R$ 341 bilhões deste ano para a safra 2022/2023, que será colhida no início do ano que vem.
Agronegócio movimenta cerca de 25% do PIB do país e vem despertando cada vez mais interesse nos candidatos ao Planalto — Foto: Pablo Jaco
Os juros ao produtor atualmente chegam a dois dígitos (até 11,5% ao ano). A ideia é que alguns parâmetros de proteção ambiental a serem cumpridos pelo agricultor levem a taxas mais baixas. De acordo com um auxiliar de Lula, será uma forma de reforçar que o agro só tem a ganhar com a produção sustentável, chave para o acesso a mercados como a União Europeia.
A ida de Lula nesta semana à Conferência Mundial sobre o Clima, a COP27, no Egito, é vista como uma chance de melhorar a imagem do país e beneficiar também o setor agrícola.
A equipe do novo governo acredita que não será difícil blindar biomas como a Amazônia do avanço da fronteira agrícola e seguir a cartilha internacional para cumprir metas de redução de emissões de carbono. A ideia é estimular a recuperação de áreas degradadas.
Nos cálculos dos aliados de Lula, se o Brasil planta 40 milhões de hectares de soja e tem 30 milhões de hectares de pastagens que poderiam ser convertidos em plantações sem desmatar, há potencial para quase dobrar a produção.
Preocupação ambiental
O entorno de Lula sabe que boa parte dos produtores aderiu a Bolsonaro, mas avalia que a maior parte do agronegócio brasileiro quer produzir com sustentabilidade para evitar barreiras comerciais lá fora. Quem é favorável à exploração ilegal de minérios e às queimadas na Amazônia é uma minoria, “meia dúzia”, diz um interlocutor ligado ao PT.
— É preciso acabar com o confronto criado artificialmente entre o agro e o meio ambiente. O confronto é com a ilegalidade, que nada tem a ver com produtor rural — afirma Pedro Camargo, produtor e ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira. — Os próximos quatro anos serão difíceis, porque os preços dos insumos agropecuários subiram muito.
Para Carlos Augustin, proprietário da Petrovina Sementes — uma das dez maiores empresas de sementes de soja do Brasil, com faturamento anual de R$ 500 milhões —, a mudança de governo pode favorecer as exportações:
— Lula vai atender aos anseios internacionais e ambientais e reestabelecer o protagonismo internacional que o Brasil sempre teve nos mercados agrícolas. O mundo vai precisar de mais e mais toneladas de alimentos, poucos países podem fazer isso. O Brasil tem tudo: terra, clima, gente, trator e conhecimento. E fazendo isso com respeito ao meio ambiente, usando menos agrotóxicos. Dá para fazer sem trauma nenhum, vamos surfar o mundo.
Insegurança no setor
Há otimismo na equipe de transição quanto à consolidação de acordos comerciais como o de Mercosul e União Europeia, de 2019, travado pela desconfiança de países como a França. Lula aposta na melhora das relações comerciais com a China e países árabes, com quem Bolsonaro se indispôs no início do mandato.
Aurélio Pavinato, presidente da SLC — gigante do agronegócio brasileiro em produtos como soja, milho, algodão e carne bovina — diz esperar que Lula mantenha o suporte ao agro como avalia que houve em todos os últimos governos, inclusive no de Bolsonaro. Defende a manutenção do crédito agrícola e da estrutura legal de propriedade de terras:
— O agronegócio precisa ser estimulado para continuar evoluindo.
Matheus Zimmermann, líder de gestão de Riscos e Commodities da Manchester Investimentos, ressalta que Lula não se apresenta como “inimigo do agronegócio”, mas algumas ideias que levantou deixaram “certa preocupação” no setor, segundo ouve de clientes. Há o temor, por exemplo, de que a nova política de estoques reguladores funcione como intervenção no mercado:
— De maneira geral, fica clara a preferência por uma política agrícola mais solta, sem intervenções excessivas por parte do Executivo.
A CNA, que recentemente divulgou nota dizendo estar pronta para dialogar com Lula, diz que a segurança jurídica é fundamental para o produtor, “que precisa ser protegido de invasões de terra”. A entidade pede estímulos para diversificar os destinos das exportações brasileiras.