O presidente Lula (PT) e ministros têm derrapado segundo Matheus Teixeira, da Folha de S. Paulo, na defesa da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e focado as duas primeiras gestões petistas para defender o legado deixado pelo partido nos 14 anos à frente do Executivo brasileiro.
O mandatário e integrantes do governo costumam exaltar Dilma, mas em diversos discursos deixam escapar críticas à gestão dela entre 2011 e 2016.
Em evento da UNE (União Nacional dos Estudantes), Lula mencionou o fato de ser o único presidente a participar de um congresso da entidade nos últimos 14 anos, sem citar que Dilma não fez o mesmo.
“Eu fui o último presidente a participar do congresso da UNE, em 2009. O último. E, 14 anos depois, eu estou aqui. E estejam certos que eu estarei no próximo”, disse.
Já o ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), exaltou em entrevista no início do ano o fato de Lula convocar reunião com todos os governadores.
Na ocasião, ao direcionar críticas aos ex-presidentes Michel Temer (MDB), que ficou no poder entre 2016 e 2018, e Jair Bolsonaro (PL), chefe do Executivo de 2019 a 2022, disse que nunca participou de uma integração de gestores estaduais quando foi governador da Bahia.
Ele se esqueceu, no entanto, de que chefiou o estado quando Dilma ainda era presidente, entre 2015 e 2016.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), por sua vez, omitiu dados fiscais do governo Dilma na apresentação do arcabouço fiscal.
A curva de receitas e despesas exibida pela equipe econômica durante a apresentação da nova regra trouxe dados apenas de 1997 a 2010. Escondeu o rombo histórico aberto nas contas públicas nos governos petistas seguintes.
Na explicação em que detalhou o modelo que substituiu o teto de gastos, o ministro afirmou que “os últimos dez anos foram muito difíceis para este país”, de maneira genérica e sem mencionar Dilma.
O ministro das Cidades, Jader Filho (MDB), criticou no dia 7 passado o fato de obras do Minha Casa, Minha Vida terem ficado paradas por 12 anos, período que alcança a gestão Dilma.
A crítica foi feita em transmissão ao vivo nas redes sociais ao lado de Lula.
No início da transmissão, o ministro criticou o fato de o Minha Casa, Minha Vida ter sido suspenso no governo de Bolsonaro. Depois, dirigiu-se a Lula e fez referência a uma obra que, segundo ele, está parada desde 2011 –o PT ficou no poder até 2016.
“Isso era do Minha Casa Minha Vida, do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que tinha ficado parado de uma obra que o senhor fez lá atrás. E aí a mocinha [durante entrega de unidades habitacionais] subiu no palco e ela disse assim para mim: ‘Eu quero agradecer o presidente Lula, estou recebendo minha casa e foi graças a ele estar retornando à Presidência que estou hoje aqui’”, disse o ministro, relatando o episódio.
Jader é filho do senador Jader Barbalho (MDB-PA) e irmão do governador do Pará, Helder Barbalho (MDB). Ele se tornou ministro pelo peso da família na política paraense e dentro do MDB.
Em 2016, o pai do atual ministro votou a favor da cassação de Dilma.
Helder Barbalho chegou a ser ministro de Dilma, mas pediu demissão para dar apoio ao processo de cassação que culminou na ascensão de Michel Temer à chefia do Executivo.
As derrapadas dos ministros e do próprio presidente vão na contramão da estratégia do governo de apontar como culpados pelos problemas do país apenas Temer e Bolsonaro.
O mandatário costuma afirmar que a petista foi vítima de um golpe, em referência ao impeachment que a tirou do poder. Ele já afirmou que ela “merece desculpas” por ter sido retirada do cargo.
Além disso, Lula articulou a indicação de Dilma para a presidência do NDB (Novo Banco de Desenvolvimento), o banco do grupo de nações emergentes Brics.
Com isso, Dilma garantiu um salário superior a US$ 50 mil mensais (equivalente a R$ 257 mil) e protagonismo na relação com outros países e na política brasileira.
À frente do banco, a ex-presidente participou da concessão de empréstimo de US$ 1 bilhão ao Brasil. Convertido, o valor corresponde a cerca de R$ 5 bilhões. O contrato foi celebrado por ela e por Haddad durante reunião do FMI (Fundo Monetário Internacional) no Marrocos, em outubro.
Apesar do esforço em favor de Dilma, nas eleições do ano passado Lula se viu obrigado a reconhecer erros da correligionária.
Lula afirmou na ocasião que Dilma é uma das pessoas por quem mais ele tem respeito, mas que a gestão dela “cometeu equívoco”.
“Dilma fez um primeiro mandato presidencial extraordinário. Porque a crise se agravou, a crise internacional. Mesmo assim ela se endividou para manter as políticas sociais e para poder manter o desemprego em 4,5%”, disse Lula.
“Cometeu equívoco na questão da gasolina, ela sabe o que eu penso disso. Eu acho que cometeram equívoco na hora que fizeram R$ 540 bilhões em desoneração de isenção fiscal de 2011 a 2040. Acho que quando ela tentou mudar ela tinha uma dupla dinâmica contra ela.”
O governo Dilma registrou uma das maiores recessões da história do Brasil. No segundo mandato da petista, a inflação disparou, atingindo 10,67% em 2015. Quando deixou o governo, a taxa de desemprego superava 10%.
Apesar disso, Lula reagiu com bom humor em 2022 ao questionamento sobre o legado do governo Dilma, defendeu a aliada e culpou o Legislativo da época por parte das dificuldades econômicas que a ex-presidente petista enfrentou durante seu mandato.
“Sábado eu estive com a Dilma no Vale do Anhangabaú, em São Paulo. E a Dilma sabia que eu vinha aqui. E ela disse para mim: ‘Presidente, se perguntar[em] do meu governo, não responda, fala para me convidar que vou lá discutir com eles’”, disse.