Não há precedente na Bahia de vitória em eleição para governador contra governos estadual e federal
No comando da Bahia há 16 anos, o PT aposta no atrelamento da eleição local ao quadro nacional para reverter o favoritismo do ex-prefeito de Salvador ACM Neto (União Brasil) na disputa pelo governo estadual.
Candidato do PT e ex-governador, o senador Jacques Wagner (PT) afirma em entrevista ao jornal Valor, que o fator Lula será decisivo. Para o petista, é frágil a dianteira de ACM Neto apontada por diversas pesquisas de intenção de voto realizadas até agora. “Toda eleição estadual se pauta pelo cabeça de chapa da Presidência. Quanta gente dormiu de faixa e acordou sem estar eleito em 2018?”, afirma Wagner.
O PT comanda o Estado da Bahia desde a eleição de 2006 – oito anos com Wagner e mais oito com o governador Rui Costa (PT). Levantamentos de institutos locais apontam hoje para uma vitória de ACM Neto em primeiro turno. Wagner minimiza a diferença mostrada pelos levantamentos, afirmando que o cenário muda completamente quando é apresentado ao eleitor como candidato oficial da Lula. “A eleição se define 45, 60 dias antes da votação”, afirma.
O presidente Jair Bolsonaro deve ser representado na Bahia pela candidatura do ministro da Cidadania João Roma (Republicanos), que corre por fora na disputa. Isso não deve impedir as tentativas do PT em associar ACM Neto à figura impopular do presidente da República no Estado. O objetivo é frustrar um eventual voto ACM Neto/Lula, algo que está ocorrendo atualmente.
Cientista político e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Paulo Fábio Dantas Neto pondera que não vai ser tão simples para o PT vincular a imagem de ACM Neto à do presidente Bolsonaro. O ex-prefeito tem a “ficha limpa” por não ter tentado surfar a onda Bolsonaro em 2018. Na época, o candidato apoiado por ele a governador, Zé Ronaldo (UB), tentou fazer isso e foi confrontado publicamente pelo ex-prefeito.
ACM Neto apoiou Geraldo Alckmin, então no PSDB, que não passou de 2,35% dos votos no Estado da Bahia. Fernando Haddad ficou em primeiro lugar, com 60%, e Bolsonaro em segundo, com 23%. Na eleição para governador, Rui Costa teve 75,7% dos votos no primeiro turno. “Neto é um político estratégico, não apenas tático e imediatista. Ele pensa sempre mais à frente”, diz Dantas.
O ex-prefeito construiu um grande capital político em Salvador, que governou por dois mandatos. Nas eleições passadas, ele emplacou o sucessor Bruno Reis (UB), que venceu a disputa pela prefeitura em primeiro turno com facilidade. “Neto construiu a maior parte da sua trajetória política fora do poder. Ainda que sua primeira eleição para deputado ele tenha se beneficiado pela influência do avô [o ex-governador Antônio Carlos Magalhães (1927-2007)], ele conseguiu se desvencilhar da imagem de político oligárquico se associando à juventude”, afirma Dantas.
Apesar disso, é consenso entre aliados e adversários que o cenário nacional é bastante adverso para Neto. Desde a redemocratização, nenhum candidato a governador na Bahia conseguiu se eleger contra o governo estadual e o governo federal ao mesmo tempo. A dificuldade aumenta porque o seu adversário conta ainda com recall de duas gestões bem avaliadas no Estado.
Para Wagner, a terceira via é difícil simplesmente porque nunca existiu no Brasil. “É uma invenção dessa eleição, todas as outras foram polarizadas. Aliás, uma invenção desonesta intelectualmente, pois quer colocar Lula e Bolsonaro como dois extremos comparáveis”, diz Wagner. “Lula colocou o país no cenário internacional. Bolsonaro tirou”, afirma Wagner. O petista tem tentado atrair o MDB para sua coligação, alegando que o partido não teve o espaço quando esteve no grupo político adversário. Ainda deve contar em sua chapa com o senador Otto Alencar (PSD) que estará na chapa, ou como vice ou na busca pela reeleição. Rui Costa é cotado para o Senado e o vice-governador João Leão (PP), deve assumir governo até final do mandato e vem sendo cotado como futuro ministro de Lula.
Enquanto isso, Neto tem trabalhado para que não haja apoio oficial do União Brasil – partido surgido a partir da fusão de DEM e PSL – a nenhum candidato a presidente.
Parte do União Brasil quer atrair Sergio Moro (Podemos) para a legenda. Para qualquer candidato no Nordeste, Moro seria visto “anti-Lula demais”, diz um aliado de ACM Neto. Pré-candidato ao governo de Pernambuco, o prefeito de Petrolina (PE), Miguel Coelho (UB), enfrenta desafio semelhante no Estado para tentar interromper a hegemonia de 16 anos de PSB no governo estadual.
Assim como Neto, Coelho só contará com a opção de explorar o desgaste dos grupos políticos que estão no poder. Ambos querem seus palanques abertos. Procurado pelo Valor, ACM Neto não deu entrevista.