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O presidente Lula ao lado do comandante do Exército, Tomás Ribeiro Paiva, e generais em Pernambuco — Foto: Ricardo Stuckert
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domingo 21 de janeiro de 2024 às 08:20h

Lula amplia número de militares no governo

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Depois de um início de mandato conturbado na relação com as Forças Armadas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a abrir espaço conforme reportagem de Dimitrius Dantas e Sérgio Roxo, do jornal O Globo, para militares em cargos do governo, aponta levantamento com base no Portal da Transparência. A gestão petista deu largada reduzindo a participação de integrantes da caserna, movimento que se acentuou na sequência dos ataques de 8 de janeiro. A partir de meados de 2023, no entanto, a presença voltou a se expandir, chegando a 2.760 militares em novembro, data mais recente com os dados disponíveis, refletindo a aproximação que marca a nova fase de convivência entre o petista e as Forças.

O número, que trata somente de representantes da ativa, é apenas 6,4% menor que os 2.938 de dezembro de 2022, último mês de Jair Bolsonaro na Presidência. Ainda em relação à gestão anterior, há mudança de perfil: Bolsonaro deixou a Presidência com 48 militares em cargos mais elevados da administração, número que Lula reduziu a 29 em novembro de 2023.

A presença de militares em cargos da administração federal ganhou tração no governo de Michel Temer, movimento que foi impulsionado por Bolsonaro. Em julho de 2020, o Tribunal de Contas da União (TCU) divulgou um relatório que informava a presença de 6.157 militares no governo. O número incluía representantes da reserva e 1.969 contratos temporários, também com integrantes fora da ativa, para ajudar a reduzir a fila do INSS — a iniciativa terminou em 2021.

Lula começou seu terceiro período na Presidência retirando militares de cargos. O movimento foi contínuo até junho de 2023, quando o número atingiu seu patamar mais baixo: 2.557. Depois, o crescimento foi ininterrupto. A redução, seguida por uma retomada, é explicada principalmente pelo preenchimento de postos ligados à Presidência, núcleo do governo que mais requisita militares e onde está o Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

Tensão pós-8 de janeiro

O órgão foi foco de tensão em razão dos ataques às sedes dos três Poderes. Em janeiro de 2023, durante café da manhã com jornalistas, Lula afirmou que era hora de fazer uma “triagem profunda”. Antes, na campanha, já havia criticado a presença de integrantes das Forças com Bolsonaro e prometido reverter o quadro. Militares chegaram a perder espaço no comando da segurança de Lula, mas recuperaram o protagonismo no segundo semestre.

— O Palácio do Planalto estava repleto de bolsonaristas, de militares, e estamos vendo se conseguimos corrigir para colocar funcionários de carreira, de preferência civis — disse Lula em janeiro de 2023.

Militares na ativa no governo — Foto: Editoria de arte

Desgastado após virem à tona imagens em que interagia com invasores no Palácio do Planalto, o general Gonçalves Dias, até então nome de confiança de Lula, deixou a chefia do GSI em abril. O posto chegou a ser assumido interinamente pelo secretário-executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Cappelli, que promoveu uma série de exonerações — no mês seguinte, o general Marcos Amaro virou ministro.

Em entrevista ao jornal O Globo, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, afirmou que a relação entre Lula e as Forças Armadas hoje está “pacificada” e que o presidente tem canal direto e conversa com todos os comandantes. No caso do Exército, hoje completa um ano de um dos episódios mais tensos da relação: a demissão de Júlio César de Arruda do comando. O general Tomás Paiva assumiu o posto e atuou na aproximação entre Lula e as tropas — o presidente ouviu do oficial que a instituição é “apolítica, apartidária e imparcial”.

O Ministério da Saúde também teve a presença militar esvaziada e, posteriormente, inflada. Ao longo da passagem de Bolsonaro, a pasta chegou a ter os dois principais postos na mão de oficiais do Exército: o general Eduardo Pazuello foi ministro em parte do mandato, com o coronel Elcio Franco ao lado como secretário-executivo. Cargos do segundo escalão, como as secretarias de Atenção Especializada à Saúde e de Saúde Indígena, e de terceiro, a exemplo do Departamento de Monitoramento e Avaliação do SUS, também foram comandados por integrantes da caserna.

Em dezembro de 2022, fim da gestão Bolsonaro, eram 229 militares na Saúde, quantidade que caiu para 187 em junho do ano passado e depois subiu para 196 em novembro. O número é justificado também pela presença de militares com formação técnica na área, como médicos e enfermeiros que são cedidos a hospitais federais, por exemplo.

— É de se estranhar a situação do Ministério da Saúde. Não vejo motivo para ter tantos militares em um ministério que tem uma função fim completamente diferente (das atribuições militares) — afirmou o deputado Carlos Zarattini (PT-SP), que é um dos vice-líderes do governo no Congresso e no ano passado tentou emplacar a proposta para mudar o artigo 142 da Constituição e delimitar o poder de militares, o que gerou atrito com a caserna.

O trecho costuma ser usado por bolsonaristas para defender a atuação das Forças como poder moderador, interpretação rechaçada pelo Supremo Tribunal Federal.

No Ministério da Defesa, que sob Lula voltou ao comando de um civil após quase seis anos, havia 850 militares em cargos no fim do governo Bolsonaro. A quantidade caiu para 833 no fim do primeiro semestre de 2023 e chegou a 845 em novembro, praticamente o mesmo número deixado pela gestão anterior. Já na vice-Presidência, que no governo passado tinha o general Hamilton Mourão à frente, eram 47 militares quando Bolsonaro deixou o poder — quantidade que passou a 25 em novembro do ano passado. Procurada, a Defesa disse que não iria se pronunciar sobre a participação de militares na gestão.

Outros Acenos

O governo também fez outros gestos, como a inclusão de projetos estratégicos das Forças no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com promessa de investir R$ 52,8 bilhões, e o apoio a uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que trata dos militares na política de uma forma que tem o apoio de oficiais: proíbe militares da ativa de se candidatarem e veda o retorno aos quartéis após as campanhas, mas permite que eles sigam podendo ser ministros de Estado.

O Executivo também não fez nenhum movimento para que avançasse no Congresso uma proposta do PT que altera o artigo 142 da Constituição. O ministro José Múcio também postergou o envio de um parecer necessário para o governo reinstalar a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, grupo incômodo às Forças por atuar na identificação de vítimas da ditadura militar e na reparação às famílias.

Para o cientista político Christian Lynch, professor do Iesp-Uerj e pesquisador da Casa de Rui Barbosa, a oscilação nos números reflete a necessidade de Lula de afastar os militares ligados a Bolsonaro, mas manter a boa relação com a caserna:

— Num primeiro momento, ele (Lula) repele os militares por sua conexão ou condescendência ou cumplicidade com o golpismo, especialmente o 8 de janeiro, na sequência você tem a pacificação. Esta política significa contentar a corporação e mostrar de novo que há lugar para as Forças Armadas no governo.

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