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domingo 7 de julho de 2024 às 11:10h

Ligados a Bolsonaro e ao agronegócio, sertanejos seguem distantes de Lula

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Não dá para negar as aparências e disfarçar as evidências: os artistas da música sertaneja resistem a uma aproximação com o presidente Lula. Ostentando números astronômicos nas plataformas de streaming e milhões de seguidores nas redes sociais, e responsável por movimentar festas e feiras pelo interior do país, o gênero que se divide em estilos como feminejo, sertanejo universitário e sertanejo gospel tem bem menos diversidade na arena política. O apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi a toada nas eleições de 2022. Por isso, o segmento reagiu mal a uma ideia proposta pelo senador Jorge Kajuru (PSB-GO) durante um bate-papo com o cantor Leonardo: um encontro da classe com o chefe do Executivo.

A hipótese ventilada por Kajuru ocorreu durante a participação de Leonardo no podcast Podk Liberados, apresentado pelo senador. O cantor enalteceu o ex-presidente, elogiando seu modo de governar, e chamou Lula de “estrategista de primeira categoria que falava o que o povo queria ouvir”.

— Ao terminar a entrevista, eu perguntei se ele (Leonardo) teria interesse em ter uma conversa com o Lula para mostrar que não tinha nada contra ele, embora fosse bolsonarista. O Leonardo disse que não tinha problema, mas tinha que ver questão da agenda — explicou o senador. — Foi algo que pensei na hora. Não um pedido do Palácio do Planalto.

Leonardo não quer mais comentar o assunto. Via assessoria, disse que não tem interesse em participar de atividades políticas e que está focado na agenda de shows.

A reação do Palácio Planalto também esfriou a possibilidade de aproximação. O governo negou que haja a intenção de marcar um evento com os artistas. Procurada pelo jornal O Globo, para comentar a possibilidade, a ministra da Cultura, Margareth Menezes, elogiou os sertanejos e disse que a pasta está de portas abertas para dialogar com o segmento. Mas apesar de dizer que poderia estar em um eventual encontro como o imaginado por Kajuru, não garantiu a presença.

— Os artistas sertanejos têm uma grande contribuição para nossa cultura, algo que não começou agora. O estilo é parte integrante do cenário musical brasileiro, com raízes profundas. Se houver um encontro com o presidente, acredito que será um momento interessante — reconheceu. — Estarei presente, se possível.

Desde que Bolsonaro perdeu para Lula, os astros do sertanejo têm evitado política nas redes sociais. A exceção foi Eduardo Costa. Questionado pelo O Globo, ele garantiu não ter interesse em se aproximar de Lula e que “não iria em hipótese alguma” a um encontro com o petista.

Os demais procurados pela reportagem — Chitãozinho e Xororó, Zé Neto e Cristiano, Zezé Di Camargo e Luciano, Bruno e Marrone, Sérgio Reis, Naiara Azevedo e Sula Miranda — informaram não ter recebido convite algum para uma agenda com o presidente. Mas não revelaram se estariam abertos à possibilidade.

A dimensão do universo sertanejo no Brasil é gigantesca, com potencial para ser transformada em capital político, daí os artistas costumarem ser contratados por prefeituras por todo o país, muitas vezes com cachês que contrastam com as condições precárias de serviços no municípios. O gênero domina o mercado fonográfico do país há anos. Em maio, um levantamento do Spotify mostrou que sete dos dez artistas mais ouvidos da década no Brasil são sertanejos. No primeiro semestre deste ano, o ritmo também ocupou nove das dez posições na lista de músicas mais tocadas no país, segundo dados das empresas de monitoramento de áudios Crowley e Connectmix.

Cantor indiciado

Apesar de se esquivarem do debate político, é possível identificar nos sertanejos sinais da sua relação com Bolsonaro, sobretudo pelas redes sociais. Quase todos seguem o ex-presidente e parentes do ex-mandatário em suas contas do Instagram. Mas há uma segunda voz dissonante neste universo: a dos cantores que acompanham o perfil “Fora Lula”, como Eduardo Costa e Zezé di Camargo.

Sertanejo raiz, o cantor Sérgio Reis é um dos mais críticos à gestão Lula. Em vídeo publicado em maio em seu Instagram, ele aparece vestido com uma camisa da Associação Brasileira dos Patriotas, grupo que se declara “indignado com a situação política e econômica do país” e que defende do ex-presidente Bolsonaro. Na sexta-feira, o artista foi indiciado pela Polícia Federal com outras 12 pessoas por incitar atos antidemocráticos em setembro de 2021.

A presença de sertanejos no Palácio do Planalto era uma constante na gestão Bolsonaro. Em 2020, o então presidente foi homenageado em cerimônia com a presença de nomes como Henrique e Juliano e João Neto e Frederico. No ano seguinte, artistas participaram de um almoço com o então presidente em Brasília, entre eles Sorocaba, da dupla com Fernando, e Naiara Azevedo. A maior manifestação de apoio da classe, contudo, aconteceu na eleição de 2022: eram eleitores de Bolsonaro declarados Gusttavo Lima, Leonardo, Zezé Di Camargo, Chitãozinho e Sula Miranda.

A agenda de Lula também tem eventos com artistas e influenciadores, mas eles ficam bem restritos a personalidades que já o apoiam desde a campanha, e integram a MPB, um universo mais relacionado aos grandes centros urbanos, como São Paulo, Rio e Salvador. Em dezembro, Lula e a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, foram recebidos para um jantar na casa do cantor Chico Buarque, onde também estiveram Maria Bethânia e Caetano Veloso.

O pesquisador Gustavo Alonso, doutor em história e autor do livro “Cowboys do asfalto: música sertaneja e modernização brasileira”, destaca que a manifestação política de artistas sertanejos não é recente.

— Houve cantores que apoiaram o Collor, houve apoio de nomes do sertanejo também ao Fernando Henrique Cardoso. Até mesmo à primeira campanha de Lula, em 2002, quando o Zezé di Camargo gravou um jingle (para a campanha). Muitos apoiaram o Bolsonaro, mas nem todos. A Marília Mendonça, por exemplo, participou do movimento “Ele não”, contrário ao ex-presidente — lembra o pesquisador. — O governo Lula pode aproveitar esse momento em que eles estão evitando se manifestar publicamente sobre política para tentar se aproximar do grupo, que tem muito o que contribuir para a área cultural do país.

Exceção à regra, estrelas do sertanejo como Lauana Prado e Yasmin Santos são apontadas como apoiadoras de Lula. As duas não declaram publicamente seus posicionamentos políticos, mas seguem o atual presidente nas redes sociais. Após a posse do petista, Lauana chegou a ironizar Bolsonaro em um comentário no perfil de Lula no Instagram e na campanha eleitoral ela também pedia a seu público para “fazer o L”: de Lauana e Lula.

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