O próximo leilão destinado a contratar usinas para garantir a segurança do suprimento de energia segue indefinido, enquanto o Brasil passa por uma nova crise hídrica que afeta as hidrelétricas e levou à antecipação do acionamento de usinas termelétricas.
Agentes do setor seguem à espera das diretrizes do Leilão de Reserva de Capacidade (LRCAP), ainda sem sinalização do governo. Fontes do Ministério de Minas e Energia apontam que haverá uma dificuldade para concluir os trâmites necessários para o certame ocorrer nos meses restantes de 2024.
Após a publicação da portaria, o prazo é de 30 dias para a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) realizar a regulamentação do texto. Depois disso, é aberta uma consulta pública com duração de 45 dias.
Outros 30 dias são necessários para determinar os últimos parâmetros do leilão. Até lá, já se chegou ao fim do mês de dezembro, com um curto prazo para a conclusão.
São ritos de praxe, que podem eventualmente ser encurtados.
A expectativa inicial era que o certame fosse realizado em agosto.
A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) estima que o sistema elétrico brasileiro vai precisar de oferta adicional de potência já a partir de 2027, com necessidade adicional de 5,5 GW em 2028.
Na avaliação do diretor executivo de Marketing da Eneva, Marcelo Lopes, o aumento do despacho termelétrico nos próximos meses, em resposta à piora dos reservatórios, reforça os fundamentos do leilão de reserva de capacidade – ou seja, o papel das térmicas para a garantia da segurança do sistema.
Lopes reforça que é preciso avançar logo com o certame, sob o risco de se trazer insegurança para o sistema na segunda metade da década.
“Os fundamentos do leilão estão cristalinos. O despacho térmico está alto neste momento e em outubro e novembro deve ser mais crítico. Se está havendo uma necessidade agora em 2024, imagina daqui pra frente. Fica mais desafiador”, comentou.
“No limite, se não houver o leilão de reserva, vai ter mais leilão emergencial lá na frente, que é uma solução que impacta diretamente na conta para o consumidor”, disse Lopes, em referência à contratação emergencial de usinas em meio à crise hídrica de 2021.
A Eneva trabalha para negociar, no leilão, cerca de 1 GW (gigawatt) de térmicas existentes – com a recontratação das UTEs Parnaíba 1 e 3 e parte das usinas recém-adquiridas do BTG – e 1,5 GW de capacidade nova, com a expansão da Celse, empreendimento adquirido em 2022.
Para Xisto Vieira Filho, presidente da Associação Brasileira de Geradoras Termelétricas (Abraget), o cenário de descontratação é um dos fatores que tornam o LRCAP urgente.
“Nós já temos cerca de 8 GW de térmicas sem contrato, e nós até o período deste leilão outros 10,5 GW devem estar descontratados. Para fazer o leilão ainda em 2024, vão ter que simplificar algum processo burocrático”, analisou.
O presidente da Abraget vê com preocupação também a possibilidade de contratação de fontes que não promovem a segurança necessária para o sistema.
O Ministério de Minas e Energia foi consultado sobre os motivos para o atraso no leilão, mas não respondeu o contato até a publicação desta reportagem.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, já deu declarações sobre a necessidade de promover o certame ainda em 2024, mas o tempo hábil é o principal impeditivo.
Na terça-feira (3), Alexandre Silveira tratou junto ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) sobre medidas para a estiagem e deu a entender que o LRCAP sairia ainda este ano. Silveira lembrou que existem 8 GW em usinas termelétricas sem contrato.
“É importante que essas térmicas sejam contratadas. Nós vamos fazer os leilões de capacidade, os números estão ficando cada vez mais latentes, por isso, nós estamos tendo todo o cuidado de soltar esse leilão. Porque a todo tempo o número oscila da nossa necessidade do sistema, nós queremos chegar e ainda esse ano começar os leilões”, afirmou.
A Associação Brasileira das Geradoras de Energia (Abrage) cobra que as regras sejam publicadas o quanto antes e sinaliza que as hidrelétricas possuem um potencial de adicionar 18 gigawatts ao sistema no LRCAP.
Embora o Brasil esteja passando por um período de seca, a Abrage afirma que a situação é conjuntural e não vai interferir na contratação.
“Caso esses empreendimentos sejam vencedores da licitação estarão aptos a entregar capacidade para atendimento aos seus contratos e aos consumidores do país a custos competitivos e com baixos impactos ambientais”, afirmou a entidade, por meio de nota.
A avaliação do presidente da Acende Brasil, Cláudio Sales, é que a inclusão da energia hidráulica é um dos principais avanços das diretrizes definidas para esse leilão.
No início de 2024, o MME incluiu a possibilidade de contratação de energia hidrelétrica existente, para que os reservatórios de água pudessem funcionar como baterias despacháveis.
“A usina hidrelétrica, por sua natureza, pode adicionar muita capacidade adicional, que é o que o sistema está requerendo, com um grande custo-benefício. É capaz de oferecer uma grande flexibilidade”, disse.
Para o futuro, Sales acredita que os sistemas de armazenamento e as usinas hidrelétricas reversíveis deverão ser consideradas nesse tipo de certame para garantir a segurança da operação.
Baterias virão?
O MME pretende fazer um leilão exclusivo para as baterias de armazenamento no segundo semestre de 2025, conforme antecipado em julho pela agência eixos.
A expectativa do setor de baterias é de que a tecnologia seja autorizada a participar já no próximo LRCAP.
Atores dos segmentos de eólica e solar têm defendido a inclusão no leilão dessas fontes junto com sistema de armazenamento para garantir a disponibilidade.
Markus Vlasits, presidente da Associação Brasileira de Soluções de Armazenamento de Energia (Absae), vê poucas chances de que o leilão de potência ocorra ainda em 2024, dados os prazos apertados.
“Esse ponto certamente preocupa, e eu acho que é uma preocupação não somente para armazenamento, mas para a operação do sistema elétrico como um todo, vide os problemas e os desafios que já estão se materializando agora”, afirmou.
Vlasits defende que o setor elétrico se modernize a partir das baterias, que serão importantes para os horários de maior carga.
“Possivelmente a gente vai passar com maior frequência por essas situações de déficit de potência. O que me chama a atenção é que a gente fala muito, e compreensivelmente a gente fala muito do déficit de potência, da necessidade de acionar termelétricas, mas também é urgente resolver o problema do vertimento das fontes renováveis”, analisou.
Xisto Vieira Filho, da Abraget, vê com ceticismo a aplicação de baterias para atender os requisitos de potência do sistema, sendo mais aplicáveis em grids menores e na geração distribuída.
“A bateria é um instrumento importante do sistema em diversas aplicações. Esta aplicação do LRCAP, que é uma aplicação de confiabilidade, definitivamente as baterias não têm”.
Estudos da Absae apontam que, para períodos de quatro horas, as baterias podem ser 50% mais econômicas do que o despacho de termelétricas.
Demora na definição do leilão de reserva de capacidade preocupa setor elétrico