sexta-feira 28 de junho de 2024
Proponente do evento realizado pela Comissão de Direitos Humanos, o deputado Hilton Coelho (Psol) criticou a letalidade policial na Bahia Foto: Juliana Andrade/Agência ALBA
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quarta-feira 29 de maio de 2024 às 07:03h

Legislativo baiano promove debate sobre “Juventudes Negras e Segurança Pública”

NOTÍCIAS


A Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública da Assembleia Legislativa da Bahia (AL-BA) realizou, na manhã desta última terça-feira (28), uma audiência pública intitulada “Juventudes Negras e Segurança Pública: outros caminhos possíveis”. Uma demanda do grupo Juventude Negra, solicitada na Casa pelo deputado Hilton Coelho (Psol), o evento contou com a presença de gestores, parlamentares e de representantes da sociedade civil organizada.

Primeiro a falar, o professor Samuel Vida salientou a importância do reconhecimento do genocídio negro no Brasil para se levar a sério o debate sobre segurança pública e juventude no Brasil. Segundo ele, todas as diferentes experiências governamentais no país até hoje, independentemente do espectro partidário ideológico, têm produzido resultados semelhantes. “Se há genocídio e racismo, temos que identificar quem perpetra, quem comanda essas engrenagens capazes de produzir mortes em um volume equivalente ao das guerras mais letais que o planeta conhece”, alertou.

Samuel Vida atribuiu a responsabilidade pela situação aos segmentos empresariais, “que são protegidos por esse modelo de segurança pública, que serve fundamentalmente para preservar patrimônio, para conter toda as expectativas de democratização ou redistribuição de riquezas”, e também aos integrantes das estruturas estatais que gerenciam o governo. “Esses sujeitos são afastados das suas responsabilidades nesse modelo que restringe a segurança pública à policização”, afirmou.

O professor apontou, como caminho possível, o reconhecimento do fracasso e a reversão do modelo histórico de segurança pública, “que viola direitos e é incompatível com a democracia”; a criação de um gabinete de emergência, com a participação da sociedade civil, representação das vítimas, seus familiares, e pesquisadores de universidades; e adoção imediata de comissões da verdade e reparação.

“Precisamos passar a limpo cada episódio de morte ilegal praticada pelo Estado, para que as responsabilidades sejam devidamente atribuídas, para que o Estado repare simbólica e materialmente as vítimas, para que isso não se repita, interrompendo esse ciclo de perversidade”, concluiu.

Vulnerabilidade

Hilton Coelho contextualizou a situação de vulnerabilidade vivida pela juventude negra baiana e brasileira, “que não aguenta mais ser assassinada e estar sob a mira”. O parlamentar apontou números de letalidade policial na Bahia que figura como o pior do Brasil, superando o Rio de Janeiro. “Precisamos parar para acertar. Pra se ter uma ideia, todas as forças policiais dos EUA em 2022, tiveram uma letalidade de 1.201 pessoas, e só no estado da Bahia, uma letalidade de 1.464 pessoas, maior que todo os Estados Unidos”.

O socialista reclamou diante do fato de o programa Bahia pela Paz não tenha sido discutido com a sociedade civil, e a proposta de emenda parlamentar ao projeto não tenha sido incorporada. “Precisamos ter uma ação de poder público, precisamos ter incidência sobre o Bahia pela Paz, estaremos gerando um programa que vai empurrar a situação, passando mais uma vez sobre os corpos da juventude negra”, frisou.

Representando o Iniciativa Negra, Dudu Ribeiro apontou como um dos maiores desafios da democracia brasileira a superação da lógica de um estado anti-negro. “Ficou nítido, no censo demográfico de 2022, que esta cidade está perdendo meninos negros a rodo, eles nascem em maioria em relação às meninas negras, aos 19 anos elas alcançaram os meninos em número, e quando elas chegarem aos 60 anos serão o dobro dos homens negros”, explanou.

A ideia de guerra às drogas pautando o orçamento público e olhando as comunidades a partir de uma lógica racista, na qual, ao se deparar com índices de violência e morte, envia mais viatura, mais polícia, mas coletes. “Se o gestor quisesse, poderia mandar mais pista de skate, mais quadras de futebol, mais escolas, mais oportunidades, que é isso que promove a vida. Colocar mais polícia, mais arma, é para a gente incentivar um processo de morte. E isso é uma escolha política”, afirmou.

Transparência

Diretora de Dados e Transparência, Maria Isabel Couto, exibiu o levantamento do Instituto Fogo cruzado, dando conta de que um terço de toda a violência armada registrada em Salvador e Região Metropolitana ocorre em ações policiais e que, em 2023, foram registradas na capital mais chacinas policiais que o Rio de Janeiro. Dos 103 bairros da capital que tiveram registros de tiros e que possuem população residente negra acima da média de Salvador, concentraram 88% dos tiroteios em ações policiais.

“Por meio desses dados, percebemos que as forças de segurança, que têm o dever constitucional de resguardar a vida da população, tornaram-se parte do problema. Os dados não deixam dúvidas que os protocolos e políticas que deveriam ser utilizados para combater a criminalidade sem colocar em risco à vida das pessoas, estão operando em sentido oposto”, lamentou.

Por outro lado, Isabel destacou as movimentações feitas nos últimos anos por parte do Estado com a formulação do Bahia pela Paz, o lançamento do programa Município Seguro, o fortalecimento do Grupo de Atuação Especial Operacional de Segurança Pública (Geosp), e do Centro de Apoio Operacional de Segurança Pública e Defesa Social (Ceosp), no Ministério Público, além da instauração de trabalhos pela SSP, para qualificar a produção e circulação de dados e evidências e debater medidas de redução da letalidade policial, e os esforços para a implementação de câmeras corporais.

As referidas ações, segundo Isabela, podem mudar a cara da segurança pública na Bahia, mas o sucesso do caminho dependerá do estabelecimento de medidas de transparência e de participação social. “Enquanto o Estado for dominado por grupos de empresários que colocam o patrimônio à frente da vida e que pensam apenas na sua perpetuação no poder, isso não vai mudar”.

Identificada com a luta antirracista, a deputada Olívia Santana (PC do B) lamentou o extermínio da população negra desde a escravidão até os dias atuais e relatou três abordagens policiais agressivas sofridas por ela e por outros parlamentares negros, a exemplo do deputado estadual do Paraná, Renato Freitas.

“Essa questão da violência nos tira o sono, a gente acompanha todas as manifestações e cobramos do governo. Com o poder econômico, o narcotráfico e as milícias elegendo mais deputados é preciso coragem de estabelecer o debate e somar forças para enfrentar os reais inimigos e empurrar o governo para ir adiante, para que não se intimide diante dessa estrutura”, disse.

Representando a Superintendência de Prevenção à Violência da Secretaria de Segurança Pública, André Francisco de Campos elogiou a atuação da comissão e a pressão popular, “graças a elas hoje a gente começa ver uma luz no fim do túnel e ver as políticas públicas mudarem de cara”.

Segundo André, por conta da pressão popular, hoje tem uma mulher preta, a tenente-coronel Denice Santiago, pautando a violência contra a mulher na SSP, a comunidade LGBT tem espaço nas discussões sobre como o policiamento deve atuar com o segmento e com os outros grupos em situação de vulnerabilidade e as câmaras corporais já estão se tornando uma realidade “É graças a pressão popular que hoje está em fase de acabamento um plano de redução da letalidade policial imposto pelo Conselho Nacional de Justiça, que vai gerar uma série de medidas e impactar a atuação policial com instrumento de menor potencial ofensivo, com elementos de gestão, acompanhamento de estatísticas, capacitação de servidores, em todos os cursos onde há disciplina de relações raciais e de gêneros”, acrescentou.
O material levantado no debate – o registro feito pela TV ALBA e o relatório – será encaminhado à Secretaria de Segurança Pública.

Compuseram a mesa – comandada pelo presidente da comissão, Pablo Roberto (PSDB) e pelo proponente Hilton Coelho – a deputada Olívia Santana (PC do B); o professor Samuel Vida – professor da Ufba e representante do Movimento Negro; o professor e representante do Mocambo, Hamilton Assis; o major PM André Francisco de Campos, da Superintendência de Prevenção à Violência (SPREV/SSP); o representante do Iniciativa Negra, Dudu Ribeiro; a representante do Incomode, Nadjane Santos; Leandro Vilas Verde, da Cipó Comunicação Interativa; Maria Isabel Couto, diretora de Dados e Transparência; Alexandro Reis, chefe de gabinete da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Estado da Bahia (Sepromi); o delegado Ricardo Amorim, assessor técnico do Departamento de Proteção à Mulher e Pessoas Vulneráveis da Delegacia de Polícia Militar e Civil (MCV/PCBA); Namíbia Yakini Mota de Oliveira, da Superintendência de Prevenção à Violência (SPREV/SSP); o major da PM Sílvio Conceição do Rosário, do Departamento de Promoção Social (DPS-PMBA); Ana Emanuela Cordeiro Rossi Meira, do Comitê de Prevenção de Homicídios Contra Crianças e Adolescentes de Salvador, do Ministério Público Estadual.

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