“Nós, julgadores, temos que ter um olhar para além das leis. Não devemos perder de vista que mulheres e homens são iguais, mas que as mulheres ainda estão vulneráveis”. Com essa afirmação, a desembargadora Gardênia Duarte, do Tribunal de Justiça da Bahia, marcou a importância do tema “A Participação da Mulher no Judiciário”, debatido em evento na sexta-feira (23), no Tribunal Regional Eleitoral da Bahia.
A magistrada esteve ao lado da também desembargadora do TJ-BA, Nágila Brito, que fez observações igualmente assertivas sobre lentes de gênero. “Precisamos deixar a cultura patriarcal em que nos colocaram desde criança para atuar em favor da mulher, e isso não deve se restringir ao Judiciário, mas estar no Legislativo, que cria leis de proteção, e em toda a sociedade, para acabar com a masculinidade tóxica”, afirmou Nágila Brito.
Promovido pela Secretaria de Gestão de Pessoas em parceria com a Escola Judiciária Eleitoral da Bahia e a Assessoria de Comunicação do TRE-BA, o evento apresentou um panorama da atuação das mulheres na Justiça do estado e trouxe para a discussão questões como a desigualdade de gênero e o feminicídio. O diretor da EJE-BA, o juiz Freddy Pita Lima, definiu como um encontro sobre empoderamento. “Hoje, temos no judiciário baiano uma equiparação entre homens e mulheres, o que é algo muito importante”, destacou o magistrado.
O diretor da EJE mencionou ainda a medida adotada recentemente pelo TJ-BA, que implantou o botão do pânico para proteger vítimas de violência doméstica. “A atuação de juízas é muito importante para que medidas como essa sigam acontecendo. Este encontro, aqui, hoje, é sobre empoderamento feminino no Judiciário”. A mediação do debate foi feita pela jornalista Tatiana Cochlar, coordenadora de Multimeios do Superior Tribunal de Justiça, com o apoio da jornalista Carla Bittencourt, da Ascom do TRE-BA.
Quebra de paradigmas
A desembargadora Gardênia Duarte falou sobre “a importância de quebrar paradigmas em uma profissão que, ao longo dos anos, vem sendo exercida por homens”. Ao recuperar a memória do judiciário baiano, ela lembrou que, embora o TJ tenha sido criado em 1609, foi apenas em 1948 que a juíza baiana Gabriela Seixas tornou-se a primeira mulher a assumir a magistratura na Bahia.
O discurso de Gardênia Duarte foi pontuado por relatos pessoais, que também trouxeram a experiência de ser a primeira juíza de algumas comarcas pelas quais passou, no interior do estado. A então juíza sempre foi respeitada, mas teve que lidar com algumas situações, como ouvir que era importante mostrar que era casada ou chegar em evento acompanhada do marido e ver cerimoniais confusos, saudando o “desembargador”.
“Quantos séculos foram necessários até que a primeira mulher chegasse ao Judiciário! Hoje, queremos mostrar que somos iguais e devemos ser respeitadas por isso, embora tenhamos sempre que defender os direitos da mulher sabendo que elas estão em uma situação infinitamente mais desafiadora, seja na integridade física, seja no mercado de trabalho”, afirmou a desembargadora. Ao final, ela convocou o público para a ação: “Temos que ajudar nossas irmãs porque, ao apoiá-las, apoiamos toda a sociedade”.
Feministas
O debate chegou ao aspecto mais grave da discussão sobre mulheres quando a desembargadora Nágila Brito falou sobre morte por violência doméstica. “Não há uma sessão em que não tenhamos pelo menos dois ou três recursos por causa deste tema”, afirmou e prosseguiu: “O mais triste é ver que o feminicídio é, na maioria das vezes, praticado por pessoas que elas acreditam ser as que mais amam”.
Presidente da Coordenadoria da Mulher do TJ-BA, Nágila citou a Resolução 255/2018, norma do Conselho Nacional de Justiça que instituiu a Política Nacional de Incentivo à Participação Feminina no Poder Judiciário. “Isso é fomento à equidade de gênero”. Para a magistrada, todas essas questões devem ser pensadas a partir dos feminismos e, em especial, do feminismo negro. “Em minhas pesquisas, descobri que até a analgesia é dada em menor quantidade à mulher negra, como se ela fosse capaz de aguentar mais dor”.
A desembargadora afirmou defender um feminismo baseado na bioética e enfatizou a importância de praticar a sororidade, palavra que vem de sóror (irmã) e significa irmandade e parceria. Ela atribui a todos os cidadãos a responsabilidade de atuar pela transformação social e lembrou que, apesar de as mulheres estarem em maior número, isso ainda não se refletia na ocupação de espaços de poder público. “Não somos minoria, somos maioria. Onde está a sororidade para eleger mulheres?”. No incentivo ao que poderia ser uma resposta, ela deixou um conselho: “Sejamos todos feministas, como bem diz a escritora nigeriana Chimamanda Adichie”.