Companhias de energia que operam hidrelétricas vão pleitear ao novo governo brasileiro um aumento na remuneração de serviços que as usinas passaram a prestar ao sistema elétrico, a fim de permitir novos investimentos nas plantas, além de uma retomada de projetos para a construção de novas hidrelétricas de médio porte no país, disseram à Reuters executivos do setor nesta segunda-feira. As informações são da Reuters.
As propostas, que ainda não foram entregues formalmente, fazem parte de um conjunto de medidas elaboradas para valorizar a principal fonte de geração do Brasil, correspondendo a cerca de 60% da matriz elétrica, e vista como essencial para garantir a estabilidade do fornecimento de energia diante do crescimento das fontes eólica e solar, que têm geração variável ao longo do dia.
Uma das principais demandas é que as hidrelétricas passem a ser remuneradas adequadamente pelos chamados “serviços ancilares” (de apoio à segurança do sistema elétrico) e, com isso, possam investir em modernização e aumento da potência das usinas existentes, muitas das quais já superam os 30 anos de vida.
Com regras que incentivem esses investimentos, o parque de hidrelétricas do Brasil, de cerca de 100 gigawatts (GW) de potência, poderia aumentar de 5% a 20%, segundo estudos da International Hydropower Association (IHA), entidade que está participando das discussões junto às empresas do segmento.
“As hidrelétricas são baterias gigantes e possibilitam o controle da frequência. Em termos elétricos, é o que mantém o Brasil sem apagões… porque as hidrelétricas proporcionam carga contínua de base… é invisível, mas vale muito para a continuidade do fornecimento”, afirmou Adriana Waltrick, CEO da SPIC Brasil, subsidiária da gigante chinesa State Power Investment Corporation.
No dia a dia, as usinas têm de fazer manobras com as máquinas, para parar ou reiniciar rapidamente, a depender da oferta de energia que o operador do sistema ONS tem à disposição no momento –e que tem variado mais com a inserção de mais usinas eólicas e solares, cuja geração não é controlável.
Segundo a executiva da SPIC, há um custo de oportunidade que não está sendo remunerado adequadamente pela tarifa recebida pelos geradores hoje, que leva em conta a entrega da energia pactuada em contrato.
Sem incentivos, os geradores não investem na chamada “repotenciação”, ou aumento da potência das máquinas.
“O gerador acaba parando a usina para fazer reforma obrigatória, mas não faz um investimento que poderia levar a um ganho de garantia física (quanto de energia a usina pode comercializar) para o setor e para ele”, disse Gil Maranhão, diretor de Responsabilidade Social Corporativa e Comunicação da Engie Brasil.
O tema tem sido levantado ainda por outros grandes geradores, como a Eletrobras, que também defende uma modernização da regulação dos serviços ancilares.
Novas hidrelétricas
Os geradores também vão propor que o Brasil abandone uma “autocensura” imposta na construção de novas hidrelétricas, que deixaram de ser avaliadas após projetos polêmicos do ponto de vista social e ambiental, como Belo Monte, e em um contexto de avanço tecnológico de fontes de implementação mais simples.
Segundo Maranhão, da Engie, não está na pauta o retorno de grandes empreendimentos hidrelétricos, com grandes áreas de alagamento para reservatório e deslocamento de população.
“O que nós defendemos é construção de hidrelétricas médias, que são palatáveis para empresas privadas, mais fáceis de lidar com desafios socioambientais, não estão na Amazônia, mas espalhadas no Brasil inteiro, e com um tamanho de reservatório que gere esses atributos, essa flexibilidade (ao sistema).”
O último grande empreendimento hidrelétrico inaugurado no Brasil foi Belo Monte, cuja última máquina entrou em operação em 2019. Desde então o país não tem desenvolvido novas oportunidades na fonte. Há alguns projetos parados, com estudos pendentes e sem decisão de construção.
Para Cláudio Trejger, presidente da divisão de Hydro da GE Renewable Energy na América Latina, o país está num “bom momento” para retomar a construção de novas hidrelétricas, respeitando as diretrizes dos órgãos competentes.
“Além disso, temos tecnologias avançadas para a modernização e atualização de usinas já existentes, o que permite otimizar as operações e aproveitar ao máximo o recurso hídrico que temos disponível”, avalia.
Já o presidente da IHA, Roger Gill, destacou o potencial das hidrelétricas no contexto da transição energética, dizendo enxergar uma “grande oportunidade” de preencher o buraco deixado pelos fontes mais poluentes, como o carvão, a um baixo custo e em um curto espaço de tempo.
“Estamos prontos para ajudar o governo a aproveitar ao máximo esta oportunidade enquanto desenvolvemos a capacidade para um sistema elétrico limpo, verde, moderno e acessível a longo prazo, incluindo energia hidrelétrica sustentável”, disse Gill.