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segunda-feira 20 de março de 2023 às 07:39h

Guerra do Iraque, 20 anos: o brasileiro que ‘poderia ter evitado o conflito’

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No 20º aniversário da Guerra do Iraque, José Maurício Bustani sofre ainda hoje por não ter conseguido evitar que o conflito acontecesse.

“Meus sentimentos não mudaram em 20 anos”, disse o ex-diplomata brasileiro de 77 anos à Fernando Duarte, da BBC News Brasil.

“Houve uma guerra inútil que matou um grande número de pessoas de ambos os lados e a única coisa que esse conflito provou foi que você pode manipular a sociedade internacional pela força bruta”, acrescenta.

O ex-diplomata brasileiro protagonizou um dos episódios mais polêmicos — hoje quase esquecido — nos dias que antecederam a Guerra do Iraque. Em abril de 2002, ele foi demitido do cargo de diretor-geral da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ) após intenso lobby de Washington.

Promessas

Na época, Bustani estava tentando convencer o Iraque a assinar a OPAQ, que obrigaria o regime de Saddam Hussein a permitir aos inspetores acesso total a quaisquer armas químicas à sua disposição.

Alegações de que Saddam tinha “arsenais” de armas químicas foram o principal argumento de guerra apresentado pelo governo de George W. Bush para justificar a invasão do país do Oriente Médio.

Fotos da ONU de armas

Bustani diz que tinha informação de “inteligência suficiente” de que as armas químicas do Iraque tinham sido destruídas após a Guerra do Golfo de 1990-91 CRÉDITO,GETTY IMAGES

“Recebi uma carta do governo iraquiano no final de 2001 dizendo que estava ‘pronto’ para aceitar a Convenção de Armas Químicas e as inspeções no país”, lembra o ex-diplomata.

“Foi um momento de pura felicidade para mim, mas os americanos não gostaram nada da notícia.”

A correspondência com Bagdá ocorreu um pouco antes do memorável discurso do Estado da União de Bush em janeiro de 2002, o primeiro após os ataques de 11 de setembro. No discurso, ele se referiu ao Irã, Iraque e Coreia do Norte como um “eixo do mal” e acusou o regime de Saddam de conspirar para desenvolver armas químicas e nucleares.

Bustani, que estava no comando da OPAQ desde 1997 e foi reeleito por unanimidade para um segundo mandato em 2000, disse à BBC que a organização tinha “inteligência suficiente” de que as armas químicas do Iraque haviam sido destruídas após a Guerra do Golfo de 1990-91. Além disso, a entidade dizia que o Iraque “não tinha capacidade” para repor os estoques graças às sanções paralisantes sob as quais estava sujeito desde aquele conflito.

“Acredito que Washington já tinha algum plano de vingança pelo 11 de setembro, pois estavam convencidos de que Saddam estava ligado aos ataques. Assim que contei a eles sobre o [que sabíamos sobre o] Iraque, a campanha para me expulsar começou.”

Mudança de visão em Washington

O governo dos EUA fez críticas ao “estilo de gestão” do brasileiro e, posteriormente, fez acusações de “má gestão financeira”, “ser tendencioso” e de adotar “iniciativas imprudentes”. Foi uma mudança dramática em relação ao endosso que havia recebido do (então secretário de Estado) Colin Powell, que em 2001 escreveu a Bustani para agradecê-lo por seu trabalho “impressionante”.

Como maior contribuinte do orçamento da Opaq, os EUA ameaçaram retirar seu apoio financeiro à agência.

No dia 21 de abril, a pedido dos EUA, foi realizada uma reunião especial que selou o destino do brasileiro em votação especial: 48 países se manifestaram a favor de seu afastamento, com sete contra e 43 abstenções.

“Vários países estão preocupados com seu estilo de gestão há algum tempo, e todos nós decidimos convencê-lo a sair discretamente e encontrar uma saída apropriada. Ele optou por não fazê-lo”, disse um funcionário dos EUA ao jornal Washington Post em 23 de abril.

O mesmo artigo observou que o episódio “marcou a campanha pública mais amarga dos Estados Unidos para forçar um alto funcionário internacional a deixar o cargo desde que o governo Clinton bloqueou a reeleição do secretário-geral da ONU, Boutros Boutros Ghali, em 1996”.

Vitória de Pirro

Em seus cinco anos no cargo, Bustani supervisionou a expansão da OPAQ de 87 para 145 países membros e a destruição de grande parte das instalações de armas químicas do mundo. Mais tarde, ele serviria como embaixador do Brasil no Reino Unido e na França, vindo a se aposentar em 2015.

“O Reino Unido foi um dos países que votou pela minha demissão da OPAQ, mas minha passagem por lá não foi tão constrangedora quanto se possa imaginar”, brincou o ex-diplomata.

Ele também ganhou um processo de demissão sem justa causa contra a OPAQ em arbitragem da Organização Internacional do Trabalho (OIT), uma agência da ONU. Bustani doou sua indenização para o orçamento da OPAQ.

Mas essa vitória não deu nenhum sentimento de satisfação ao brasileiro — nem a falta de evidências até hoje de quaisquer armas de destruição em massa no Iraque na época do conflito.

“Isso não me traz consolo. Duas décadas depois, ainda estou frustrado com a ocorrência de uma guerra desnecessária que afetou o mundo inteiro”, disse Bustani.

“Eu preferiria ter sido ouvido por estar certo e ter evitado esse conflito. E ainda acredito que isso teria sido possível.”

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