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domingo 10 de março de 2024 às 08:01h

Governos estaduais gastam R$ 52,4 bilhões e quase toda a verba vai para salários da Justiça

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No Maranhão, um juiz pode ganhar mais de R$ 70 mil em um único mês. No Paraná, os salários dos magistrados consomem segundo reportagem de diz Daniel Weterma, do Estadão, quase o dobro do salário de profissionais da saúde no orçamento do Estado. Em Rondônia, as instituições de Justiça foram beneficiadas com aumento de verbas enquanto o governo zerou o orçamento da área de trabalho.

Esses casos exemplificam como os Estados gastam o dinheiro do contribuinte para manter os sistemas de Justiça. Estudo da plataforma Justa, que analisa os dados de tribunais, defensorias públicas e ministérios públicos, mostra que os Estados consomem até 12,5% do Orçamento para pagar as contas das instituições ligadas ao Judiciário local. Esse porcentual encontrado nos Estados é bem superior ao da União, que gasta 1% do Orçamento com o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública federais.

Em 2022, foram gastos R$ 52,4 bilhões pelas instituições da Justiça estadual em 12 Estados avaliados pelo estudo. Boa parte desse dinheiro serviu para pagar salários. De cada R$ 100 destinados ao Judiciário estadual, R$ 71 foram para bancar a remuneração de juízes, procuradores e defensores. O estudo avaliou os gastos de 12 Estados, que representam 70% dos orçamentos estaduais do País, entre eles São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Paraná e Maranhão, no ano de 2022, período mais recente com dados disponíveis.

Maranhão é o Estado que mais gasta com o sistema de Justiça no País

O Maranhão foi o Estado que mais gastou com as instituições de Justiça em 2022, proporcionalmente ao orçamento total. Foram R$ 2,8 bilhões com o Tribunal de Justiça, o Ministério Público e a Defensoria Pública, o que representa 12,5% de tudo que foi gasto pelo governo estadual. Enquanto o orçamento total do Estado cresceu 13% entre 2021 e 2022, o das instituições de Justiça aumentou 50%.

Só as despesas com o Tribunal de Justiça (R$ 2 bilhões) superam tudo que o Estado gastou com transporte, assistência social, saneamento, cultura, gestão ambiental, trabalho, comércio e serviços, indústria, organização agrária e habitação somados no mesmo. O valor também é maior do que o gasto com as polícias militar e civil (R$ 1,7 bi). Além disso, o dinheiro é três vezes maior que o gasto das três instituições de ensino superior do Maranhão.

No mesmo ano em que liderou os gastos com o sistema de Justiça, o Maranhão foi o Estado que menos investiu em segurança pública em proporção à sua população. Em 2022, o Estado gastou R$ 2 bilhões na área de segurança, o equivalente a R$ 288 por habitante, enquanto os Estados gastaram em média R$ 593 por habitante, de acordo com dados do Tesouro Nacional.

Mas o que justifica toda essa despesa? A maior parte da explicação (R$ 1 bilhão, ou 51%) está na folha de pagamento dos órgãos maranhenses. O salário dos juízes e desembargadores, que não pode ultrapassar o que um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) recebe por mês – R$ 39.293,32, na época – é turbinado por auxílios, férias vendidas, folgas remuneradas e benefícios criados e aprovados pela própria categoria.

Uma série de penduricalhos nascem sem aprovação do Legislativo e criam uma verdadeira elite do funcionalismo.

Só no mês de julho de 2022, 326 juízes do Maranhão receberam acima do teto constitucional, de acordo com painel do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Esse grupo representa 96% de todos os magistrados da folha salarial do órgão maranhense. Em um único mês, 23 deles receberam acima de R$ 70 mil. Em vários casos, não é possível saber qual a natureza do benefício, pois o órgão informa o pagamento como “detalhe” ou “outra indenização”, sem especificar do que se trata na folha de pagamento que é divulgada publicamente.

“Temos um custo absolutamente exacerbado com o sistema de Justiça e que precisa ser revisto. É de se perguntar se, ao invés de investir tanto recurso na resolução de conflito, não seria melhor repartir esse recurso na origem, no diagnóstico e na prevenção do conflito, como é o caso da segurança pública”, afirmou Luciana Zaffalon, diretora-executiva do Justa, plataforma que realizou o estudo.

O sistema de Justiça no Brasil é formado pelo Poder Judiciário, que julga as leis, os políticos e os conflitos envolvendo a sociedade, pelo Ministério Público, responsável pela fiscalização do processo, e pela Defensoria Pública, que defende os cidadãos que não têm acesso à Justiça e até processa o governo quando o Estado não faz sua parte em áreas como educação, saúde e habitação. As categorias dessas instituições, no entanto, têm tido acesso a benefícios que não estão acessíveis para outros trabalhadores ou até mesmo para outros servidores públicos.

Os juízes brasileiros, por exemplo, têm direito a 60 dias de férias por ano, podem receber auxílio-moradia e são beneficiados com pagamentos por acúmulo de serviço, férias e folgas não tiradas que acabam sendo pagos como um extra no salário. Um levantamento do Tesouro Nacional revelou que o Brasil é um dos países que mais gasta com Judiciário no mundo. Os “penduricalhos” têm levantado questionamentos, críticas e até processos na Justiça por contrariar três princípios da Constituição: a existência de um subsídio, que não pode ser reduzido, mas que deveria ser o suficiente; o teto constitucional, que limita o salário à remuneração de um ministro do Supremo; e a necessidade de aprovação legislativa para novos privilégios.

Estados aumentam despesas da Justiça sem aprovação da Assembleia Legislativa

O levantamento da plataforma Justa também revela que foram distribuídos R$ 2,6 bilhões em aumento de despesas para os órgãos de Justiça ao longo do ano sem aprovação das Assembleias Legislativas, enquanto outras áreas essenciais, como saúde, educação, agricultura e habitação, sofreram cortes.

Isso ocorre quando o governo resolve aumentar as despesas de determinado órgão no meio do ano e alega que o orçamento aprovado pela Assembleia Legislativa, geralmente no ano anterior, não foi suficiente. É o chamado crédito adicional.

Nos Estados, os próprios deputados estaduais têm deixado uma margem nas leis orçamentárias autorizando o governo a aumentar despesas e abrir créditos adicionais sem aprovação do Legislativo. Qual órgão vai ser beneficiado não entra na discussão.

“Na prática, o Legislativo está dando um cheque em branco para que os governos estaduais distribuam mais dinheiro sem que ninguém veja para as únicas instituições que têm poder para responsabilizá-los pelos seus atos. Isso coloca por terra os freios e contrapesos. O desenho compromete qualquer capacidade de responsabilização por ações e omissões do Estado”, disse Luciana.

O Maranhão foi o Estado que mais aumentou despesas da Justiça por meio do mecanismo. Em 2022, o governo do Maranhão distribuiu R$ 643 milhões em créditos adicionais para o sistema sem passar pela Assembleia Legislativa. Do total, R$ 216 milhões foram para as folhas de pagamento. Enquanto os tribunais receberam mais do que o previsto inicialmente no Orçamento, em outras áreas ocorreu o contrário. O valor gasto na educação ficou R$ 239 milhões menor do que o previsto. Procurado, o governo do Maranhão não respondeu aos questionamentos da reportagem.

Governos aumentam despesas da Justiça enquanto cortam em outras áreas

O governo de São Paulo, que tem o maior orçamento do País, gastou R$ 14,4 bilhões com as instituições de Justiça em 2022, 4,6% do total do orçamento, de acordo com o estudo. O Executivo paulista distribuiu R$ 569 milhões em créditos adicionais para os órgãos de Justiça sem passar pela Assembleia Legislativa, também por autorização deixada pelos deputados estaduais na Lei Orçamentária Anual.

O orçamento do Tribunal de Justiça de São Paulo (R$ 10,9 bilhões) é superior a tudo que o Estado investiu em habitação, ciência e tecnologia, assistência social, agricultura e cultura, comércio e serviços e saneamento somados no mesmo ano. A área de saneamento teve um gasto 21,2% menor do que o previsto inicialmente no ano. As ações para impulsionar o comércio e serviço, por sua vez, tiveram uma despesa 47,3% menor do que o autorizado.

Em resposta à reportagem, a Secretaria da Fazenda de São Paulo afirmou que cada Poder tem controle sobre seus próprios recursos e que o aumento de despesas respeitou os limites da Lei Orçamentária Anual. “O investimento no sistema de Justiça é realizado pelo duodécimo, repasse do Poder Executivo Legislativo, ação essencial para garantir a eficácia do Estado de Direito e promover justiça para todos os cidadãos”, disse a secretaria.

No Paraná, o orçamento da folha de pagamento do Tribunal de Justiça do Estado (R$ 2,1 bilhões) é quase o dobro da folha de pagamento da saúde pública (R$ 1,1 bilhão). Na Bahia, o dinheiro do Tribunal de Justiça (R$ 2,7 bilhões) é mais que o dobro de todo o orçamento da educação superior (R$ 1 bilhão) do Estado, sendo que 78% dos recursos do tribunal vai para o pagamento de salários.

“Há de haver um enxugamento da máquina administrativa do Estado. Isso passa pelos três Poderes: pelo Judiciário, pelo Legislativo e pelo Executivo. Eu penso que se gasta muito com o funcionalismo público e precisamos atentar para os serviços essenciais, como saúde e segurança”, afirmou o ex-ministro e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello, ao falar dos gastos com o sistema.

Em Rondônia, o orçamento do Tribunal de Justiça, do Ministério Público e da Defensoria foi de R$ 1,2 bilhão em 2022, representando 10,6% do total de despesas do Estado. As próprias instituições de Justiça de Rondônia possuem autonomia para aumentar as despesas ao longo do ano, diferentemente de outros Estados. Isso fez com que, em 2022, R$ 86 milhões foram para o sistema de Justiça apenas em créditos adicionais. Em contrapartida, o orçamento do programa que serve para incluir pessoas no mercado de trabalho e apoiar o empreendedorismo foi zerado.

O acúmulo de trabalho e o serviço prestado pela população são motivos citados pelos integrantes dos tribunais para justificar os gastos com o Judiciário. Segundo o CNJ, em 2022, foram baixados 1.787 processos por magistrado no País, uma média de 7,1 casos solucionados por dia útil. De acordo com o levantamento, essa produtividade aumentou 10% em relação ao ano anterior. Por outro lado, a taxa de congestionamento, que mede o porcentual de processos que ficaram represados sem solução, foi de 72,9%.

“O brasileiro, quando tem um interesse resistido, não acredita em outra solução se não a solução do Estado julgador. Isso ocasiona uma judicialização enorme, e aí há a avalanche de processos”, disse o ex-ministro Marco Aurélio. De acordo com ele, o sistema de Justiça é necessário, mas acaba criando gastos exorbitantes. “Os servidores gostam de engordar a remuneração mensal com hora extra. Isso não é bom em termos do fortalecimento da crença no Judiciário”.

O que dizem os outros Estados

O governo do Rio afirmou que, além de ser responsável pela entrega de políticas públicas diretas à população, é comprometido com todo o custeio do Judiciário e Legislativo “e, por esse motivo, mantém diálogo constante com os Poderes para encontrar as melhores soluções que garantam o equilíbrio e independência de todos os poderes”.

O governo de Goiás disse que os repasses ocorrem conforme previsto na Constituição e que não houve alteração significativa no orçamento do sistema de Justiça do Estado em relação ao orçamento total nos últimos anos.

A Secretaria de Planejamento e Gestão de Minas Gerais não respondeu sobre os dados de 2022, apresentados pelo estudo, mas afirmou que todos os órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público e a Defensoria têm autonomia administrativa e financeira definidas pela Constituição.

O governo do Paraná informou que cada órgão do Judiciário tem autonomia para administrar os recursos e que cumpriu suas obrigações seguindo os limites da legislação orçamentária. De acordo com a administração paranaense, o gasto de 2022 se deu com um incremento de 9% da arrecadação (R$ 54,6 bilhões) em relação a 2021, ano impactado pela pandemia de covid-19.

O Tribunal de Justiça do Maranhão afirmou que os salários acima do teto correspondem a verbas indenizatórias como licença-prêmio, férias e abonos de férias, além do abono permanência, pago para os magistrados com mais de 30 anos de serviço, autorizados pelo CNJ. Sobre a transparência, o órgão afirmou que preenche uma tabela padrão fornecida pelo CNJ e que, por isso, algumas verbas não se enquadram nas remunerações previamente estabelecidas e ficam sem especificação.

Os demais Estados não se pronunciaram, diz Daniel Weterma, do Estadão.

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