O governo quer que os planos de saúde façam o ressarcimento ao SUS (Sistema Único de Saúde) do valor das vacinas contra a covid-19 a serem aplicadas em seus beneficiários a partir do ano que vem. A ideia, porém, encontra resistência das empresas e da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), que regulamenta o setor e tem o poder de decidir se os planos devem ou não arcar com esses custos.
A disputa envolve uma fatura que pode ultrapassar os US$ 480 milhões (cerca de R$ 2,6 bilhões na cotação atual), pelos cálculos de técnicos do Ministério da Saúde. A cifra leva em conta o preço médio de US$ 10 por dose da vacina e os 48 milhões de beneficiários dos planos. Mas o valor pode até dobrar, caso sejam necessárias duas doses de reforço no ano que vem.
O pleito do ministério tem como base recomendação da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde), favorável à incorporação no Sistema Único de Saúde (SUS) dos imunizantes da Pfizer e da AstraZeneca. Ambos já têm registro definitivo da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para uso no Brasil.
Com o parecer em mãos, o secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, Hélio Angotti Neto, enviou ofício à ANS, em 30 de junho. No documento, ao qual o Valor teve acesso, ele solicita a avaliação inclusão dessas vacinas no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que é a lista de procedimentos, exames e tratamentos com cobertura obrigatória pelos planos.
A resposta da ANS chegou no último dia 20 de setembro, por meio de um ofício. Ao Valor, a agência confirmou o teor do documento enviado ao ministério.
Nele, a agência argumenta que, “não houve até o momento nenhuma incorporação de procedimento de vacinação como parte da cobertura obrigatória a ser ofertada pelas operadoras de planos privados de saúde”.
A ANS afirma ainda que, por estarem incluídas no PNI (Programa Nacional de Imunizações), a oferta da vacina deve ser feita “de modo gratuito, subvencionada pelos entes federativos em todo o território nacional”.
“Com isso, não seria possível a inclusão das vacinas covid-19 no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, […] sem que a vacinação no âmbito da saúde suplementar seja conflitante com a legislação vigente”, alegou a ANS.
A agência afirmou também que “há um consenso da OMS (Organização Mundial da Saúde) de que a venda dos grandes laboratórios deveria ser, prioritariamente, se não exclusivamente, aos governos, às autoridades públicas”.
A ANS alegou ainda que “a compra e a oferta de imunizantes pelos planos de saúde poderiam beneficiar a vacinação de uma parcela mais favorecida da população”, o que criaria uma “desigualdade social no acesso s vacinas”. Além disso, a “pressão de demanda” poderia encarecer os imunizantes.
Em nota, a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), que representa os planos, afirmou que a medida é “ineficaz, pois não vai aumentar a disponibilidade de vacinas para a população”. Disse ainda que haveria “aumento de despesas assistenciais e, portanto, reajuste das mensalidades”.
A entidade diz ainda que as fabricantes “já manifestaram que não venderão vacina contra a covid-19 para o sistema privado nesta fase da pandemia”.
Uma fonte do governo, porém, ressalta que a ideia não é que as empresas privadas adquiram as vacinas, responsabilidade que continuará a cargo do Ministério da Saúde. O que se pretende é que os planos de saúde façam um ressarcimento ao SUS, o que só seria possível com o aval da ANS.
Ainda de acordo com essa fonte, as vacinas são “custo-efetivas”. Ou seja, os planos não teriam prejuízo ao adquiri-las, uma vez que o gasto com imunizantes é em tese mais baixo do que o valor de medicamentos, tratamentos e internações, inclusive em leitos de UTI.
Sobre o fato de jamais nenhuma outra vacina ainda ter sido incluída como de cobertura obrigatória pelos planos, esse interlocutor do governo alega que não houve nenhuma pandemia como atual.