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quarta-feira 28 de agosto de 2024 às 16:12h

Governo Lula dá aval para sindicatos usarem recursos de fundo bilionário e emendas

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O conselho que administra os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) aprovou uma resolução autorizando sindicatos e centrais sindicais a administrar projetos do Sistema Nacional de Emprego (Sine) do Ministério do Trabalho, voltado para programas de auxílio aos trabalhadores. O colegiado também autorizou deputados e senadores a destinar dinheiro de emendas parlamentares para esse sistema, que hoje é totalmente financiado pelo FAT.

Na prática, a mudança, aprovada sem alarde na última quarta-feira (21), abre espaço para as entidades sindicais passarem a receber uma fatia das verbas do fundo – que só neste ano terá R$ 107 bilhões, vindos da contribuição descontada na folha de pagamento dos trabalhadores –, e de quase todo tipo de emenda parlamentar, com exceção das impositivas.

O FAT é administrado por um conselho presidido pelo ministro do Trabalho, Luiz Marinho, e que é tripartite. Tem seis representantes de ministérios de Lula, seis das centrais sindicais e mais seis de confederações patronais. Os secretários de Trabalho dos estados, que também gerem os recursos, participam das reuniões, mas não têm direito a voto.

Pela resolução aprovada na semana passada, o Sine terá um novo modelo que está sendo chamado de projeto piloto: a gestão de unidades por confederações ou centrais sindicais, sindicatos e organizações da sociedade civil (ONGs) começa a funcionar já a partir de 2025 e tem prazo de duração de dois anos, quando será avaliada a viabilidade da proposta a longo prazo.

Nos bastidores, a medida é vista como uma forma de o governo Lula compensar as entidades, que entraram em crise financeira desde que o imposto sindical foi extinto pela reforma trabalhista no governo Michel Temer, em 2017, e fazer um agrado aos sindicalistas depois de dois anos de greves prolongadas no funcionalismo público. O última grande movimento grevista, o das universidades públicas, foi encerrado em junho passado.

Aprovado com os votos do governo e das centrais sindicais, o novo modelo desagradou boa parte dos secretários do Trabalho e pastas estaduais ligadas ao tema do emprego. Um gestor que estava na reunião do conselho descreveu um cenário de “insatisfação generalizada” pela falta de diálogo por parte do governo federal e pela excessiva descentralização do sistema com o novo modelo.

Secretários estaduais reticentes com a mudança consideram o projeto como uma compensação clara de Lula às centrais sindicais, que apoiaram o presidente em 2022 e pressionaram o governo com movimentos grevistas.

“Mas isso é muito ruim para a definição de políticas públicas”, argumenta um deles, sob reserva.

O controle sobre o FAT é uma briga histórica no setor.

Em abril de 2022, a seis meses da eleição presidencial, um manifesto subscrito pelas principais centrais e confederações, entre elas a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Força Sindical e a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), defendeu que o Ministério do Trabalho retomasse seu papel de “coordenador do sistema público de trabalho, emprego e renda”.

No ano passado, as entidades se mobilizaram com o apoio do ministro Luiz Marinho para impedir que a verba fosse usada para cobrir o déficit previdenciário, conforme previa a reforma da previdência de 2019.

Mais recentemente, em maio, entidades como a CUT, a CTB e a Força Sindical assinaram um novo manifesto elencando uma série de prioridades para o governo Lula na seara sindical – entre elas o fortalecimento do FAT e a garantia de que o fundo não fosse usado para financiar a previdência.

O orçamento do Fundo de Amparo ao Trabalhador, que custeia o Sine e seus programas e tem como principal fonte o PIS/Pasep, é de R$ 107 bilhões em 2024 e deve chegar a R$ 118,5 bilhões no próximo ano, segundo projeção do próprio governo federal.

Com a mudança, os sindicatos poderão assumir novas unidades do Sine, sistema que tem quase 1.500 unidades espalhadas pelo Brasil, cuidando de programas como o seguro-desemprego, abono salarial, qualificação profissional e intermediação de mão-de-obra entre empregadores e trabalhadores.

Somados, esses programas recebem R$ 80,5 bilhões por ano – incluindo R$ 86 milhões que vão unicamente para a gestão das unidades do Sine. Os números são do orçamento da União.

Para os gestores estaduais, um dos riscos trazidos pela mudança diz respeito à transparência na prestação de contas. Hoje esse trabalho cabe a cargo do conselho gestor de cada estado ou município. O novo modelo também pode levar à falta de coordenação entre unidades no mesmo estado, uma vez que um sindicato pode conduzir iniciativas de um programa em uma mesma região sem dialogar com os estados ou municípios e diminuir a eficiência do sistema, por exemplo.

Outra preocupação é que as entidades passem a selecionar os beneficiários dos programas de emprego e auxílio por critérios ideológicos e políticos.

Entre os secretários estaduais espera-se que os postos assumidos pelo sindicatos não cuidem do seguro-desemprego, que hoje possui um critério rigoroso por parte dos estados e municípios e dispõe de uma legislação rígida e um “know-how” do qual as centrais não dispõem. A resolução, porém, não esclarece com quem fica o seguro. Procurado, o Ministério do Trabalho não respondeu até o fechamento da matéria.

De acordo com a formatação final do projeto, o sistema Sine poderá ser gerido por confederações e centrais sindicais, além de sindicatos de classes específicas e organizações da sociedade civil (ONGs) “cujo estatuto social seja compatível com as ações desenvolvidas” no sistema. O documento não detalha, porém, como as entidades serão remuneradas pelo serviço.

As instituições interessadas deverão apresentar um plano de trabalho para a implementação e a execução de seus projetos para os postos de atendimento, que poderão ser de “pequeno, médio ou grande porte”. Estima-se que as unidades menores tenham um custo de R$ 1 milhão por ano.

A discussão sobre o novo modelo vinha ocorrendo desde maio, quando o Ministério do Trabalho instaurou um grupo de para desenvolver uma proposta oficial que deu origem à resolução aprovada na semana passada.

O objetivo oficial era ampliar o número de unidades do Sine no Brasil para expandir a oferta de serviços aos trabalhadores após oito anos sem investimentos no sistema. Apenas 1.173 dos 5.570 municípios brasileiros estão cobertos pelos postos do sistema.

O argumento de expansão da capilaridade do Sine, porém, é rebatido por secretários estaduais.

“Não faz sentido abrir mais unidades do Sine neste momento quando se pode oferecer serviços online. Esses postos vão ser abertos nas capitais e grandes cidades, que já são bem cobertas. Ninguém vai abrir lá longe no interior, porque as centrais sindicais estão melhor representadas nas metrópoles”, criticou um secretário estadual.

Greves em alta

Em 2023, primeiro ano do terceiro mandato presidencial de Lula, o número de greves no setor público superou o patamar de paralisações no mesmo período do governo Jair Bolsonaro, como publicamos em abril passado.

Só no primeiro semestre deste ano, o governo do PT foi pressionado por movimentos grevistas no Ibama, ICMBio, Comissão de Valores Monetários (CVM), Banco Central, auditores fiscais e agropecuários. além da rede federal de educação, na qual docentes e técnico-administrativos cruzaram os braços.

Conforme mostramos na ocasião, lideranças sindicais ouvidas pela equipe do blog admitiram que o retorno do PT ao poder criou um ambiente muito mais favorável à mobilização do funcionalismo público do que na era Bolsonaro.

O próprio Lula admitiu o cenário em março, ao comentar o movimento grevista na educação.

“Eu fiquei sabendo que o pessoal do instituto federal [sic] quer entrar em greve. Ótimo. Só o fato dos caras quererem fazer greve já é bom, porque no governo passado ninguém se metia a fazer greve. Então o fato do cara falar ‘porra, o Lula está no governo, eu posso fazer uma grevezinha’, é ótimo”, afirmou o petista na ocasião.

Mas, no mesmo evento, Lula reconheceu que não poderia cumprir todas as exigências dos grevistas e aludiu à meta do déficit fiscal do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

“Que bom que ele está exercitando o direito de reclamar, o direito de reivindicar. E a gente [governo federal] pode exercitar o direito de dar ou de não dar [reajustes salariais]. Quando a gente não pode dar, a gente sempre coloca a culpa na Fazenda”.

As mudanças no Sistema Nacional de Emprego parecem sugerir que, além de culpar Haddad, Lula encontrou uma saída para contemplar as centrais sindicais e evitar dores de cabeça na segunda metade do seu mandato rumo à provável candidatura à reeleição em 2026.

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