O governo e o Congresso jogam a responsabilidade um para o outro quando o assunto é como será possível divulgar a lista de parlamentares beneficiados pelas chamadas emendas de relator do Orçamento, usadas em negociação política e que somam R$ 37 bilhões desde o ano passado.
O STF (Supremo Tribunal Federal) determinou a publicação desse levantamento.
Após a determinação, o presidente Jair Bolsonaro (PL) editou nesta quinta-feira (9) um decreto no qual determina a divulgação dos pedidos de liberação das emendas, mas não há menção explícita à revelação dos nomes dos parlamentares.
Pressionados, o deputado Domingos Neto (PSD-CE) e o senador Márcio Bittar (MDB-AC), que relataram os Orçamentos de 2020 e 2021, respectivamente, disseram a aliados que, para conseguir divulgar toda a lista de parlamentares, o Palácio do Planalto —por meio da Segov (Secretaria de Governo)— precisa repassar informações ao Congresso.
Já a cúpula do Congresso diz que não tem esse cadastramento. A parlamentares os relatores afirmam que a Segov participou da distribuição de parte das emendas e, por isso, precisa abrir os dados.
Caso contrário, terão de questionar prefeitos de cada um dos 4.800 municípios que receberam recursos dessas emendas para saber quem foi o parlamentar que patrocinou o envio de dinheiro para a obra ou projeto. Integrantes do governo tentam se esquivar da ligação com as negociações políticas.
Procurado, o ministro da Secretaria-Geral, Luiz Eduardo Ramos, que esteve à frente da Segov de junho do ano passado a março de 2021, afirma que a distribuição dessas emendas “é de competência legal do relator do Orçamento, e não da Secretaria de Governo”.
Membros da atual equipe da Segov, comandada pela ministra Flávia Arruda, dizem que, desde maio de 2021, um ato publicado pelo governo limitou a atuação da pasta à liberação de emendas impositivas (obrigatórias), o que não inclui as de negociação política.
O ministro Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) também já se manifestou no sentido de que não tem controle de qual deputado ou senador fez a indicação. A pasta dele foi uma das que mais receberam dinheiro das emendas de relator.
Atualmente, a principal moeda de troca em votações importantes no Congresso é a emenda de relator. O instrumento é um tipo de emenda que foi incluído no Orçamento de 2020 pelo Congresso, que passou a ter controle de quase o dobro da verba de anos anteriores.
Reportagem recente da Folha mostrou como as emendas distribuídas pelo líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB), têm sido usadas como moeda de troca política.
O Palácio do Planalto e aliados, principalmente o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), têm usado esses recursos para privilegiar apoiadores e, com isso, ampliar a base deles na Casa.
Esse tipo de emenda tem sido também questionado pelo TCU (Tribunal de Contas da União). O problema levantado é que não há uma divulgação transparente da destinação desse dinheiro.
Hoje existem quatro tipos de emendas: as individuais (a que todo deputado e senador tem direito); as de bancada (parlamentares de cada estado definem prioridades para a região); as de comissão (definidas por integrantes dos colegiados do Congresso); e as de relator (criadas por congressistas influentes a partir de 2020 para beneficiar seus redutos eleitorais).
Os pedidos de indicação, em alguns casos, são assinados apenas pelo relator-geral do Orçamento. Ou seja, ele encaminha as demandas acertadas em negociações políticas anteriores, que podem não ficar registradas nos documentos que serão publicados.
Há R$ 16,86 bilhões reservados no Orçamento de 2021 para as emendas de relator. Desse montante, R$ 9,38 bilhões foram empenhados até agora.
O STF chegou a bloquear o uso dessas emendas, mas os recursos foram liberados após articulação do Congresso.
No dia 29 de novembro, o Congresso aprovou um projeto de resolução regulamentando as emendas de relator. O texto, porém, também deixa margem para que o nome dos congressistas não seja divulgado.
Segundo as regras aprovadas, as indicações de uso do dinheiro das emendas podem ser “oriundas de solicitações recebidas de parlamentares, de agentes públicos ou da sociedade civil”.
Documentos de 2020 do Ministério do Desenvolvimento Regional mostram indicações feitas por congressistas da base governista, oposição e até mesmo pelo governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB). Outras indicações são genéricas, assinadas apenas pelo relator do Orçamento.
Como mostrou a Folha, Domingos Neto, relator do exercício de 2020, enviou ao Ministério da Saúde, em dezembro de 2020, uma lista com nomes de municípios que deveriam receber R$ 830 milhões em repasses dessas emendas.
A disputa pela distribuição desse recurso fez Eduardo Pazuello, então ministro, relatar a aliados pressão de Lira.
Como parte da articulação para regularizar o uso das emendas de relator, o presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou nesta semana que pedirá todos os esforços para cumprir a decisão da ministra do STF Rosa Weber e, assim, divulgar a lista de parlamentares que indicaram as emendas de relator.
A ministra deu 90 dias para o Congresso informar o nome dos congressistas beneficiados em 2020 e 2021. O Congresso quer mais prazo, de 180 dias.
O decreto assinado por Bolsonaro dá poderes para os ministros buscarem informações com o autor das emendas.
As informações solicitadas e obtidas sobre as verbas de 2020 e 2021, anteriores ao decreto, devem ser divulgadas em 90 dias. Já os dados de novas emendas devem ser apresentados até o décimo dia do mês seguinte.
A Secretaria-Geral da Presidência afirmou, em nota, que a portaria segue recomendações do TCU e a decisão de Rosa Weber.
O decreto determina que os pedidos de indicações de verba do relator devem ser disponibilizados nos sites dos ministérios e na Plataforma +Brasil, que reúne dados sobre convênios, repasses e contratos do governo.
Para dar transparência às emendas que ainda serão liberadas, o Congresso prepara para lançar na próxima semana uma ferramenta para publicar o destino das emendas de relator e o parlamentar que solicitou a despesa.
Essa página, porém, só deve apresentar as informações de quase R$ 7 bilhões em emendas que ainda precisam ser liberadas até o fim do ano. Para as emendas que já foram pagas em 2020 e 2021, o Congresso ainda procura uma forma de divulgar a lista.