O período de transição no Irã vai durar cerca de dois meses e começa com a criação de um Conselho Presidencial Provisório composto pelo vice-presidente, o presidente do Parlamento e o chefe do Judiciário, que é responsável pela organização de novas eleições.
O processo eleitoral ocorrerá em paralelo à organização do funeral de Ebrahim Raisi. Em um comunicado, o governo iraniano disse que a morte do presidente não vai “atrapalhar” a administração do país. O vice-presidente Mohammad Mokhber, de 68 anos, nomeado em agosto de 2021, assumirá o comando do país interinamente até a data do pleito.
Desde a revolução de 1979, o mandato do presidente iraniano tem duração de quatro anos, com direito a uma reeleição. No regime dos aiatolás, o chefe de Estado Ali Khamenei é responsável pela nomeação e direção do Conselho de Ministros – o cargo de premiê não existe no Irã.
Para Bernard Houcarde, as eleições presidenciais iranianas devem evidenciar a forte disputa que hoje existe dentro do Parlamento, sem alterar a essência conservadora do país. O geográfo francês lembra que o líder da casa, o ultraconservador Mohammad Ghalibaf, que deixará o cargo, é um dos prováveis candidatos.
Ghalibaf tem chances de ser eleito presidente, mas não é o único. O ex-chanceler Mohammad Zarif, que assinou o acordo nuclear em 2015, e o ex-presidente Hassan Rohani, mais ‘moderado’, também estão no páreo. “É bom lembrar que o próprio Raisi não era conservador, era pragmático e obedecia às ordens de Khamenei”, disse Hourcade em entrevista à RFI.
“Vamos assistir a uma disputa política importante, mas em um contexto que continuará sendo conservador. Isso não vai mudar”, reitera. “Mas, em uma região tão instável, tudo pode acarretar mudanças repentinas e fechar ou abrir mais o país”, avalia, o que traria naturalmente consequências para o equilíbrio regional.
Sinais de abertura?
O especialista frisa que o Irã tem dado sinais de relativa abertura. Um dos exemplos foi prevenir os Estados Unidos do ataque de drones e mísseis contra Israel. “Isso mostra uma certa moderação no sistema. Além disso, há alguns dias iranianos e americanos voltaram a discutir sobre questões nucleares”, diz.
O governo iraniano, afirma, também sabe que precisa de uma base popular. “O guia pode tentar uma abertura para ganhar uma taxa de popularidade necessária para governar. É uma ditadura, mas ainda assim precisa de um certo apoio do povo.”
A guerra em Gaza, as sanções americanas, a retomada das relações com os EUA e a falta de popularidade criam, desta forma, uma forte tensão, analisa Bernard Hourcade. Todos esses fatores colocam a República Islâmica em risco, “mas o guia supremo tentará obter mais popularidade, sem deixar de manter o radicalismo que a caracteriza”.
Segundo ele, a morte de Raisi também não aumentará a contestação social porque ela nunca deixou de existir e também mostrou, ressalta, que o Irã é menos isolado do que se imagina.
“Todos os países do mundo, incluindo a União Europeia, enviaram condolências para o Irã, o que mostra que é um ator mundial importante. O país ameaça e tem uma força de dissuasão, como mostrou o ataque a Israel”, diz. “O Irã não pode ser colocado de lado, porque é um país nocivo. Se uma solução para a situação no Oriente Médio for encontrada, por exemplo, ela pode cair por terra se o Irã não estiver de acordo”.
Acidente ou sabotagem?
Bernard Hourcade também descarta a tese da sabotagem no acidente que culminou na morte do presidente iraniano. Segundo ele, o Irã pediu há cerca de duas semanas à Rússia autorização para comprar dois helicópteros, alegando que o do presidente não estava em bom estado.
Mas, por conta das sanções americanas, o país não pode comprar peças separadas de helicópteros ou aviões. “Desta forma, as aeronaves da Boeing ou Airbus ou os helicópteros que voam no país apresentam problemas de segurança de maneira geral, seja para a população civil ou para membros do governo. A tese do acidente, infelizmente, ou felizmente, é totalmente plausível. ”