O Ministério da Educação (MEC) acaba de publicar a sinopse do Censo da Educação Superior de 2020, com resultados que nos pareceram preocupantes, tanto para o setor público quanto para o privado, quando considerarmos a questão da qualidade da formação oferecida nos cursos de graduação brasileiros.
Continua em 2020 a tendencia de crescimento da Educação a Distância (EaD) nas instituições privadas de ensino: em 2007, a matrícula na EaD representava pouco mais de 7% do total, em 2019 foi para 35% e em 2020 atingiu a marca de 44%. Essa tendência se acentua quando observamos o número de estudantes ingressantes na EaD das privadas: em 2019 foi de 50,7%, ultrapassando o número dos ingressantes nos cursos presenciais, e que se ampliou em 2020 para 60,5%, um significativo avanço de quase 10%, parecido com aquele observado em 2018.
No entanto, olhando para o histórico crescimento da EaD nos últimos anos, não nos parece que ele decorra principalmente das modificações experimentadas na pandemia, mas de um processo de cartelização no ensino superior e aos incrementos que a EaD viabiliza nas margens de lucro dos grandes grupos educacionais. Quase 80% das matrículas de ingressantes em EaD, no ano de 2019, foram efetuadas em apenas 10 grandes grupos privados.
Essa enorme concentração de matrículas é muito preocupante quando observarmos a diferença de desempenho dos formandos nos cursos presenciais em relação aos em EaD nesses 10 maiores grupos privados: quase 58% dos concluintes na EaD provém de cursos com nota Enade 1 ou 2 (em uma escala de 5), enquanto nos cursos presenciais este percentual é de 37%. É importante destacar que a EaD pode ser praticada com inequívoca qualidade, como mostram os resultados do Enade de diferentes Universidades brasileiras e a qualidade da oferta em inúmeras outras no mundo.
Considerando a qualidade da formação dos jovens brasileiros, parece-nos extremamente questionável a estratégia dos grandes grupos de migrarem suas novas matriculas para a EaD. Entendemos que jovens egressos de uma formação precária terão mais dificuldade de inserção profissional, sem contar o enorme prejuízo para o país, com o desempenho mais frágil de profissionais com esse tipo de formação.
Outro aspecto preocupante dos dados da sinopse de 2020 é o encolhimento das matrículas no ensino presencial público: foi de 1,90 milhões (2019) para 1,80 milhões (2020). Em EaD, o número permaneceu constante (cerca de 154 mil). Um artigo publicado recentemente destacou o crescimento percentual de ingressantes em cursos EaD nas públicas entre 2019 e 2020 — um crescimento de 50%, passando de 30 mil para 45 mil matrículas, fazendo crer que as públicas abraçaram a EaD durante a pandemia. Entretanto, notamos que o número total de matrículas EaD nas públicas manteve-se constante e pouco significativo e o crescimento nos ingressos representa um percentual mínimo na oferta global (subiu 2,0% para 2,6%).
Para entendermos melhor esse movimento, fomos aos dados do censo de 2019 e observamos que 80% dos 30 mil ingressantes na EaD pública estavam vinculados a poucas Instituições que eram financiadas por governos estaduais. As outras públicas, que tem a EaD financiada apenas pelo sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB — Capes/MEC), tiveram participação marginal (0,4%) nos ingressos em EaD. Achamos provável que este quadro não tenha se alterado em 2020, em virtude do desmonte do sistema UAB por parte do MEC.
Cabe aqui uma pergunta: o que justifica o desmonte do sistema UAB, que viabiliza a oferta de EaD das IES públicas no país?
Uma última preocupação foi a queda de 5% no total de matrículas presenciais nas públicas, entre 2019 e 2020, sendo que para ingressantes a queda foi de 9%. Nessas instituições a nota média do Enade é significativamente superior a dos 10 maiores grupos privados, como mostrou estudo do SoU_Ciência. Pelo menos duas hipóteses podem ser levantadas para explicar esse encolhimento: a diminuição de recursos destinados ao financiamento do setor público — só nas universidades federais o gasto médio por aluno-ano caiu do equivalente a R$ 50.000,00, em 2010, para pouco mais de 40 mil, em 2020 (os valores em reais foram corrigidos pelo IPCA para valores de janeiro de 2021), segundo dados de pesquisas SoU_Ciência, e a falta de condições concretas dos estudantes para acompanharem as atividades acadêmicas na pandemia, o que ocorreu também na educação básica.
Paira no ar, então, mais uma pergunta: a quem interessa que as políticas para o Ensino Superior estimulem a EaD privada de baixa qualidade e sub financiem as IES públicas de alta qualidade?