Era 10 de março de 1641. O governador da capitania do Rio de Janeiro, Salvador Correia de Sá e Benevides, estava na missa, no convento de São Bento. Foi quando segundo reportagem de Ana Luiza Albuquerque, da Folhapress, recebeu uma importante mensagem do vice-rei do Brasil, que dizia que Portugal havia se declarado independente da Espanha.
Começava a guerra da Restauração, que se estenderia por 28 anos e colocaria fim à Dinastia Filipina (1580-1640), período no qual Portugal foi governado pela coroa espanhola.
Descendente de espanhóis e com muitos negócios e propriedades ligados à Espanha, Benevides teve sua lealdade a Portugal posta em xeque.
Em dúvida se deveria apoiar a Independência, ele se reuniu a portas fechadas com os jesuítas, os representantes da Câmara e os comandantes das forças da guarnição. Disse que seria melhor errar com o voto de todos do que acertar apenas com o dele. Assim narra o jornalista Thales Guaracy no livro “A Criação do Brasil”, lançado em 2018.
Os jesuítas se alinharam a Portugal, e os demais concordaram. Benevides decidiu, então, seguir a decisão dos pares e reconhecer dom João 4º como o novo rei português.
Foi feita uma procissão até a igreja matriz, e o governador prestou juramento à coroa portuguesa. O padre Manuel Fernandes levou ao vice-rei a notícia de que a capitania do Rio de Janeiro estava ao lado de Portugal.
Benevides decidiu preparar uma grande festa, que ficou conhecida como a aclamação de dom João 4º. O objetivo era fazer uma frondosa exibição para provar que ele e o população da colônia eram leais a Portugal.
A celebração ficou marcada para o dia 31 de março, depois da Páscoa daquele ano. Foram oito dias de comemoração. “A festa era obrigatória. Quem não fosse passaria como alguém que estava ao lado da Espanha”, afirma Guaracy.
O financiamento também foi compulsório, segundo narra José Mauricio Saldanha Álvarez, professor da UFF (Universidade Federal Fluminense), em um artigo publicado na revista acadêmica Portuguese Studies Review.
Ruas e praças foram enfeitadas e foi realizado um desfile noturno, chamado de “encamisada”, com 116 cavaleiros. Participaram altas autoridades da capitania, entre elas o próprio governador, que dava vivas a dom João 4º. Acompanharam o desfile dois carros ornados com seda e aparatos de ramos e flores.
No dia seguinte, escreve Álvarez, houve uma celebração militar e ao final os presentes agitaram bandeiras e saudaram o novo rei. Nos próximos dias também houve uma festa de touros, jogos tradicionais e uma peça de teatro.
A aclamação é considerada uma das festividades precursoras do que hoje se entende como Carnaval. Há outras, como o entrudo —uma espécie de jogo ou festa tradicional portuguesa, em que as pessoas iam para as ruas e arremessavam umas contra as outras farinha, ovos e baldes de água.
“Não foi só essa festa da aclamação. [A origem do Carnaval] tem a ver com as tradições que vieram de Portugal, principalmente religiosas”, afirma Helenise Guimarães, professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e pesquisadora da cultura popular. “Essa tradição das festas se instala na colônia até como forma de pacificá-la.”
Guaracy defende que a aclamação de dom João 4º resultou na institucionalização da festa, que passou a ser repetida todos os anos no mesmo período.
“Por isso a importância do Carnaval no Rio de Janeiro é muito grande, de fato começou lá. O objetivo era provar que estava ao lado de Portugal”, diz. “Eu estou convencido de que o nosso Carnaval veio dessa esperteza política do governador da capitania do Rio.”
Salvador Correia de Sá e Benevides morreu com 86 anos.