Ao contrário do que prega Jair Bolsonaro (sem partido), fakes news não são “mentirinhas contadas para namorada” – o que além de tudo é misógino. São um perigo real para pessoas, instituições, empresas, governos e a própria democracia. É o que defendem a relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, deputada federal pela Bahia, Lídice da Mata (PSB); o secretário de Comunicação do Maranhão, Ricardo Cappelli; e o delegado de Polícia Federal (PF) Carlos Eduardo Sobral, assessor técnico da CPMI.
Eles participaram da 17ª live da “Revolução Brasileira no Século 21”, que na última quinta-feira (16) discutiu a luta contra as fake news.
Fake news vão muito além mentiras contadas. É a desinformação produzida e disseminada de maneira sistematizada com objetivos traçados previamente diretamente relacionada com poder.
A série de lives integra as discussões sobre a Autorreforma do PSB é promovida pelo Instituto Pensar, o site Socialismo Criativo e o Partido Socialista Brasileiro (PSB). O evento também contou com a presença do presidente nacional do partido, Carlos Siqueira; do membro do Diretório Nacional do PSB, Domingos Leonelli; e da integrante da direção da Juventude Socialista Brasileira (JSB) Juliene Silva. A mediação foi feita por James Lewis.
É preciso modernizar o Código Penal
Lídice da Mata observa a necessidade de atualizar o Código Penal sobre os crimes de calúnia e contra a honra. Por serem crimes tipificados muito antes da indústria da desinformação, consideram esses atos como de menor potencial ofensivo. Justamente por isso, têm penas brandas com no máximo dois anos de prisão. O que na prática tem como punição o pagamento de cestas básicas e penalidades afins.
“É muito danoso à sociedade, mas tem um ataque contra as mulheres, contra os negros, com uma linguagem sofisticada. Como o próprio presidente diz, ‘uma mentirinha para namorada’, remete novamente a uma certa traição às mulheres, que estão sempre envolvidas nessas mensagens de ódio de maneira a desqualificá-las”, destaca a deputada ao fazer referência à fala de Bolsonaro sobre fake news nesta semana.
Por isso, ela observa que embora a calúnia seja uma prática antiga, quando uma mensagem consegue atingir milhões de pessoas em segundos, seu efeito é devastador.
Para Juliene Silva, o desafio contra as fake news será jurídico e político, especialmente, nas eleições do próximo ano. Ela observa que a MP das Fake News faz parte do processo de 2022.
“Uma demanda e um planejamento nosso da esquerda é fazer uma reflexão profunda sobre quais são as estruturas jurídicas necessárias [para combater a desinformação]. É preciso caminhar com essa estruturação para que a gente consiga manter a democracia.”
Juliene Silva
CMPI das Fake News
Durante o debate, Lídice adiantou que a CPMI das Fake News deve retomar seus trabalhos após o encerramento da CPI da Pandemia, no Senado.
Mas, apesar de suspensa, a socialista disse que por conta da onda de desinformação durante a pandemia da covid-19, a sociedade tomou consciência da importância das investigações da CPMI.
No início das investigações dos parlamentares, relembra Lídice, havia um certo desprezo pela CPMI. O que mudou muito de 2020 para cá.
“Começamos com certas pessoas achando q não existia fake news, a imprensa como se fosse um terceiro das eleições e o intuito da bancada bolsonarista de tentar desqualificar a investigação.”
Lídice da Mata
Porém, até a CPI da Pandemia tem uma linha de investigação sobre as fake news, além de investigações que correm no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Neste último, a desinformação é parte do processo de cassação contra a chapa eleitoral Bolsonaro-Mourão.
Disputa pela atenção
Ricardo Cappelli, secretário de Comunicação do Maranhão, diz que é importante lembrar que o crescimento da extrema direita – autoritária, fascista – é um fenômeno global. Com o agravante de que as novas tecnologias proporcionaram que a comunicação de massa seja altamente individualizada.
“O volume de informação que a gente recebe diariamente, pelo Whatsapp [por exemplo] é imenso. Então, a disputa não é pela mensagem, mas pela atenção do receptor. Para ganhar a atenção do receptor, quanto mais quente, mais excitante for a mensagem, mais atenção se ganha. Por isso, os novos meios viraram terreno fértil para propagação de pensamentos extremados porque trabalham o aquecimento da disputa de atenção. E, por trás disso, tem gente ganhando muito dinheiro.”
Ricardo Cappelli
Por isso, observa que é um cenário que não pode ser desprezado. “A gente não pode subestimar o que isso representa para as democracias no mundo”, disse.
Responsabilidade das plataformas
Ricardo Cappelli observa a necessidade de responsabilizar as plataformas. Afinal, o lucro delas deriva do fluxo de informações que circulam.“Muitas vezes, não há limites éticos para essas plataformas. Existe o fluxo, então a empresa está lucrando.”
Cappelli cita também que é plenamente possível detectar os robôs e os perfis híbridos, com pessoas que criam um perfil e colocam à disposição para serem utilizados pelos robôs, e que fazem a desinformação circular de maneira extremamente rápida. “Se eu sei disso e o Facebook não sabe?”, questiona.
Por outro lado, ele defende a necessidade das bases de dados dos usuários das redes sociais serem armazenadas no país. Isso colocaria fim às negativas das plataformas em não cumprir as determinações que já existem no Brasil, mas que as empresas afirmam serem reguladas pelas legislações dos países onde essas informações estão.
Sem contar que é preciso seguir o dinheiro que financia as fake news. De acordo com Cappelli, é um fluxo operado em sua maior maior parte com criptomoedas e de fora para dentro do Brasil. O que torna muito mais difícil encontrar os financiadores do sistema de desinformação.
Fake news é muito maior que uma ‘infração ética’
O delegado da PF e assessor técnico da CPMI das Fake News, Carlos Eduardo Sobral, observa que o tema é extremamente delicado. Não se trata de uma “infração ética” sem maiores consequências na vida das pessoas, que é a mentira. A desinformação, afirma, é uma ação coordenada para aniquilar o outro.
“Fake news é desinformação, a má informação, a inverdade que causa dano a pessoas, corporações, organizações, instituições e ao próprio país. Causam mortes de pessoas e, às vezes, até a morte da nossa democracia. É algo extremamente grave. É agressão, violência, aniquilação do pensamento divergente, do opositor, de quem pensa diferente e que é tratado como inimigo sem sequer poder defender as suas ideias com vistas a um ambiente de hegemonia de determinado pensamento.”
Carlos Eduardo Sobral
Por isso, ele também afirma a necessidade de uma legislação capaz de fazer frente às organizações criminosas por trás da desinformação.
PSB derrubou MP das Fake News
O presidente do PSB, Carlos Siqueira, lembrou que o partido está na dianteira do combate às fake news. Foi o PSB que apresentou a primeira ação contra a MP das Fake News no STF, editada por Bolsonaro na véspera dos atos golpistas do 7 de Setembro e que dificultava a remoção de conteúdo inverídico e criminoso pelas plataformas.
A ministra do Rosa Weber suspendeu os efeitos da MP no mesmo dia em que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), devolveu a medida ao Executivo. O que também foi demandado pelo PSB e outros partidos da posição. Ele recorda as semelhanças das táticas utilizadas pelo nazismo e pelo fascismo pelo mundo.
“A extrema direita está voltando de maneira mais sofisticada para destruir o sistema democrático.”
Carlos Siqueira
Comunicação na Autorreforma
Para Domingos Leonelli, as fake news são a “senha da contrarrevolução”. Mais que um golpismo ou avanço neoliberal, ele observa que a extrema direita trabalha para construir um novo mundo.
“Querem construir um futuro perigoso, sombrio, que revogue as conquistas presentes na democracia”, ressalta.
Por isso, ele afirma que a Autorreforma do PSB irá se debruçar sobre o problema em busca de soluções.
“O capitalismo também é incapaz, em sua forma original, de resolver as questões surgidas com a revolução tecnológica. É essencial cobrar das empresas que as bases de dados sejam controladas e disponibilizadas pelo Estado brasileiro. Por isso, é preciso que haja a comunicação como questão democrática e um dos pontos essenciais da soberania nacional [na Autorreforma]”.
Domingos Leonelli