Desafio antigo do Brasil, a evasão escolar pode aumentar em razão da pandemia da covid-19. O alerta foi feito por debatedores que participaram de audiência nesta última quinta-feira (9) na comissão mista que acompanha as políticas públicas adotadas durante a pandemia. Entre as medidas para evitar que estudantes abandonem a escola, os debatedores defenderam a ampliação do acesso à internet banda larga e estratégias pedagógicas de acolhimento.
Dados mais recentes do IBGE dizem que 11,8% dos jovens entre 15 e 17 anos — o equivalente a 1,1 milhão de pessoas — estavam fora da escola em 2018.
O presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, Luiz Miguel Martins Garcia, foi um dos que alertou para o risco do aumento da evasão escolar. Segundo ele, a dificuldade de acesso à internet tem gerado novos excluídos.
— Havia o aluno que estava fora da sala de aula por alguma razão — e a gente trabalha sempre para trazê-lo — e, neste momento de pandemia, nós geramos novos excluídos. Há aqueles da escola que optou por usar tecnologias digitais e ele não tem condição de ter acesso pleno à internet; há aquele que recebeu atividades impressas, mas cujos pais são analfabetos; há aqueles cuja família não consegue se organizar para tal. E nós vamos gerar agora a possibilidade de ter aqueles que têm medo, o medo da volta com aquele discurso de que este ano está perdido — disse.
De acordo com o presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), Luiz Roberto Liza Curi, cerca de 30% das famílias temem que os filhos desistam da escola, por isso é fundamental pensar em medidas de acolhimento dos estudantes como reaproveitamento de estudos.
— Temos também dados que demonstram que 30% das famílias brasileiras temem que os seus filhos desistam da escola, que não retornem mais. Nós estamos cuidando de acolhê-los nesse momento de forma mais ampla, inclusive colocando a reposição na perspectiva desse acolhimento, na perspectiva do reaproveitamento do que não pôde ter sido aproveitado em determinadas realidades, em determinadas redes, para que também se evite a reprovação, para que haja uma perspectiva de aproveitamento amplo — apontou.
Sobre o retorno das aulas no momento em que a pandemia ainda não foi superada, Curi afirmou que a volta deve combinar atividades presenciais com remotas.
— A gravidade do contágio aumenta em alguns casos, em muitas capitais. Então, além de o retorno ser cauteloso do ponto de vista sanitário, além de preservar a vida de indefesos, é importante entender que esse retorno deve se dar a partir de atividades que complementem as atividades não presenciais. Não vai haver uma suspensão das atividades não presenciais — defendeu.
Presidente do colegiado, o senador Confúcio Moura (MDB-RO) apontou a apreensão de pais e mães de alunos com a volta das atividades presenciais em meio à pandemia. Para o senador e outros participantes da audiência, o Ministério da Educação precisa coordenar essa nova etapa.
— É muito fácil falar “vamos voltar às aulas”. Vamos voltar às aulas quando há o pico da doença ainda em muitos estados. Sei que a Undime, o Consed, entre outras instituições que estão muito preocupadas, já se adiantaram a esse debate, mas está faltando esse órgão de representação máxima que é o Ministério da Educação entrar no circuito para que, através da sua liderança nacional, possa também apresentar um protocolo de retorno às aulas com imensa segurança — disse.
Banda Larga
O conselheiro do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul Cezar Miola apontou que a pandemia evidencia a urgência em tirar do papel uma das metas do Plano Nacional de Educação (PNE) que prevê universalizar o acesso à internet em banda larga de alta velocidade promovendo a utilização pedagógica das tecnologias da informação e da comunicação.
— Quando se diz que mais de dois terços das famílias brasileiras têm acesso à internet, isso não é exatamente verdadeiro. Muitas estão conectadas com programas básicos, para atividades muito simples, mas que não permitem, por exemplo, acesso a vídeos, às aulas e a todas essas atividades. É preciso ferramenta tecnológica, é preciso acesso às redes, e portanto, investimentos nessa área. Talvez deva ser a grande diretriz a ser concretizada daqui para a frente, oferecer os mecanismos para que as atividades remotas possam ser efetivamente viabilizadas, com aquisição de equipamentos e acesso à rede. Acesso de verdade e não apenas conexão — salientou.
Representante do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Josué Modesto, que é secretário de Educação de Sergipe, falou sobre os impactos orçamentários da pandemia no setor e apontou a necessidade de receitas para a educação sem vinculação com a arrecadação.
— Foi feito um levantamento em todas as nossas redes estaduais de educação. Estimou-se que, para este ano, nós teríamos uma queda de arrecadação de R$ 28 bilhões. E, quanto às despesas novas, às despesas extraordinárias já contratadas pelas diversas secretarias, nós as estimamos em R$ 2 bilhões. Trata-se de despesas novas que estão vinculadas a algumas atividades, como a alimentação escolar — apontou.
Segundo Modesto, a compra de produtos de limpeza, álcool e o fracionamento de turmas previstas nos protocolos de saúde, além das exigências tecnológicas para as aulas não presenciais, têm um impacto significativo no orçamento dos estados. Ele alertou para o risco de colapso da educação caso novos recursos não sejam liberados.
— Neste momento, as nossas secretarias estão estimando os custos envolvidos com a implantação do ensino híbrido. O fato é que teremos custos adicionais com este ensino híbrido, combinação de ensino remoto e ensino presencial em novo formato com as precauções exigidas. Nós precisamos de auxílios para a manutenção das atividades para que elas não entrem em colapso, as diversas secretarias estaduais e municipais, do ponto de vista orçamentário e financeiro, para que atravessemos o ano de 2020 e de 2021 — disse.
Fundeb
Durante audiência sobre o panorama da educação no período da pandemia do novo coronavírus, deputados e senadores apontaram que o atual momento reforça a importância de aprovação da continuidade do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). O Congresso Nacional analisa proposta de emenda à Constituição que torna o fundo permanente. A PEC 15/2015 também aumenta a participação do governo federal nesse financiamento.
— Eu acho que a gente finalmente está chegando no momento da votação — na próxima semana, tudo indica que vamos votar na Câmara dos Deputados — e acho que essa bandeira deve ser potencializada na próxima semana, para não correr o risco de não ser votada, porque, se o Fundeb já era importante — ele representa 65% do financiamento da educação básica pública do nosso país – antes da pandemia, vai ser mais importante ainda neste momento de grave crise —defendeu o deputado João Campos (PSB-PE), autor do requerimento da audiência.
Os senadores Chico Rodrigues (DEM-RR), Izalci Lucas (PSDB-DF), Wellington Fagundes (PR-MT) e a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) também ressaltaram a importância da aprovação do novo Fundeb. Segundo Eliziane, o Congresso Nacional tem que encabeçar esse debate.
— O governo federal não assumiu até hoje o controle e o debate em relação à questão do novo Fundeb, que acaba agora no dia 31 de dezembro. E, se o Congresso Nacional não se juntar, não protagonizar, a gente não tem uma ação por parte do governo federal. E será ferir de morte a educação brasileira — apontou a senadora.