A situação fiscal dos Municípios foi a pior em décadas no ano passado, com déficit de R$ 17,9 bilhões e comprometimento da gestão de 50% dos Municípios brasileiros, que tiveram receitas insuficientes para a prestação de serviços públicos essenciais à população. No mesmo período de 2022, o percentual foi de 36%. Essa constatação está no estudo O contexto da crise fiscal nos Municípios, feito pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) e que reforça o agravamento do cenário de crise nas prefeituras de todas as regiões do país.
O levantamento traz dados sobre as medidas adotadas pelos gestores para o enfrentamento da crise, bem como os fatores que devem continuar pressionando os Municípios. Além disso, apresenta um balanço sobre as explicações da crise na ótica da Previdência Social, da defasagem dos programas federais, das obras paradas e das dívidas da União com os Municípios. Por fim, apresenta as pautas municipalistas, defendidas pela CNM, para a superação do atual cenário.
O atual cenário de crise é uma combinação da redução de receitas de transferências e da elevação progressiva das despesas públicas em função do cenário pós-pandemia e da deterioração do pacto federativo. As fontes de gastos mais expressivas apontadas no levantamento foram com o pagamento de pessoal, investimento e despesas com custeio de programas. “Nosso estudo indica que as receitas foram insuficientes em cidades de todos os portes populacionais e a crise se intensificou principalmente diante do aumento de despesas decorrentes do período pós-pandemia. O cenário é crítico e representa um alerta aos gestores que assumirão as prefeituras em janeiro de 2025”, alerta o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski.
O desempenho dos limites de gastos com pessoal em relação à Receita Corrente Líquida (RCL) do Município corrobora com a preocupação da administração local neste ano. As despesas de custeio – que são recursos levados para educação, assistência social e saúde para a população – superaram o volume de gastos de pessoal em 2023. Somente as despesas de custeio (+13,2%) e de pessoal (+2,2%) explicam quase 41% dessa expansão. O investimento público foi elevado em 29,7%, correspondente a um incremento de R$ 24,7 bilhões. Destaca-se que, das 7,6 milhões de ocupações, há um importante avanço da criação de vagas destinadas à área social dos Municípios, que concentram a Educação, a Saúde e a Assistência Social. Desconsiderando os indivíduos que não possuem informação de ocupação na RAIS, de aproximadamente 472 mil, é possível atestar um crescimento de 1,7 milhão de ocupações desde 2010. Desses, 1,27 milhão foram destinados para a área social e 461 mil para as demais áreas da administração, que incluem serviços gerais, técnicos e administrativos, cargos de chefia e ocupações de ensino superior que não pertencem à área social.
Previdência
Considerada um dos principais gargalos no país, a previdência está entre as pautas prioritárias da CNM. Aproximadamente 81% dos Municípios do país – seja pertencente ao regime próprio ou geral – possuem débitos com o INSS que superaram, em 2023, a cifra de R$ 248 bilhões. Somadas às dívidas do RPPS, calculadas em R$ 64 bilhões em maio deste ano, a dívida supera R$ 312,6 bilhões. Em decorrência desse cenário, a CNM construiu texto apresentado pelo senador Alessandro Vieira (MDB-SE), protocolado como Emenda de Plenário 6 à Proposta de Emenda Constitucional (PEC 66/2023). A proposta, que beneficia todos os Municípios, inclui, entre os pontos, as seguintes medidas: desoneração permanente da folha de pagamento; parcelamento especial das dívidas junto ao RGPS e ao RPPS; novo modelo de quitação de precatórios; e equiparação das regras de benefícios dos RPPS municipais às da União.
Programas federais
Até abril de 2024, aponta para 196 diferentes políticas públicas criadas pelo governo federal com previsão de continuidade e custeio. Dessas, a maioria está na Saúde (120), seguido por Educação (39); Assistência Social (32). Porém, o estudo da CNM aponta para o subfinanciamento de todos. No caso da Equipe do Estratégia Saúde da Família (ESF), por exemplo, os Municípios aplicam, em média, R$ 1,74 a cada R$ 1 da União. No Programa Nacional de Transporte Escolar (Pnate), os Municípios aplicam R$ 12,53 a cada R$ 1 e, na alimentação escolar, R$ 7,19 a cada R$ 1 da União. “Os Municípios são os grandes executores dos mais de 200 programas federais. O elevado movimento para alocar recursos humanos nas áreas que prestam os serviços públicos à população indica que os entes locais são os reais financiadores da política pública de alcance à população”, destaca Ziulkoski.
Obras paradas
O estudo mostra a existência de 7.555 obras paradas no Brasil desde 2007, em 2.661 Municípios diferentes, quase 50% do total (5.568), correspondendo um valor contratado/pactuado ou empenhado superior, em termos reais, a R$ 36,1 bilhões. A maior parte das obras paradas são da educação, com 66% do total, seguidas das obras da saúde 26%. Os dados também alertam que, entre o que foi empenhado e o que foi pago, faltam mais de R$ 9,2 bilhões a serem repassados pelo governo federal aos Municípios concluírem as obras.
Dívidas da União
A CNM também avaliou os recursos destinados, e não pagos, para o financiamento do Sistema Único de Assistência Social (Suas) aos Municípios entre 2014 e 2022 e as obras educacionais – concluídas ou paralisadas – sob pactuação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), entre 2007 e 2023, que não tiveram os valores de pactuação integralmente pagos. Os recursos levantados, que incluem o pagamento de restos a pagar, somaram R$ 62,1 bilhões.
Pautas
Além da aprovação da Emenda 6 à PEC 66/2023, que representará mais de R$ 500 bilhões em conquistas, a Confederação lista como prioridades do movimento municipalista outras medidas estruturantes. Entre essas estão a PEC 25/2022, que adiciona 1,5% do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) no mês de março de cada ano; a PEC 40/2023, que propõe a elevação do FPM. Também estão na pauta a PEC 14/2023, com atualização monetária dos repasses de programas federais; e o Projeto de Lei COmplementar (PLP) 98/2023, que inclui artigo na LRF para que contratações por meio de Organizações Sociais (OS) não terceirizadas fiquem fora do cômputo dos gastos com pessoal.