Favoritos na corrida presidencial, Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL) contam nesta campanha com grupos de conselheiros bem diferentes daqueles formados quando cada um dos dois conquistou pela primeira vez o direito de governar o país. Em ambos os casos, conforme matéria da revista Veja, a renovação das respectivas equipes ocorreu menos por vontade própria e mais por necessidade. O petista foi obrigado a deixar pelo caminho companheiros graduados abatidos por escândalos de corrupção. No caso do ex-capitão, a guinada decorreu de pragmatismo político. Acossado pela crise econômica, pelos efeitos da pandemia e pela ameaça de enfrentar um processo de impeachment, Bolsonaro abandonou o figurino de outsider, aderiu à velha política que tanto repudiava em 2018 e fechou uma parceria estratégica com os líderes do Centrão. Apesar da substituição de alguns coadjuvantes, uma coisa não mudou: no papel de protagonistas, Lula e Bolsonaro continuam como donos da última palavra sobre os rumos de suas campanhas e centralizam todas as decisões, gostem seus conselheiros ou não.
Candidato à reeleição e segundo colocado nas pesquisas, Bolsonaro concorreu na sucessão presidencial passada por uma legenda nanica, sem coligação partidária e sem o apoio de políticos de expressão nacional. Deputado de baixo clero por sete mandatos consecutivos, ele se apresentou ao eleitorado como o nome antissistema e teve um conselho muito enxuto, coordenado pelo advogado Gustavo Bebianno, que cuidava de questões jurídicas, agendas públicas e até do processo de escolha do vice na chapa. Bebianno era ajudado pelo amigo e empresário Paulo Marinho, que cedeu sua casa para funcionar como comitê de campanha, e por outras pessoas que foram agregadas ao grupo por decisão do próprio Bolsonaro, como o agora deputado Julien Lemos (União Brasil-PB). Hoje, nenhum desses três faz parte da campanha à reeleição. Bebianno chegou a ser empossado como ministro da Secretaria-Geral da Presidência, mas logo acabou demitido, acusado de conspirar contra o presidente, o que ele sempre negou. O advogado morreu em março de 2020, quando já estava fora do governo. Marinho também recebeu a pecha de traidor e Julien Lemos se distanciou do presidente. Do grupo de conselheiros de 2018, restam os filhos de Bolsonaro e a equipe que centralizava — e ainda centraliza — a campanha na internet, comandada por Carlos Bolsonaro.
No conselho de Bolsonaro, a grande mudança não foi de personagens específicos, mas de engrenagem. Ao contrário de 2018, em que quase tudo era feito de forma amadora e improvisada, a campanha deste ano é tocada por profissionais de diferentes ramos. A equipe de coordenação é composta pelo senador Flávio Bolsonaro, reconhecido como o filho mais tarimbado para as negociações políticas, e por dois dos maiores expoentes do Centrão: o presidente do PP e ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, e o mandachuva do PL, Valdemar Costa Neto. Eles trabalharam na construção de uma ampla aliança partidária, contrataram um marqueteiro para cuidar da propaganda na TV e definiram a estratégia de usar e abusar dos cofres públicos para tentar diminuir a desvantagem em relação ao ex-presidente Lula. O ministro da Economia, Paulo Guedes, que foi tão importante em 2018 para convencer o mercado de que Bolsonaro tocaria uma agenda liberal, hoje é peça quase de figuração e está obrigado a apoiar a gastança em nome da reeleição.
Se dependesse da coordenação política, Bolsonaro teria escolhido a ex-ministra da Agricultura Tereza Cristina para o cargo de vice, como forma de tentar atenuar a rejeição ao presidente entre as mulheres e de estreitar laços com o agronegócio. O presidente, no entanto, está decidido a convocar o general Braga Netto para a missão. O episódio não é o único a mostrar como o ex-capitão até ouve os conselheiros, mas decide tudo por conta própria. Bolsonaro nunca aceitou se vacinar em frente das câmeras, apesar dos inúmeros — e acertados — apelos dos auxiliares. No fim de junho, titubeou para demitir o então presidente da Caixa, Pedro Guimarães, acusado de assédio sexual.
Uma certa renovação — mais de pessoas do que de métodos e discursos — também ocorre na campanha de Lula. Do escrete de 2002, quando o petista conquistou pela primeira vez a Presidência, continuam figuras como Gilberto Carvalho e Paulo Okamotto, em funções laterais, e Aloizio Mercadante, que cuida da elaboração do programa de governo. Morto no ano passado, Duda Mendonça, o marqueteiro responsável por criar a imagem do “Lulinha paz e amor”, se viu na lista negra do partido ao admitir, em 2005, no auge do escândalo do mensalão, que recebeu do PT dinheiro de caixa dois no exterior. A poderosa troica do primeiro mandato, formada por José Dirceu, Antonio Palocci e José Genoino, está hoje escanteada. O trio foi abatido por denúncias de corrupção e é convenientemente deixado de lado. Dirceu, embora tenha boa relação e seja ouvido em algumas questões, permanece afastado do comando central. Já Palocci, fustigado pela Lava-Jato, delatou Lula e agora é tratado como inimigo pelos petistas.
Entre os conselheiros atuais estão pessoas que estiveram presentes na vida de Lula durante os 580 dias em que ele ficou preso em Curitiba, como a presidente do PT, a deputada Gleisi Hoffmann, o candidato do partido ao governo de São Paulo, Fernando Haddad, os advogados Marco Aurélio Carvalho e Cristiano Zanin e a socióloga Rosângela Silva, a Janja, esposa de Lula. Eles aparecem ao lado do candidato em eventos públicos, têm funções bem definidas e são ouvidos pelo ex-presidente. Haddad é o mais influente do grupo e está na origem da ideia de escolher para vice o ex-tucano e ex-adversário Geraldo Alckmin, que enfrentou resistências de setores petistas, mas foi bancado por Lula. Janja também tem mais ascendência na campanha do que certos petistas estrelados. Ela é acusada pelo fogo amigo de insuflar o marido a defender a tese de que o aborto é um caso de saúde pública, e não de cadeia — tese correta no mérito, mas duvidosa do ponto de vista eleitoral.
Apesar de seus conselheiros atuais recomendarem moderação, Lula volta e meia tem recaídas retóricas e apela para um discurso mais radical. Esse comportamento é fruto de vários fatores. Diante de plateias mais domesticadas, o ex-presidente costuma falar o que realmente pensa. Além disso, ele mantém um grupo de conselheiros alternativos, que não aparecem nas fotos, mas são consultados. É uma espécie de velha guarda de seus dois governos, da qual fazem parte Franklin Martins, entusiasta da regulação da mídia, Luiz Dulci e o ex-chanceler Celso Amorim. “Hoje, o partido carece de renovação e está sem núcleo organizado como antes”, diz o cientista político Claudio Couto, da Fundação Getulio Vargas. Alguns conselheiros podem até ser diferentes, mas a regra de ouro não muda: a última palavra é de Lula e Bolsonaro. Como sempre.
Publicado em VEJA de 20 de julho de 2022, edição nº 2798