Um grande desequilíbrio fiscal levou a Argentina para uma nova crise econômica, com forte perda do poder de compra da população e desvalorização do peso argentino.
Em 2019, R$ 1 comprava 14,9 pesos. Agora, corresponde a 25,1 pesos. A moeda do país enfraqueceu em comparação com o real, que é uma moeda que também teve desvalorização em relação ao dólar nos últimos anos. Comer carne na Argentina, por exemplo, pode custar a metade do preço em comparação com o Brasil.
Silvina Batakis assumiu o Ministério da Economia do país depois do pedido de renúncia de Martín Guzmán. Mas, 24 dias depois, o presidente da Argentina, Alberto Fernández, nomeou Sergio Massa para assumir a vaga.
O governo do país também passa por uma turbulência política. Além de enfrentar a pressão das ruas, Alberto Fernández e Cristina Kirchner já discordaram publicamente de saídas para resolver os problemas econômicos. A vice defende uma intervenção maior na economia para mitigar os efeitos da crise junto à população de menor renda. Fernández não concorda.
A situação econômica tem feito com que a população realize protestos, além de produtores rurais, que também enfrentam escassez de diesel e problemas nas cadeias de suprimentos da Argentina. Milhares de manifestantes argentinos se reuniram nas ruas da capital Buenos Aires nesta 5ª feira (28.jul) para reivindicar um salário básico universal e a universalização de programas sociais.
Batakis estava em Washington, nos EUA, depois de se encontrar com a chefe do FMI (Fundo Monetário Internacional), Kristalina Georgieva. A Argentina tem um acordo de financiamento de US$ 44 bilhões com a entidade internacional.
O FMI disse, em março, que há “riscos excepcionalmente altos” para o descumprimento do programa econômico. O financiamento serviu para ajudar no balanço de pagamentos e no orçamento da Argentina. Para isso, seria necessário estabelecer a sustentabilidade da dívida, enfrentar a alta inflação, elevar as reservas financeiras e promover o crescimento. Começará a ser pago só em 2026 e se estenderá até 2034.
Para cumprir o acordo, o governo terá que reduzir o deficit primário –receitas menos despesas, excluindo o pagamento de juros da dívida– de 3% em 2021 para 2,5% em 2022. Até 2024, deverá chegar a 0,9% do PIB (Produto Interno Bruto).
A dívida bruta da Argentina, segundo o Ministério da Economia, era de 80,1% do PIB (Produto Interno Bruto) no 1º trimestre de 2022. O Brasil tem um percentual parecido, de 78,5% do PIB. Mas o que preocupa a Argentina é que 55,5% do estoque do endividamento é em moeda estrangeira, e as reservas internacionais são baixas, próximas de US$ 39,5 bilhões, comparadas com as do Brasil (US$ 378,4 bilhões).
As reservas internacionais da Argentina não são capazes de custear 1 semestre de importações do país. As compras do exterior somaram R$ 41,28 bilhões no 1º semestre.
O cenário é ainda pior ao considerar o conceito líquido de reserva cambial –ou seja, os recursos que estão em prontidão para serem usados pelo governo em caso de necessidade. A Argentina não divulga esses dados. O Banco Central do país não respondeu o Poder360 com a informação.
Encarece essa conta da dívida a desvalorização do peso argentino. O dólar paralelo –que é informal– chegou a custar 338 pesos em julho, ante 208 pesos do fim de 2021. Na 5ª feira (28.jul) o dólar oficial, que tem controle do governo, custava 131 pesos.
O dólar paralelo, ou dólar blue, é uma taxa de câmbio informal e ilegal. Apesar disso, a troca é prática comum entre cambistas de Buenos Aires. No país, há um limite mensal de compra de US$ 200.
O câmbio dos Estados Unidos mais valorizado pressiona a inflação. Subiu 64% no acumulado de 12 meses até junho, segundo o Indec (Instituto Nacional de Estatísticas e Censos) da Argentina. Além de ser o maior percentual desde janeiro de 1992 (ou mais de 30 anos) a inflação está há quase 10 anos –desde agosto de 2012– acima dos 2 dígitos.
O economista-chefe do FMI, Pierre-Olivier Gourinchas, disse, ao jornal La Nación, que a situação econômica da Argentina é “muito preocupante” e que a redução da inflação deve ser a prioridade absoluta. É obrigação contratual com o FMI que a inflação termine o ano de 38% a 48%.
O país precisou elevar a taxa básica de juros para controlar a inflação. Chegou a 52% ao ano em junho, o maior patamar desde antes da pandemia de covid-19. O país foi o que mais aumentou os juros em 2022, superando, inclusive, a Ucrânia, que está em guerra com a Rússia. A alta foi de 22 pontos percentuais.
Com a última alta na taxa básica, a Argentina superou a Venezuela e lidera o ranking de maiores juros nominais do mundo. Os juros já foram mais altos em 2019. Atingiram 83,26% ao ano. A tendência é de que a taxa continue a aumentar em 2022 para frear a inflação e atrair capital estrangeiro para o país.
Outra preocupação para a economia da Argentina é o crescimento baixo do país. O PIB do país subiu 0,9% no 1º trimestre de 2022 em comparação com o último de 2021. Desacelerou em relação aos últimos 2 resultados. Os próximos resultados devem ser impactados pela piora das condições financeiras globais.
A taxa de desemprego do país é de 7%. Caiu em relação a 2020, durante o início da pandemia de covid-19. Mas o dado não significa que o mercado de trabalho está positivo. A Argentina tem uma população estimada de 46,2 milhões de pessoas, mas o Idec só calcula a taxa nas áreas urbanas.
A população urbana é de 29,1 milhões e há 13,5 milhões que são economicamente ativos. Desses, 12,6 milhões são ocupados, ou 27,3% da população total da Argentina. Em comparação com o Brasil, que não é o melhor exemplo por ter um mercado de trabalho forte, tem 45,7% da população total (214,9 milhões) ocupada.
Além disso, a população do país está envelhecendo. O número de pessoas que têm mais de 35 anos cresceu 17,3% de 2013 a 2022, segundo estimativa do Indec. Jovens até 34 anos tiveram alta de 3,8% no período.