Novidade para as eleições de 2022, as federações partidárias prometem movimentar o cenário político nos próximos meses. Instituída pelo Congresso Nacional na reforma eleitoral de 2021 e aprovada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as federações são consequência de duas medidas anteriores: o fim da coligação proporcional e a cláusula de desempenho. “Com a cláusula de desempenho, cada partido precisa ter x% dos votos. Se não atingir essa meta, ele fica sem fundo partidário e sem televisão”, explica o advogado Antonio Carlos de Freitas Júnior, especialista em direito eleitoral e constitucional pela USP em entrevista ao canal Jovem Pan, que aponta que as medidas foram tomadas visando uma diminuição na quantidade de partidos políticos no Brasil. Sem fundo partidário, alguns partidos pequenos não conseguem sobreviver, tendo que optar pelo fim da legenda ou pela fusão com outro grupo partidário.
“O partido não vai se suicidar ou se autoeliminar. Com isso, surge um movimento de fusão partidária. Só que as fusões estavam complicadas, os partidos não estavam entrando em consenso. Criou-se, então, a federação partidária, uma espécie união temporária. É uma reação para proteger os partidos pequenos para que eles possam se juntar, ainda com algum organismo individual, e sobreviver com recurso público”, afirma o especialista. Apesar de ser uma solução para as siglas menores, as federações trazem consigo regras que podem gerar impasses nas negociações. Diferente das coligações, que são alianças eleitorais e se desfazem após os pleitos, as federações têm duração mínima de quatro anos. Isto é: os dois ou mais partidos que se federarem funcionarão como um só pelo próximo mandato, regidos por um mesmo estatuto nacional. Como essa aliança durará ao menos quatro anos, as legendas que se federarem em 2022 terão que disputar as eleições de 2024 juntas, ou seja, terão que escolher um candidato em conjunto em cada um dos 5.568 municípios brasileiros.
Por esse motivo, Freitas defende na entrevista a Jovem Pan, que o sistema não seja benéfico para dois partidos grandes. “Sinceramente, no arranjo que foi feito, não me parece servir a partidos grandes no sentido de dois deles se federarem. Quando eu vejo discussões entre MDB e PSDB, eu olho e penso que isso não é possível. Embora as unidades partidárias mantenham toda essa questão de gastos de dinheiros, as decisões de candidaturas são conjuntas. Imagina você ter dois partidos grandes e eles terem o mesmo candidato nos 645 municípios de São Paulo. É uma loucura no sentido das oligarquias regionais e estruturas de poder interna”, opina Freitas. No caso das negociações entre PT e PSB, o pleito municipal já colocou um entrave para a federação. Na capital de Pernambuco, Recife, por exemplo, os partidos são adversários. Em 2020, inclusive, Marília Arraes (PT) e João Campos (PSB) disputaram um segundo turno acirrado. Em São Paulo, enquanto o Partido dos Trabalhadores não quer abrir mão de ter Fernando Haddad como pré-candidato ao Palácio dos Bandeirantes, o Partido Socialista Brasileiro não parece recuar da candidatura de Marcio França ao governo do Estado.
Apesar da dificuldade na hora de chegar a um consenso para a federação, Isaac Kofi Medeiros, mestre em direito do Estado pela UFSC e sócio da Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados, acredita que um acordo entre PT e PSB, por exemplo, pode ser ajudar na governabilidade caso as pesquisas se confirmem e Lula seja eleito presidente da República. Caso contrário, a federação pode funcionar como um grupo poderoso de oposição. “Nos próximos anos, quais serão as legendas mais competitivas? A gente tem agora uma fusão partidária que ocorreu entre o DEM e o PSL, formando o União Brasil, e que resultou em uma bancada muito representativa, que vai ter uma importância muito grande nos próximos quatro anos e que talvez, inclusive, represente a principal força de oposição se o Lula for eleito, por exemplo. Então, talvez, a vantagem para os partidos grandes é: ‘Se o outro lado vai atuar de uma forma unida, por que nós vamos atuar de uma forma fragmentada?’. Eu acho que as federações partidárias para os partidos grandes os ajudam a comandar uma força política muito mais competitiva”, avalia Medeiros.
No site do próprio TSE, a federação é descrita como uma forma de “permitir às legendas atuarem de forma unificada em todo o país, como um teste para eventual fusão ou incorporação”. Ambos os especialistas ouvidos pela Jovem Pan creem que esse pode ser o caminho. “A Lei das Federações dá uma freada no enxugamento de quadro partidários gerado pelo fim das coligações proporcionais e da cláusula de desempenhos, mas torna o processo um pouco mais natural, porque une partidos com ideias semelhantes entre si e isso pode ser uma espécie de ‘teste’ para ver se eles conseguem coordenar a suas atuações para que, futuramente, possam se fundir”, diz o especialista em direito do Estado. Medeiros também cita outro benefício da federação: estímulo a aproximações ideológicas e realinhamento dentro do quadro partidário.
“As federações fazem com que os partidos permaneçam federados, independentemente do resulto eleitoral. Se elegeram o mesmo presidente da República ou não, esses partidos têm que ter uma atuação conjunta no Congresso Nacional. Isso incentiva que tenham alianças com outros em que confiam minimamente, que tenha uma reciprocidade ideológica”, exemplifica Medeiros, que também vê a criação de um estatuto nacional como uma oportunidade de fazer com que os partidos ajam de maneira mais homogênea nas diferentes instâncias. “No Brasil, um partido tem um posicionamento mais progressista no Congresso Nacional, por exemplo, mas o Diretório Nacional, não. Ou seja, os partidos têm comportamentos completamente diferentes a depender do Estado ou da cidade em que eles estão. Então, as federações forçam os partidos a resolver essas divergências internas, a uniformizar politica e ideologicamente a atuação”, prevê.