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quinta-feira 19 de agosto de 2021 às 18:43h

Entenda a moeda de troca por trás da verba política de Doria a aliados e como ela se compara à de Bolsonaro

NOTÍCIAS, POLÍTICA


O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), multiplicou os repasses de verbas políticas em 2021, ano que antecede a disputa para a Presidência da República —o tucano trabalha para ser o candidato do partido ao Planalto.

Até o fim de julho, já foram liberados neste ano ao menos R$ 1,05 bilhão em recursos extras para que parlamentares irriguem suas bases políticas com obras de infraestrutura, gastos com saúde, financiamento de entidades e outros benefícios. O volume é considerado inédito.

Os dados sobre demandas parlamentares, apesar de envolverem verba pública, não são divulgados pela gestão Doria. A Folha de S. Paulo, fez sete pedidos por meio da Lei de Acesso à Informação.

A gestão apenas autorizou que, em uma sala do Palácio dos Bandeirantes, a Folha tivesse acesso a cerca de 5.300 folhas de papel com informações sobre os repasses. A reportagem fez foto de cada uma das folhas e planilhou os dados.

Especialistas afirmam que o pagamento de emendas e demandas parlamentares é comum e lícito, mas há limites para que não haja abuso de poder político ou improbidade administrativa. Além disso, os gastos deveriam ser públicos e transparentes.

O que são as verbas liberadas pela gestão João Doria (PSDB) a pedido de parlamentares? Para atender cidades que formam sua base eleitoral, deputados costumam levar ao Governo de São Paulo pedidos por recursos. Ou seja, os parlamentares indicam ao governador que uma parte do Orçamento do estado deve ser aplicado em uma cidade específica para um fim específico —alguma melhoria.

Folha revelou em uma série de reportagens que Doria atendeu parte dos deputados e liberou, até julho de 2021, R$ 1,05 bilhão. No total, o governador atendeu 93 deputados estaduais, deputados federais e uma senadora de 17 partidos.

Deputados de oposição a Doria, do PT e do PC do B, também tiveram suas demandas atendidas, mas a enorme maioria da verba foi destinada a políticos aliados do tucano e que formam sua base governista em São Paulo.

Doria quer disputar a Presidência, e seu vice, Rodrigo Garcia (PSDB), o Governo de São Paulo. Para isso, precisam consolidar sua base de apoio, ter cabos eleitorais pelo estado e formar uma aliança de partidos —e a liberação dessas demandas ajuda nisso.

Políticos ouvidos pela Folha dizem que deputados federais e estaduais costumam ser atendidos pelo governo paulista, mas afirmam que Doria inovou no montante de recursos e na celeridade dos repasses. Em 2020, o valor distribuído foi de R$ 182,9 milhões.

Quais as semelhanças e diferenças com as emendas parlamentares? Essa verba liberada por Doria e revelada pela Folha é chamada de “demanda parlamentar” para que seja diferenciada da “emenda parlamentar”.

As emendas parlamentares são emendas feitas à Lei Orçamentária Anual. Cada parlamentar tem direito a um número de emendas para indicar partes do Orçamento para suas cidades —sistema parecido com o das demandas parlamentares.

Os deputados federais fazem emendas ao Orçamento do país, enquanto os deputados estaduais fazem emendas ao Orçamento de seus estados. ​

Em São Paulo, as emendas parlamentares tiveram valor total de R$ 5,1 milhões para cada um dos 94 deputados estaduais em 2021. O pagamento dessas emendas é obrigatório, independentemente se o parlamentar é governista ou de oposição.

Até agora, Doria já pagou R$ 161 milhões dos R$ 481,2 milhões devidos em emendas impositivas aos deputados estaduais.

Os valores são bem inferiores ao R$ 1,05 bilhão distribuído em demandas parlamentares, que não têm pagamento obrigatório e são repassadas conforme a conveniência do governo, privilegiando sua base.

Na prática, a demanda parlamentar é uma emenda voluntária ou emenda extra.

Para que servem esses repasses a pedido de parlamentares? As emendas ou demandas servem a dois propósitos. Um deles é atender a população que vive nas cidades que recebem a verba. A maior parte desses gastos neste ano foi para a área da saúde.

Um estudo do cientista político Carlos Pereira, professor da FGV-Rio, mostra que cidades que receberam emendas federais tiveram, por um período, indicadores sociais e econômicos melhores em relação àquelas que não receberam.

Mas há também um propósito político e eleitoral —os repasses são moedas de troca. Ao investir nas áreas de deputados aliados, o governo espera que esses parlamentares apoiem iniciativas do governo, aprovando projetos na Assembleia Legislativa.

O objetivo do governo é também mostrar entregas à população para se reeleger e reeleger os parlamentares governistas.

Pereira afirma que o uso de emendas como moeda de troca são comuns numa democracia multipartidária como a do Brasil. ​

“Raramente presidentes, governadores e prefeitos conseguem que seu partido tenha maioria das cadeiras no Legislativo. Então é necessário que o governante atraia apoios pós eleitorais através de uma coalizão. O Executivo tem uma série de instrumentos de formação de maioria, como as emendas”, diz.

Andréa Freitas, cientista política e professora da Unicamp, afirma que “é papel dos parlamentares fazerem demandas específicas para regiões específicas”, o que “proporcionada para o deputado a possibilidade de reivindicar crédito por aquela ação”.

Freitas, que é membro do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), diz ser preciso verificar se as emendas estão sendo bem aplicadas ou não.

A professora lembra que, se por um lado a gestão Doria liberou R$ 1,05 bilhão em demandas, por outro lado há R$ 85 milhões de verba contingenciada para os hospitais universitários.

Por que distribuir essas verbas pode influenciar na eleição? Freitas, da Unicamp e do Cebrap, diz que ser comum que o pagamento de emendas aumente em anos pré-eleitorais.

“A gente não pode desconectar a figura dos políticos do processo eleitoral, tudo que eles fazem é pensando em se reeleger”, diz ela.

Ao enviar recursos para uma cidade, o governante pensa em conquistar não apenas o voto da população, mas o próprio prefeito e líderes locais, que funcionam como cabos eleitorais na região.

A MÁQUINA DE DORIA

  • Doria multiplica repasse de verba política, precariza transparência e gasta R$ 1 bi até com deputados federais

  • Doria dribla transparência de repasse de verba política, e Folha organiza dados a partir de caixas de papelão

  • Verba do governo Doria para deputados federais compete com orçamento de Bolsonaro

Por que existem demandas parlamentares além das emendas parlamentares? Em 2017, uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) aprovada na Assembleia Legislativa de SP determinou que 0,3% da receita líquida do estado fosse usada para pagar, a cada ano, as emendas —metade delas para a saúde.

A PEC também determinou que esse pagamento passasse a ser obrigatório aos deputados de todos os partidos.

Como é de interesse do governo irrigar suas bases políticas com verba pública, a moeda de troca passou a ser a demanda parlamentar, que é direcionada aos aliados, no lugar da emenda.

Ao mesmo tempo em que Doria distribui emendas extras, deputados ouvidos pela Folha reclamam de falta de pagamento de emendas impositivas de 2021 e de anos anteriores.

Para Carlos Pereira, da FGV-Rio, o fato de as emendas se tornarem impositivas inflacionou o pagamento de demandas.

“Quando os deputados internalizaram que eles não precisam mais apoiar o governo para ter acesso às emendas, o governo teve que encontrar outras moedas de troca. Isso torna o jogo arriscado, porque não se sabe se essas novas moedas de troca serão tão institucionalizadas e legais como as anteriores”, diz. ​

O uso dessa verba pública deveria ser divulgado pelo governo? Especialistas concordam que a destinação dos recursos deveria ser transparente. No entanto, a gestão Doria não publica dados sobre o pagamento das demandas parlamentares nos sites do governo.

A lista de emendas parlamentares é publicada a cada ano no site da Casa Civil, mas seu status de pagamento está desatualizado.

Vera Chemim, advogada constitucionalista e mestre em direito público administrativo pela FGV, aponta que a lei 13.019/2014​, que trata de transferências voluntárias, tem o objetivo de aumentar a transparência e controle do Executivo para que os repasses atendam aos princípios da legalidade, imparcialidade, publicidade, eficiência e moralidade administrativa.​

O Governo de São Paulo afirma que “as solicitações têm tratamento transparente para garantir a lisura do processo, com cada andamento da requisição sendo informado ao solicitante”.

Como a Folha obteve esses dados? Os repórteres fizeram sete pedidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). O objetivo era obter uma planilha digital e editável dos repasses.

Em julho, o governo não forneceu os dados sistematizados. Apenas autorizou a consulta de documentos (registros dos repasses) armazenados fisicamente em caixas de papelão.

Os documentos não poderiam sair do Palácio dos Bandeirantes, então a reportagem fez 5.284 fotografias das folhas de papel. Depois disso, foram duas semanas transformando os dados captados em planilhas. Como havia repetições e erros, o resultado foi de 4.566 emendas voluntárias catalogadas.

Devido à forma precária como o governo apresentou as informações à reportagem, os dados podem não estar completamente precisos.

“Embora na letra fria da lei o pedido tenha sido cumprido, o que chama atenção é que tudo indica que houve a adoção de um procedimento para dificultar o acesso à informação, o que é lamentável”, diz Marina Atoji, da ONG Transparência Brasil.

Como funciona o pagamento de demandas e de emendas pelo governo Doria? Os repasses não são feitos para os deputados, mas para as prefeituras ou entidades beneficiadas. Esse pagamento é feito, em geral, por meio de convênio entre o Governo de São Paulo e determinado município ou instituição.

Para que o convênio seja efetivado, é necessário que a parte beneficiada apresente uma série de documentos, e algumas vezes o governo exige um projeto mais detalhado do uso da verba para quitá-la. É comum que a burocracia dificulte ou impeça o pagamento de emendas.

Em maio deste ano, a Assembleia aprovou uma PEC para facilitar a transferência de recursos aos municípios. O chamado pagamento fundo a fundo possibilita que a verba seja transferida diretamente do Fundo Estadual de Saúde para os fundos municipais.

Como funciona o pagamento de emendas na esfera federal pelo governo Jair Bolsonaro? Os deputados federais têm mais tipos de emendas ao Orçamento, como as individuais, de R$ 16 milhões, e as de bancada (coletivas, feitas pela bancada estadual ou regional), de R$ 241 milhões. Ambas têm pagamento obrigatório.

Competindo com as emendas de bancada de Bolsonaro, Doria liberou R$ 301 milhões para 34 deputados federais paulistas.

Mas, no governo Bolsonaro, as emendas que são usadas como moedas de troca (a exemplo das demandas parlamentares no caso de Doria) são as emendas de relator, que podem ser alocadas a pedido de parlamentares aliados e não têm a mesma transparência das demais.

O uso político dessas emendas no governo Bolsonaro foi noticiado recentemente em uma série de reportagens do jornal O Estado de S. Paulo.

​Essas liberações de emendas impositivas e extras são ilícitas? Pode haver irregularidades? Não há irregularidade a princípio.

Segundo Valdir Simão, sócio do Warde Advogados e ex-ministro chefe da CGU (Controladoria Geral da União), pode haver improbidade administrativa “se ficar comprovado que a distribuição dos recursos se dá por interesses que não são legítimos, não são republicanos —por exemplo, por interesse meramente partidário”. ​

Se houver desvio de recursos ou desvio de finalidade, Chemim aponta que, além de improbidade administrativa, a irregularidade pode ser enquadrada na Lei do Impeachment (1.079/1950), nas categorias de crimes contra a lei orçamentária e contra a guarda e legal emprego do dinheiro público.

Ela aponta ainda que esses pagamentos devem obedecer à Lei de Responsabilidade Fiscal e que, em época de eleições, “aumentam as chances de corrupção da execução” das emendas.

Outra irregularidade ocorre quando o princípio da isonomia é quebrado. “A destinação desigual de transferências voluntárias que venha a afrontar significativamente o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade pode vir a ser contestado do ponto de vista legal e constitucional”, diz Chemim.

A partir da reportagem da Folha, o deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL) solicitou ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas do Estado que investiguem se houve irregularidade nas demandas pagas por Doria.

A deputada estadual Adriana Borgo (PROS) fez um requerimento de informação ao governo sobre os repasses, questionando, inclusive, quando esses dados serão disponibilizados no portal da transparência.

Adversários de Doria apontam uso da máquina pública para beneficiá-lo na eleição. Os repasses podem ser alvo de ação eleitoral? Jaime Barreiros Neto, professor da Universidade Federal da Bahia e membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), lembra que a Constituição proíbe que os candidatos pratiquem atos que configurem abuso (uso distorcido, além do razoável) de poder político, econômico ou dos meios de comunicação social.

“Quando se fala abuso de poder político, é uma situação em que um gestor público atua manipulando a máquina administrativa a seu favor”, diz.

Pode haver abuso quando o governante atua para finalidade pessoal.

“Potencialmente, qualquer ato praticado por um gestor que distorça a finalidade do ato administrativo e tenha algo de pessoalidade prevalecendo sobre a impessoalidade, que não tenha uma finalidade pública de fato ou gere privilégios para A ou B em detrimento de C, pode em tese configurar um abuso de poder.”

Adversários ou o Ministério Público podem entrar com uma ação eleitoral contra abuso de poder, que pode ter acontecido mesmo antes da eleição —embora não haja consenso sobre o quanto antes.

A punição pode ser perda do registro de candidatura ou a perda do mandato e a inelegibilidade. Além do governante, secretários ou auxiliares que tenham participado do ato de abuso de poder também podem ser punidos.

O pagamento desses valores é sempre algo negativo? Cientistas políticos dizem que o pagamento de emendas e demandas não pode ser demonizado.

Freitas, da Unicamp, diz que a coalizão de partidos que compõem o governo (ou seja, siglas aliadas que recebem secretarias e cargos) também assume responsabilidades. A coalizão tem benefícios, mas também têm o ônus de ser responsável pelo sucesso das políticas públicas.

Pereira, da FGV-Rio, afirma que a falta de transparência das emendas colabora para que as pessoas pensem que “é dinheiro vivo que entra no bolso do deputado, e na realidade são políticas públicas”. Ele diz que os políticos devem ter coragem para “reconhecer esse jogo e argumentar a legitimidade dele”.

“É preciso se retirar a carga moral que se tem em cima dessas trocas. Muita gente acha que os parlamentares deveriam apoiar ou não o governo independentemente dos recursos de poder e financeiros. Só que essa visão é muito ingênua. Isso acontece em democracias mais estáveis e mais velhas do que o Brasil. Esse mecanismo é completamente natural e esperado”, diz.

O que Doria já disse sobre práticas de “toma lá, dá cá” e sobre transparência? Em 1º de novembro de 2018, após ser eleito, Doria tuitou: “Em nossa gestão, não haverá a velha política do ‘toma lá dá cá'”.

Em seu discurso de posse na Assembleia, em 1º de janeiro de 2019, afirmou ser preciso “deixar de lado conveniências pessoais e partidárias para proteger o interesse do povo”

“A velha política das mordomias, do cabide de emprego, da troca de favores, o desperdício do dinheiro público, da inoperância e da falta de transparência não cabem nesse sentimento de mudança. E não fará parte do nosso governo”, disse.

Mais tarde, no Palácio dos Bandeirantes, declarou que a população de São Paulo mostrou desejar um novo caminho. “Uma nova política, uma nova economia, uma nova sociedade. A nova política se chama transparência: bons propósitos, integridade, honestidade.”

O que o governo Doria diz sobre a liberação de demandas? Procurado pela Folha, o governo não explicou critérios de pagamento das demandas e nem o motivo do crescimento dessa despesa em 2021. Em nota, a Casa Civil afirmou que “os investimentos são resultado de ações sociais para enfrentar os desafios pós-pandemia”.

“O Governo de São Paulo não pode ser vítima de juízo de valor por iniciativas governamentais para atender as pessoas mais carentes neste momento em que as medidas são necessárias para superar a crise sanitária e econômica”, diz o texto.

“Todos os parlamentares, sejam deputados federais, estaduais, vereadores ou a sociedade civil organizada contribuem com o governo do estado para identificar as demandas para melhorar a vida das pessoas. E faz isso de maneira isenta para a liberação de recursos, pois as demandas contemplam, inclusive, deputados da oposição.”

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