Fenômeno na esfera federal, o aumento das emendas parlamentares no orçamento também ganhou tração nas assembleias estaduais, na esteira do que se vê no Congresso. A soma do montante que cada estado permitiu em leis orçamentárias para esse tipo de gasto chegou a R$ 9,5 bilhões no ano passado. Também chama atenção que, a partir de 2019, as casas legislativas aderiram ainda às chamadas “emendas Pix”, transferências diretas de deputados para os municípios sem definição específica do uso do dinheiro pelas prefeituras. Já são 18 estados com essa modalidade.
O levantamento foi feito para o jornal O Globo pela Transparência Internacional, com apoio da Fundação Konrad Adenauer Stiftung, e considera o percentual da receita corrente líquida que cada local permitiu para o pagamento dos diferentes tipos de emendas. No ranking de estados que mais liberaram, destaca-se Minas Gerais. A segunda unidade mais populosa da federação autorizou R$ 2,3 bilhões para os deputados em emendas — cerca do dobro de São Paulo, o estado com maior população.
No nível federal, as emendas abocanham R$ 47 bilhões do orçamento da União este ano. O aumento é considerável quando se compara com 2019, quando eram R$ 17 bilhões. Elas passaram a ter crescimentos superlativos no governo Jair Bolsonaro (PL), sob a batuta do presidente Arthur Lira (PP-AL) na Câmara dos Deputados.
Essa predominância crescente dos parlamentares na destinação do dinheiro causa diferentes preocupações. No relatório da Transparência Internacional, são citados o risco de corrupção, prejuízos ao planejamento de políticas públicas e até impactos eleitorais, já que a concorrência entre quem já está no cargo e aqueles que tentam se eleger sem ter os mesmos recursos fica mais desigual.
— O desvirtuamento das políticas públicas é preocupante. Em tese, os recursos, quando são alocados, deveriam seguir critérios técnicos e objetivos para as comunidades que mais precisam. Mas estamos vendo em nível federal exemplos em que não vão para elas. Ainda precisamos entender como isso está se dando no nível estadual — avalia o coordenador do estudo e gerente de pesquisa da Transparência Internacional no Brasil, Guilherme France.
No caso dos impactos regionais, France destaca o que ficou conhecido como “desertos políticos”: cidades que, por não terem representantes específicos no Congresso ou nas assembleias estaduais, acabam preteridas no recebimento de recursos, o que contribui para acentuar desigualdades regionais.
— Acompanhamos nas últimas eleições que os parlamentares com maior nível de acesso às emendas se beneficiaram eleitoralmente desses recursos. Tiveram taxa de reeleição mais alta — detalha o pesquisador.
Além de ser o estado com mais gastos em emendas, Minas foi responsável por dar largada à reprodução do modelo de “emendas Pix”. Logo em 2019, mesmo ano do Congresso, a Assembleia Legislativa replicou o formato. Conhecido como microcosmo político do Brasil, dadas as diferentes peculiaridades de cada região, o estado tem na política de afago a prefeitos uma estratégia fundamental para a conquista de votos — são 853 municípios no território, de longe o estado do Brasil com mais cidades.
O jornal analisou as “emendas Pix” do ano passado na Assembleia mineira, e o resultado das mais robustas ilustra bem o privilégio que deputados dão a redutos políticos. Ao todo, mais de R$ 400 milhões foram pagos nessa modalidade. Hoje senador, o ex-deputado Cleitinho Azevedo (Republicanos) destinou a segunda maior transferência especial — nome oficial desse tipo de emenda — para Divinópolis. Em uma só emenda, a cidade comandada por um irmão do deputado, Gleidson Azevedo, recebeu R$ 4,5 milhões.
— Quando eu era vereador, o que mais se cobrava lá era infraestrutura. Tem vários bairros que não têm. Quando virei deputado, falei na campanha que iria fazer de tudo para arrumar recursos e pavimentar ruas. Hoje meu irmão é prefeito, mas se amanhã ele não for, continuarei mandando para minha cidade, mandando até mais. Tem muita rua lá que precisa ser pavimentada. Quando meu irmão não era prefeito, mandei o mesmo valor — afirma o senador.
O único que transferiu uma emenda superior àquela de Cleitinho, no valor de R$ 5,6 milhões, foi o ex-deputado Léo Portela (PL), que tem como sucessora na Assembleia a irmã Alê Portela (PL). O dinheiro também foi para um reduto: o município de Engenheiro Caldas, de pouco mais de 10 mil pessoas, onde os irmãos foram os mais votados para deputado estadual em 2018 e 2022. Há dois anos, Alê teve quase metade dos sufrágios locais, patamar impressionante para cargos proporcionais — aos quais os candidatos disputam votos com outros milhares de concorrentes. O prefeito do município localizado no Vale do Rio Doce também é do PL.
Linha do tempo
Ao analisar a implementação das emendas nos estados, os pesquisadores da Transparência Internacional identificaram como o Congresso criou um efeito cascata. No caso das “emendas Pix”, além de Minas ter replicado o modelo no mesmo ano de 2019, outros cinco aderiram em 2020: Alagoas, Rio Grande do Norte, Roraima, Santa Catarina e Sergipe. Em 2021, foi a vez do Amazonas, de Mato Grosso, do Piauí, de São Paulo, do Tocantins e do Ceará. Nos últimos dois anos, seguiram a modalidade Goiás, Paraíba, Acre, Maranhão, Pernambuco e Rondônia.
Por causa dos diferentes graus de transparência dos estados, o levantamento não identifica o percentual de “emendas Pix” no montante autorizado no ano passado nas unidades federativas. O caso de Minas, no entanto, joga luz sobre o caráter crescente desse tipo de transferência.
O Rio não tem previsão desse modelo, mas passou a determinar no ano passado as emendas impositivas. Em tese, elas só poderiam entrar em vigor quando o estado saísse do Regime de Recuperação Fiscal, em que está enquadrado desde 2017, mas a Assembleia revogou a barreira. Na soma, o máximo permitido foi de R$ 335 milhões, segundo o estudo. Em março, o jornal publicou uma ferramenta que permite ao leitor explorar a destinação dos recursos por cada parlamentar da Alerj.