A corrida presidencial nos EUA está sendo marcada por uma grande polêmica envolvendo o Serviço Postal dos Estados Unidos (USPS). Buscando a reeleição, Donald Trump não acredita na confiabilidade no sistema de votos por correspondência, que deverá ganhar mais adeptos nas eleições marcadas para 3 de novembro de 2020 devido à pandemia de Covid-19 – o país é o que mais registrou mortes provocadas pela doença. Recentemente, o líder estadunidense afirmou que o voto por correio incentivará as fraudes e chegou até a ameaçar o repasse de verba para o USPS. Mas, afinal, o republicano tem motivo para tanta desconfiança?
Segundo o site da Jovem Pan, especialistas afirmaram que não enxergam razão para tanta insatisfação do mandatário norte-americano.
“Eu acho que a chance de fraude nos Estados Unidos é muito pequena. Então, você tem uma suspeita em relação ao voto à distância, na votação por correspondência, mas não há uma ligação direta ainda estabelecida. Eu não acho que essa votação por correspondência favorece ninguém. Eu acho que o que pode ser criticado é que é um sistema onde voto pode chegar ao destino, pode ser aberto. No caminho, pode ter alguém que extravie. Mas é uma chance muito pequena e com um efeito muito pequeno. Por enquanto, não é algo que tenha grande peso na eleição americana”, disse Manuel Furriela, professor de Relações Internacionais da FMU.
Coordenadora do curso de Relações Internacionais da FAAP, Fernanda Magnotta concorda e vai além: no entendimento dela, Trump está sendo estrategista ao tentar travar a verba ao serviço de correios americanos. Isto porque a votação por correspondência, na prática, deve favorecer o democrata Joe Biden, candidato rival do atual presidente. “Trump sabe que o voto por correios será majoritariamente utilizado pelo eleitorado democrata. Isso tem aparecido nas pesquisas. E ele ameaçou cortar recursos dos correios. Com isso, ele estaria, consequentemente, manipulando, de certa forma, o resultado das eleições, na medida em que, sem recursos, os Correios não conseguiriam operacionalizar essa entrega e devolutiva das cédulas a tempo, fazendo com que cidadãos não tivessem seus votos contabilizados”, declarou a professora especialista no assunto.
“Ele [Trump] teria vantagem eleitoral, já que o eleitorado republicano, em geral, é menos adepto ao voto por correios e mais adepto ao voto presencial. Seria uma estratégia eleitoral, levando em conta que o comparecimento sempre é um desafio nas eleições e, particularmente, dos democratas, que têm tido dificuldade de levar o pessoal para votar. O voto por correios, principalmente na pandemia, estava sendo visto como uma boa alternativa, uma boa saída e agora está enfrentando este debate”, complementou Fernanda.
Por que não urna eletrônica?
Em alguns locais dos Estados Unidos, a urna eletrônica até é utilizada na votação para a presidência. No geral, entretanto, o cidadão costuma escolher seus candidatos pelo voto por papel. “O sistema atual funciona bem. É um sistema que tem uma lógica para o eleitor, que, em alguns casos, identifica o candidato escolhendo um animal (burro ou o elefante). Além disso, lá não há uma demanda tão grande de uma apuração tão rápida, como nós temos no Brasil. Outro ponto é de investir os recursos, que não é necessário. Para colocar o sistema de urnas eletrônicas no país inteiro, isto exige uma verba alta. Eles não veem necessidade nisso. E eles sentem confiança no sistema que eles têm atualmente, que poucas vezes você teve acusações sérias de fraudes em relação ao processo de utilização do voto manual, do voto impresso, e não do voto de urna eletrônica”, explicou Manuel Furriela.
“É uma decisão avaliada nas condições e preferências das autoridades de cada estado e na legislação de cada estado. Não é uma questão nacional. Aliás, nada em relação a sistema eleitoral é nacional. Até por isso que, afinal das contas, olhar para pesquisa de intenção de votos nacionais não significa nada porque, como eu disse, o que interessa é olhar para quem ganhou em cada estado e o quanto pesa cada colégio eleitoral em cada estado”, comenta Fernanda Magnotta.
As abstenções vão aumentar?
Como nos Estados Unidos o voto é facultativo, a quantidade de pessoas que se abstém durante as eleições costuma ser expressiva. Para novembro deste ano, no entendimento de Fernanda Magnotta, professora da FAAP, o cenário é imprevisível. “Essa é a pergunta de um milhão de reais. As pessoas esperam que sim [as abstenções aumentem] devido à pandemia e ao receio de ser contaminado em filas longas e aglomerações. Por outro lado, a busca de votos por correios tem sido maior do que anos anteriores. Isso talvez desperte uma intenção maior de votar nesta nova modalidade em relação a cidadãos que não iriam votar. Então, não há como ter certeza sobre isso”, disse.
Já Manuel Furriela discorda e acredita que a mobilização de Trump e Biden fará com que a taxa de abstenções diminua – em eleições anteriores, cerca de 40% da população deixou de registrar seu voto. “Os democratas e os republicanos vão tentar mobilizar as pessoas a votarem mais. Do lado democrata, houve uma forte percepção de que a falta de mobilização afetou a campanha da Hilary Clinton na eleição passada e levou votos ao Trump. Então os democratas vão fazer uma forte campanha. E a reação dos republicanos a favor do Trump será a mesma. Então acredito, sim, que o número de abstenções será menor por conta da mobilização dos partidos para levar eleitores às urnas”, opinou.