O primeiro dos aspectos citado diz respeito à alteração das regras eleitorais para a eleição proporcional (vereadores), na qual não será mais possível a realização de coligações eleitorais para a disputa das cadeiras nos Legislativos Municipais (para a disputa majoritária, dos prefeitos, estão liberadas as coligações). Essa alteração da regra pode gerar efeitos diversos: o fortalecimento dos partidos políticos, no sentido de se organizarem de maneira mais eficiente e buscarem quadros com maior potencial eleitoral e; o aumento na fragmentação partidária nos Legislativos, posto que hoje temos no Brasil 35 partidos políticos organizados e, em tese, cada um desses partidos poderá lançar em cada um dos 5.570 municípios até duas vezes o total de cadeiras existentes na Câmara Municipal em municípios com até 100 mil eleitores e, uma vez e meia o total de cadeiras em disputa nos municípios com mais de 100 mil eleitores (embora essa questão ainda deverá ser alvo de resoluções jurídicas em função da mudança nas regras sobre as coligações, mas não em relação à quantidade total de candidatos que os partidos poderão lançar).
Alguns analistas chegam a prever um aumento significativo na quantidade de candidaturas para vereador no Brasil, o que pode aumentar a quantidade total de candidatos para quase 1 milhão no ano que vem. Isso porque a média de candidaturas no Brasil entre 2000 e 2016 não é nada desprezível. São mais de 380 mil candidatos por pleito, sendo que nas últimas eleições municipais esse número atingiu mais de 463 mil candidatos. Ademais, a fragmentação partidária nos Legislativos Municipais, a qual vem aumentando discretamente eleição após eleição com o crescimento de siglas nanicas e a diminuição das grandes, tende a se intensificar também. Isso pode vir a ocorrer uma vez que os partidos políticos que ficavam de fora da disputa ao não atingirem o Quociente Eleitoral (quantidade mínima de votos para ganhar uma cadeira) agora, sob novas regras, passam a disputar as “sobras” das cadeiras não distribuídas pelo Quociente Partidário.
O segundo aspecto indicado anteriormente diz respeito ao crescimento da direita no país em 2018 e do que isso pode significar para as eleições de 2020, tanto em termos partidários quanto de ideologização das campanhas, o que pode impactar a disputa. Mesmo no período de institucionalização do nosso sistema partidário (1994-2014) com a polarização nacional representada por candidaturas petistas e tucanas, o que ofertava relativa estabilidade às lógicas de alinhamento político nacional, no plano municipal essa “nacionalização” da competição eleitoral sempre foi relativa. Basta olhar para o histórico de desempenho dos maiores partidos para identificar, por exemplo, a grande força que o atual MDB (antigo PMDB) possui nos municípios brasileiros, além da expressiva representatividade de grandes partidos de centro e de direita, como o PP (agora Progressistas), PSD, PR (atual Partido Livre), DEM e PTB. No entanto, uma tendência sempre foi clara: o crescimento do partido presidencial nas prefeituras espalhadas pelo país e o governismo estadual favorecendo alinhamentos políticos locais com prefeitos na montagem de palanques. Foi assim com o PSDB nos anos em que FHC esteve à frente da presidência (1994-2002) e foi assim com o PT nos anos Lula e Dilma (2003-2015), ao menos até as eleições de 2016, influenciadas pela conjuntura do impeachment de Rousseff e da conturbada nomeação do ex-presidente Lula para Ministro-Chefe da Casa Civil, a qual além de não se efetivar ganhou projeção nacional com extensa cobertura midiática em março de 2016 quando áudios foram ilegalmente vazados de uma conversa telefônica entre Dilma e Lula.
Por sinal, naquelas eleições de 2016 o PT havia encolhido muito. Acompanhou a drástica diminuição de 2.372 vereadores pelo país (eram 5.185 em 2012 e caíram para 2.813 em 2016) e a perda de 374 prefeituras (em 2012 haviam conquistado 630 e, em 2016, reduziu para 256). No entanto, as eleições de 2018, alteraram o xadrez político nacional: crescimento meteórico do PSL na onda de apoio à Bolsonaro; aumento de representantes de setores mais conservadores na sociedade brasileira, muitos deles identificados com a maior presença de evangélicos na política nacional, de representantes de setores policiais e de novos políticos sem qualquer experiência prévia em cargos representativos, ilustrado, por exemplo, no quase um quarto dos atuais deputados federais sem histórico na política e na renovação de cerca de 85% do Senado Federal. Se na política nacional a direita mais extremada cresceu, nos municípios a centro-direita e a direita mais moderada historicamente sempre foram superiores à esquerda. Basta olharmos para o perfil mediano dos prefeitos brasileiros: homens, brancos, idade média de 48 anos, formação superior completa, principais ocupações profissionais anteriores sendo prefeitos, empresários, agricultores, comerciantes e, no geral, filiados a partidos de centro e de centro-direita.
Nesse sentido, fica difícil prever automaticamente uma tendência de crescimento da sigla a exemplo do que ocorreu em décadas anteriores com os partidos dos ex-presidentes tucano e petistas. A busca do apoio político presidencial tende a ser mais pessoal por parte de possíveis candidatos locais do que necessariamente partidária. Isso provavelmente ocorrerá por parte daqueles que virão ao pleito com o objetivo de aproveitar a “onda bolsonarista” para defender uma agenda de costumes, da valorização da família tradicional cristã (com ênfase aqui em setores evangélicos), da pauta de combate à corrupção, da eliminação da esquerda e no destaque à segurança pública, culminando possivelmente na entrada de mais militares na disputa. Mas é claro, tudo isso dependerá de como Bolsonaro será avaliado até lá e do quanto o seu governo conseguirá entregar para os seus apoiadores aquilo que promete. Será preciso também acompanhar o que as forças políticas mais ao centro e a própria esquerda farão ao longo desse próximo ano em termos de reorganização política, inclusive para fazer frente a esse avanço da direita mais extremada. A conferir.