As redes sociais e grupos de WhatsApp deram vazão ao longo de 2024 a uma montanha-russa de sentimentos de representantes da direita brasileira, que teve como ápice a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e como ponto mais baixo o indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por suposto envolvimento em uma trama golpista em 2022. Também estiveram em alta nas discussões desse núcleo o empresário Elon Musk, dono do X, e o ex-coach Pablo Marçal (PRTB), derrotado na eleição à prefeitura de São Paulo.
Já no início do ano, em 28 de janeiro, Bolsonaro mobilizou quase meio milhão de espectadores em uma live ao lado de seus filhos Flávio e Eduardo Bolsonaro. O sucesso da transmissão animou a claque bolsonarista, que fez troça com as lives até então realizadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e que alcançavam audiência de poucos milhares de internautas. No dia seguinte, porém, o também filho do ex-presidente Carlos Bolsonaro (PL) foi alvo de uma operação da Polícia Federal que apurava atuação ilegal da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo anterior. Mensagens extraídas de um universo de 90 mil grupos públicos de WhatsApp monitorados pela plataforma Palver mostram que a narrativa predominante entre os apoiadores do ex-presidente é a de que estava em curso uma ação de “perseguição política” à família Bolsonaro.
As menções ao ex-mandatário nas redes voltaram a escalar em 27 de março, quando o jornal americano “The New York Times” revelou que Bolsonaro havia se hospedado na embaixada da Hungria dias após operação da PF a respeito da trama golpista de 2022 — que meses depois levaria ao indiciamento do ex-presidente e de outras 36 pessoas.
Já em abril, as atenções se voltaram a Musk, que protagonizou um bate-boca público com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que depois viria a suspender o X no Brasil. Levantamento da Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getulio Vargas (FGV-ECMI) mostrou que perfis alinhados ao campo ideológico da direita dominaram o debate, sendo responsáveis por 63,5% das interações nas redes sociais acerca do episódio.
A pesquisa revelou que lideranças desse grupo, como os deputados Bia Kicis (PL-DF), Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Gustavo Gayer (PL-GO), integraram uma articulação para compartilhar o discurso de que há no Brasil uma “ditadura” encabeçada pelo Poder Judiciário.
— A suspensão do X trouxe um período de baixa para a direita, mas o grupo conseguiu retomar espaço. A direita soube contrapor reveses como o indiciamento do Bolsonaro com uma avalanche em cima dos erros de comunicação do governo em relação à economia, e termina 2024 muito mais forte do que começou. Esse é um espaço ainda muito dominado pela oposição entre Lula e Bolsonaro, o que é um ponto de atenção para outros nomes que buscam ganhar relevância — avalia o professor Marco Aurelio Ruediger, diretor da FGV-ECMI.
No período eleitoral, nenhum nome movimentou tanto as redes quanto o de Pablo Marçal, o ex-coach nascido em Goiânia que se candidatou a prefeito de São Paulo. As manifestações de apoio ao candidato do PRTB no WhatsApp não ficaram restritas a eleitores paulistanos e nem sucumbiram aos ataques vindos do pastor Silas Malafaia (da Assembleia de Deus Vitória em Cristo) ou do próprio núcleo bolsonarista, que apoiava o prefeito Ricardo Nunes (MDB). De acordo com levantamento da consultoria Bites, Marçal iniciou a campanha eleitoral com 12,3 milhões de seguidores no Instagram, e hoje soma 19,3 milhões em seus três perfis — o ex-coach foi obrigado a criar contas reservas por causa de decisões judiciais.
Já em novembro, a vitória de Donald Trump contra Kamala Harris nos EUA renovou as esperanças da direita de ver uma nova onda conservadora atingir o Brasil. O termo pejorativo “esquerdistas” foi um dos mais utilizados em mensagens compartilhadas no WhatsApp em que Trump era citado. Outra combinação comum com o nome do republicano nos dias seguintes à sua vitória foi “Bolsonaro”, de acordo com o monitoramento da Palver.
O professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) João Cezar de Castro Rocha, especialista em extrema-direita, avalia que esse grupo tem domínio das redes sociais e consegue pautar o debate público ao transferir a lógica da economia da atenção para a esfera política. Para o docente, a posse de Trump em 20 de janeiro dará impulso ao discurso desse grupo no Brasil:
— A extrema-direita brasileira tende a produzir um ruído inesgotável com a perspectiva de que haverá a possibilidade de retorno de Jair Bolsonaro em 2026, e sobretudo de que haverá sanções norte-americanas ao ministro Alexandre de Moraes. Pelo menos no início do ano, a extrema-direita ressurgirá nas redes sociais com plena força, e isso será usado como uma espécie de pré-campanha para 2026.
O ex-presidente voltou a ser destaque nos grupos do aplicativo de mensagens em 21 de novembro, quando foi indiciado pela Polícia Federal pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e organização criminosa. As revelações do inquérito que demonstrou a existência de um plano que envolvia militares do Exército para assassinar Lula e o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) não demoveram as convicções do núcleo mais fiel ao ex-mandatário.
“O único que sofreu uma tentativa real de assassinato nos últimos anos foi Jair Messias Bolsonaro”, dizia uma das mensagens mais compartilhadas no WhatsApp, onde também circulou bastante um vídeo com declaração do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG). “Prendam Bolsonaro e vejam o Brasil parar”, dizia o parlamentar.
Para a direita mais estridente, a prisão de Braga Netto, em 14 de novembro, foi vista como um novo ato “arbitrário” e que demonstra estar em curso “tortura e perseguição coletivas sem precedentes”, supostamente praticadas pelo ministro Alexandre de Moraes. Uma mensagem encaminhada com frequência no WhatsApp traçava um paralelo entre a situação do general e a do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral. “General Braga Netto vai passar o Natal na prisão. E o Cabral, condenado a mais de 400 anos por corrupção, está passeando pelas praias do Leblon e Ipanema”, lia-se no texto.
Apesar das publicações contrárias às investigações sobre a tentativa de golpe, não são todos os eleitores de Bolsonaro que se negam a acreditar na trama. Pesquisa realizada neste mês pela Quaest mostra que 39% dos eleitores que votaram no ex-presidente em 2022 acreditam que esse plano de fato existiu, e 35% dizem entender que Bolsonaro teve participação direta nisso.