Após recuar pela manhã em resposta ao anúncio ontem à noite de contenção de R$ 15 bilhões em gastos neste ano pelo governo, o dólar à vista ganhou força ao longo da tarde e fechou a sessão desta sexta-feira (19) em alta moderada, na casa de R$ 5,60. A perda de fôlego do real se deu em meio à aceleração dos ganhos da moeda americana no exterior na segunda etapa de negócios, em especial na comparação com divisas emergentes latino-americanas, como os pesos chileno e o mexicano.
O dia foi marcado por uma forte deterioração de ativos de risco, com tombo das bolsas em Nova York, queda das commodities metálicas e recuo de cerca de 3% das cotações internacionais do petróleo. Investidores adotaram uma postura defensiva antes do fim de semana em razão do “apagão cibernético” na madrugada de ontem para hoje – que afetou sistemas financeiros e de transporte – e dúvidas crescentes em torno da corrida eleitoral americana, diante da pressão para que o presidente Joe Biden abandone a disputa.
Com mínima a R$ 5,5228 pela manhã e máxima a R$ 5,6079, na última hora de negócios, o dólar à vista encerrou o pregão em alta de 0,28%, cotado a R$ 5,6039 – novamente no maior valor desde 2 de julho, a última vez em que a divisa fechou acima da linha de R$ 5,60 (R$ 5,6648). Operadores afirmam que houve um movimento mais intenso de busca por posições defensivas no segmento futuro ao longo da tarde que insuflou o dólar também no spot. Na semana, a moeda acumulou valorização de 3,18%, o que levou os ganhos no ano a 15,46%.
O economista-chefe da Monte Bravo, Luciano Costa, observa que o anúncio da contenção de gastos diminui um pouco a percepção de risco fiscal e poderia ter levado o dólar a fechar em queda, embora moderada hoje, não fosse uma piora do sentimento de risco no exterior que derrubou divisas emergentes.
“O mercado de câmbio até amanheceu bem. O corte de gastos anunciado talvez não seja o ideal, mas é uma sinalização no sentido correto. Estava claro que não seria suficiente para desfazer hoje a depreciação que o real nos últimos dias, mas poderia ter garantido a queda do dólar aqui se o global não atrapalhasse”, afirma o economista.
Costa lembra que a semana foi muito ruim para divisas latino-americanas, com trajetória desfavorável para os preços das principais commodities e desmonte de operações de carry trade deflagradas pela valorização do iene, após intervenção do Banco Central do Japão (BoJ) no mercado de câmbio. Além disso, o aumento do favoritismo do ex-presidente Donald Trump na corrida à Casa Branca aumentou a incerteza sobre a política economia nos EUA, com provável avanço do protecionismo.
“Passamos umas semanas falando da questão fiscal e da expectativa para o corte de juros nos EUA, mas nesta semana entraram novas variáveis de risco que afetam a taxa de câmbio”, diz Costa, para quem o dólar pode voltar para R$ 5,40 caso o governo dê novos sinais favoráveis do lado fiscal, como a confirmação da redução de R$ 25,9 bilhões em despesas no Orçamento de 2025, e haja mesmo cortes de juros pelo Federal Reserve a partir de setembro.
No início da noite de ontem, após reunião de ministro da Junta de Execução Orçamentária (JEO) com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou de R$ 15 bilhões em despesas para cumprir a metas do arcabouço fiscal neste ano. Espera-se detalhamento dos cortes no relatório bimestral de receitas e despesas, a ser divulgado na segunda-feira, 22.
Dos R$ 15 bilhões congelados, serão R$ 11,2 bilhões de bloqueio, por causa de um gasto acima do limite de 2,5% previsto pelo arcabouço, e R$ 3,8 bilhões de contingenciamento, por causa da frustração de receitas em função das pendências junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Senado, já que a decisão sobre a compensação da desoneração ficou para setembro.
Para o economista-chefe da Azimut Brasil Wealth Management, Gino Olivares, não “há muitos motivos para se animar” com a contenção anunciada ontem. Olivares observa que o congelamento tem como objetivo cumprir a meta fiscal de 2024, mas nota que o valor anunciado garante, na melhor das hipóteses, um déficit de 0,25% do PIB, o intervalo de tolerância da meta (que é déficit primário zero).
“O que o governo está fazendo, na prática, é ter como meta um déficit de 0,25% do PIB. Pode até ter sido melhor do que se esperava na véspera, mas claramente é insuficiente para colocar a dívida pública em trajetória sustentável”, afirma Olivares.