Com 10 milhões de pessoas contaminadas, mais de 500 mil mortes e sem um sinal de que a pandemia poderia estar perdendo força, entidades internacionais já falam abertamente sobre o risco de que a atual crise tenha um impacto por anos nas sociedades, principalmente entre os mais pobres.
Num evento realizado nesta quinta-feira com especialistas de saúde de todo o mundo, o diretor-geral da OMS, Tedros Ghebreyesus, deixou claro que o que hoje o planeta atravessa terá uma repercussão mais duradoura do que se imagina.
Citando projeções do FMI e de outros organismos internacionais, ele alertou que o impacto social e econômico da crise “poderá ser sentido por décadas”.
Tedros falava durante um evento organizado pela Sustainable Health Equity Movemento, uma iniciativa que conta com nomes do setor da saúde de todo o mundo. Um deles é o brasileiro Paulo Buss, da Fiocruz.
Segundo ele, a pandemia “exacerbou desigualdades”. “Os ricos podem ficar em casa e os pobres precisam sair para alimentar seus filhos”, disse. “Os ricos têm acesso a saúde. O pobre não”, insistiu. “Isso não é uma história nova”, lamentou, apontando como a covid-19 deixou tal cenário óbvio.
De acordo com o diretor geral da OMS, no atual ritmo de desenvolvimento, 5 bilhões de pessoas no mundo chegariam a 2030 sem algum dos principais serviços básicos, como saneamento, saúde ou água.
Para Tedros, o que a pandemia fez foi “frear” o desenvolvimento econômico e social no mundo. De fato, dados da FAO apontam para o risco de um aumento profundo no número de pessoas famintas, enquanto a OIT fala de uma crise inédita no setor de empregos. No FMI, a projeção é de que o tombo no PIB mundial será o maior desde 1929.
Teste de caráter
Na avaliação do etíope, porém, a pandemia não é apenas uma crise no setor de saúde ou um desafio cientifico e político. “Trata-se de um teste de caráter para todos nós”, alertou.
Segundo ele, existem duas opções: ou o mundo se une para lutar contra o vírus ou a situação dificilmente será resolvida no curto prazo.
“É teste (de caráter) de governos. Mas também a cada um de nós como indivíduos nas comunidades”, afirmou. Sua avaliação é de que a decisão de cada pessoa sair ou não, usar a máscara ou não pode representar “vida ou morte” para os demais.
Depressão
A cautela com uma saída rápida da crise também foi adotada por Michelle Bachelet, alta comissária da ONU para Direitos Humanos. Falando aos especialistas, ela alertou que a Justiça social não pode depender de caridade. “Precisa fazer parte de obrigações dos estados”, disse.
Horas antes, num debate com governos, ela também alertou para um cenário bem menos otimista da crise. De acordo com a chilena, se a pandemia de fato se consolidar em uma depressão econômica, o mundo poderá levar entre cinco e sete anos para voltar a registrar um crescimento sólido.