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quinta-feira 28 de setembro de 2023 às 10:56h

Diálogos mostram parceria entre Deltan e Bruno Dantas no auge da Lava Jato

JUSTIÇA, NOTÍCIAS


Troca de mensagens privadas hackeadas e depois colhidas pela Operação Spoofing, da Polícia Federal, mostra uma relação amistosa e colaborativa no auge da Operação Lava Jato entre o atual presidente do TCU (Tribunal de Contas da União), Bruno Dantas, e o deputado federal cassado e ex-procurador da República Deltan Dallagnol, que chefiava a força-tarefa da operação em Curitiba.

Os diálogos obtidos por Ranier Bragon, da Folhapress, ocorreram de março a junho de 2017, por meio do aplicativo Telegram. Hoje os dois trocam críticas públicas.

Em uma das conversas, datada de 31 de março daquele ano, Dantas felicita o então chefe da Lava Jato pela ação de improbidade movida na véspera contra o PP e dirigentes da legenda, entre eles o atual presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (AL).

“Parabéns pela ação de ressarcimento contra os partidos e os agentes políticos!!! Como não temos jurisdição administrativa sobre eles, essa atuação de vocês complementa a nossa no ressarcimento dos danos!”, escreveu Dantas.

“Obrigado Bruno! Parte de um grande trabalho conjunto!!”, respondeu Deltan, segundo as mensagens.

Cerca de dois meses depois, em 9 de junho de 2017, Dantas mandou nova mensagem ao então procurador, afirmando ter atendido a um pedido seu, “com o máximo de discrição”, e perguntando se ele havia visto a Medida Provisória 784, que permitia ao Banco Central estabelecer acordos de leniência com instituições financeiras.

“Opa ótima notícia! Vimos [a MP]. Carlos Fernando [outro integrante da força-tarefa] vai escrever algo sobre ela”, respondeu Deltan.

Dez dias antes dessas mensagens, o TCU havia aprovado a concessão de prazo adicional de 60 dias para que a força-tarefa fechasse acordos de delação com construtoras alvo da operação. O pedido, feito por Deltan, foi relatado por Dantas. A MP acabou caducando sem ser votada pelo Congresso Nacional.

Dantas afirmou ainda em outras mensagens ao procurador que a Odebrecht estaria à época querendo firmar um acordo de delação direta com o TCU, o que ele disse considerar inadequado, além de suspeitar de que isso pudesse ser uma forma de indispor o tribunal com a força-tarefa.

Por meio da assessoria do TCU, Bruno Dantas encaminhou à Folha nota que afirma que as mensagens de 2017 comprovam “que a Lava Jato enganou e abusou da boa-fé da imprensa, da sociedade brasileira e de muitos servidores de várias instâncias, inclusive de tribunais”.

Conforme a manifestação, esses servidores desconheciam a forma da operação de atuar “fora da lei e contra a democracia” e que os contatos foram institucionais e em nome do dever funcional.

“É o caso concreto, em momento incipiente em que os primeiros acordos de leniência foram celebrados pelo MPF [Ministério Público Federal] e havia esforço das instituições públicas para dar a eles alguma funcionalidade, respeitadas as competências constitucionais e legais de cada órgão.”

A nota prossegue afirmando que a evolução das reuniões revelou que a Lava Jato queria, na verdade, se sobrepor e usurpar as competências dos outros órgãos. “Isso foi repelido com veemência pelo TCU, como o noticiário revelou na época.”

“O ministro Bruno Dantas informa que suas declarações públicas e votos proferidos em processos do TCU entre 2017 e 2022 falam por si” e são muito mais importantes que diálogos que “apenas mostram o momento em que se começou a entender o que a Lava Jato sempre foi, uma tentativa de destruir a democracia”.

Também em nota, Deltan afirma não reconhecer a autenticidade das mensagens e que suas conversas com autoridades sempre foram republicanas e institucionais. Apesar disso, comentou o conteúdo delas.

“É lamentável que altas autoridades da República, que apoiavam a Lava Jato, tenham se tornado ferrenhas opositoras da operação da noite para o dia, a ponto de demonizar e perseguir ilegalmente juízes e procuradores quando isto se tornou conveniente para seus projetos pessoais e ambições de poder político”, afirma o texto.

Sem citar diretamente o nome de Dantas, a nota do deputado cassado menciona o fato de o presidente do TCU ser hoje cotado para a próxima indicação de Lula (PT) para o STF (Supremo Tribunal Federal) —”o que deveria levantar sérios e críticos questionamentos da sociedade e da imprensa a respeito de suas motivações ao atacar a Lava Jato e seus agentes.”

Em 2018, quando a Lava Jato ainda gozava de amplo respaldo político e jurídico, a relação entre Dantas e Deltan já não era boa.

Em junho daquele ano, por exemplo, o ministro do TCU deu entrevista ao jornal O Globo em que chamou de “carteirada” uma decisão de Sergio Moro, então juiz da operação, que proibia o uso de provas contra empresas e delatores que haviam firmado acordo de leniência com a força-tarefa.

Os arquivos de Deltan vazados posteriormente mostram que o procurador se prontificou à época a fazer uma manifestação pública dura contra Dantas, supostamente a pedido de Moro.

O tribunal de contas avaliava à época que os valores a serem ressarcidos pelos envolvidos eram bem superiores. Em artigo publicado na Folha no final de 2017, Dantas já havia dito considerar que “o acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente o dano causado”.

Devido a essas conversas de 2018, o hoje presidente do TCU requereu em julho de 2023 acesso completo aos dados da Spoofing, o que foi concedido pelo STF.

Já em 2021, Dantas acatou representação do Ministério Público junto à corte e determinou um pente-fino nos gastos da Lava Jato com viagens e diárias.

Em agosto de 2022, a Segunda Câmara do TCU determinou que Deltan e outros procuradores devolvessem mais de R$ 2,8 milhões ao erário. Em junho de 2023, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) confirmou a condenação.

Maior investigação sobre corrupção conduzida no Brasil, a Lava Jato iniciou-se em 2014 no Paraná e, sob o comando de Deltan na Procuradoria e Moro como juiz do caso, mostrou a existência de um vasto esquema de corrupção na Petrobras. Acabou sendo determinante, entre outros movimentos, para o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em 2016.

Em julho de 2017, Moro sentenciou Lula a 9 anos e 6 meses de prisão e, em abril de 2018, determinou a sua prisão após a confirmação da sentença na segunda instância.

Com Lula fora do páreo eleitoral, Jair Bolsonaro (então no PSL) derrotou Fernando Haddad (PT) no segundo turno e virou presidente da República. Dias depois, Moro abandonou a magistratura e se tornou ministro da Justiça de Bolsonaro.

A operação sofreu seu maior baque em junho de 2019, quando o site The Intercept Brasil divulgou pela primeira vez mensagens evidenciando uma ação alinhada entre Ministério Público e Moro.

Desde então a operação e seus integrantes perderam sustentação política e no Judiciário e sofreram uma série de reveses, em especial a anulação das condenações contra Lula, a declaração pelo STF de que Moro foi um juiz parcial nos casos do atual presidente e a cassação do mandato de deputado de Deltan.

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