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segunda-feira 27 de junho de 2022 às 09:52h

Despacho de presidente do Ibama pode custar ao menos R$ 3,6 bilhões à União

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Um despacho assinado pelo presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, pode fazer com que a União deixe de receber ao menos R$ 3,6 bilhões em multas por infrações ambientais, mostra levantamento exclusivo da Agência Pública. A medida também abre a possibilidade de infratores condenados pedirem de volta o dinheiro já pago.

O valor apurado pela reportagem de Laura Scofield, Bianca Muniz da Agência Pública, se refere a 6.297 processos administrativos atualmente com o status de “AI notificado via edital para alegações finais”. Nessa fase, os infratores têm mais uma chance de se manifestarem antes da avaliação de uma autoridade julgadora do Ibama. Caso não se manifestem, o processo corre normalmente, com a possibilidade de apresentação de outras defesas e recursos.

No despacho nº 11996516/2022, Bim, que chegou ao cargo em janeiro de 2019 pelas mãos do ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, considerou inválida a notificação de infratores por edital para a apresentação de alegações finais. A alteração poderá valer retroativamente. Como notificar por edital era a regra de 2008 a 2019, o despacho pode afetar milhares de processos. Somente em São Paulo, Minas Gerais e Tocantins há mais de 38 mil casos em que as pessoas multadas foram notificadas para apresentarem suas alegações finais desta forma, apontaram analistas dos três estados em resposta a um pedido da Associação Nacional de Servidores Ambientais (Ascema) ao qual a reportagem teve acesso.

Em 2021, Bim chegou a ficar três meses afastado do cargo por decisão da Justiça por causa de outro despacho que teria beneficiado madeireiros em esquema de contrabando. O caso, investigado pela Polícia Federal (PF), levou à saída de Salles do ministério.

Documentos obtidos pela Pública mostram que o presidente do Ibama começou a aplicar seu próprio entendimento sobre as multas antes mesmo de oficializá-lo no Diário Oficial da União, em março. Em 28 de dezembro, meses antes do despacho, Bim contrariou uma normativa da Procuradoria Especializada do Ibama — à qual cabe dar a palavra final sobre questões jurídicas na instituição — e decidiu pela prescrição de um processo por considerar que a notificação via edital não tinha validade.

O movimento de Eduardo Bim beneficiou a sócia de uma imobiliária em Paragominas, cidade no sudeste do Pará. Carmélia Sales Alves havia sido multada em mais de R$ 8 milhões, sob acusação do Ibama de destruição de 1.708,201 hectares de floresta nativa na fazenda Terra Boa, localizada no território da Amazônia Legal. Bim anulou a notificação via edital para apresentação de alegações finais, publicado em 5 de fevereiro de 2016. Como o último ato válido antes da notificação por edital se deu há mais de seis anos, o procedimento e a infração perderam a validade.

Despacho de Eduardo Bim pode anular milhares de ações fiscalizatórias entre 2008 e 2019, dizem especialistas
No dia 31 de dezembro de 2021, três dias após a decisão, o entendimento do presidente do Ibama foi repassado aos servidores do órgão. “Para ciência e divulgação”, escreveu o superintendente substituto da Superintendência de Apuração de Infrações Ambientais (Siam), Pedro Augusto Lima Fonseca, em despacho interno. O texto foi compartilhado também em grupo de Skype dos analistas ambientais do órgão.

A forma como a decisão foi repassada assustou uma das analistas: “Eu até me manifestei no grupo: ‘Gente, como assim, isso é muito grave para ser repassado de forma tão informal. Como assim?’. Era véspera do réveillon, não tinha ninguém para discutir”, explicou. Assim como os outros funcionários do Ibama ouvidos pela reportagem, ela falou sob a condição de anonimato por temer represálias.

A ação gerou questionamentos internos por parte dos analistas ambientais, que formalizaram suas dúvidas em consulta interna em 17 de janeiro deste ano. Bim respondeu com o despacho nº 11996516/2022, tornando obrigatória sua interpretação.

Em 23 de maio, a Ascema, que representa servidores do Ibama, Ministério do Meio Ambiente e ICMBio, denunciou o que denominou de “ato ilegal” de Bim à Procuradoria da República do Distrito Federal. O Ministério Público abriu um inquérito para “apurar e tomar providências quanto à legalidade” do despacho.

A associação argumenta que “haverá milhares de prescrições com gigantesca perda de trabalho dos servidores do IBAMA, bem como gigantesca perda de créditos e compensações ambientais”. Responsável pelo caso, o procurador Felipe Fritz Braga considerou que o presidente do Ibama não abordou de forma satisfatória os impactos do despacho e pediu explicações.

Entretanto, enquanto a investigação está sendo realizada, fica mantida a ordem de Bim, o que deixa os servidores em um “beco sem saída”. “Estamos anistiando todas as infrações [notificadas para alegações finais por edital] praticadas de 2008 a 2019. É um estímulo total [ao crime ambiental]. É tipo ‘olha todo esse trabalho que o Ibama vem fazendo, isso tudo não vale nada, nós [o governo de Jair Bolsonaro] conseguimos cancelar’”, afirmou uma analista do Ibama ouvida pela reportagem. “É como se o nosso trabalho fosse todo para o lixo. Está todo mundo desanimado, todo mundo sendo vencido”, desabafou outro funcionário.

Até casos como as multas aplicadas pelo rompimento das barragens de Brumadinho e Mariana, que ocorreram quando a notificação por edital era a regra, podem ser afetados, explica o consultor jurídico do Instituto Socioambiental (ISA) e professor da pós-graduação de direito ambiental da PUC-SP Maurício Guetta. “O prejuízo é exorbitante, porque ele inclui as multas das autuações [por infrações ambientais], o que já seria bastante elevado, mas também o orçamento milionário anual que o Ibama tem para fiscalização”, afirmou. “Se um órgão tem dez anos de atuação [e gasto de recurso público], e esses dez anos de atuação representam zero efetividade, está havendo uma má gestão”, concluiu.

Durante os três primeiros anos do governo Bolsonaro, o orçamento milionário do Ibama diminuiu, saindo de R$ 102,9 milhões em 2019 para R$ 82,9 milhões em 2021. Enquanto o dinheiro que pode ser perdido pela União com o despacho de Bim é bilionário, o orçamento do órgão responsável pela fiscalização é medido em milhões. Ainda em 2020, o vice-presidente Hamilton Mourão admitiu que o Ibama, que perdeu 58,7% de seus funcionários nos últimos 20 anos, encontra-se sucateado.

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