Não chegou a ser surpresa para ninguém segundo a colunista Malu Gaspar, do O Globo, para quem acompanha os debates no Congresso Nacional, ver o governo Lula ser derrotado nas votações da autorização para a saidinha de presos e do artigo da nova Lei de Segurança Nacional que previa a punição à disseminação de fake news. Era o caminho natural num parlamento dominado pela direita, ainda mais em ano eleitoral.
Já faz tempo que a cúpula lulista compreendeu que, nas “pautas de costume”, não há o que fazer a não ser marcar posição e torcer para não perder de muito. Sempre que entram na ordem do dia, temas como saidinha, demarcação de terras indígenas, descriminalização das drogas ou restrição a fake news vão direto para a coluna dos prejuízos da contabilidade governista.
Ainda assim, o placar de cerca de 300 votos a 120 nos dois projetos espantou não só a oposição, que esperava resistência maior, como o próprio Palácio do Planalto, que preferia ter tido uma derrota menos humilhante. Considerando os outros projetos em que o governo perdeu, incluindo os que entraram na pauta de última hora — como a autorização para clubes de tiros perto de escolas —, o resultado foi pior do que até os pessimistas imaginavam.
Está claro, ainda conforme Malu Gaspar, que faltou articulação. A votação das saidinhas e de outros vetos do presidente foi adiada por semanas justamente para que se encontrasse uma uma saída digna, uma vez que já se sabia que não havia chance de vitória. Num determinado momento, os aliados de Lula chegaram a acreditar até que conseguiriam manter as punições às fake news.
Ao final, nem os líderes do PT ajudaram a combater os discursos dos bolsonaristas no plenário. E, apesar de o discurso oficial do governo ser que o resultado já era esperado, na prática começou a haver um ajuste de rota. A partir de segunda-feira, Lula deverá se reunir semanalmente com seus líderes no Congresso e, a seguir, se encontrar mais amiúde com as bancadas da base para tentar alinhar os ponteiros.
Pode melhorar, mas não resolverá.
‘Bancadas da selfie’
A prova disso é o diagnóstico dos governistas, sintomático da sinuca em que o governo se encontra. Os próprios articuladores de Lula admitem não ter força contra o que chamam de “bancadas da selfie”, orientadas pelas redes sociais. É uma forma oblíqua de reconhecer que, se a esquerda governa o país, a direita governa o eleitorado e as redes sociais.
Num Congresso em que os parlamentares se garantem com recursos generosos e obrigatórios para suas emendas, sobra mesmo pouca margem de manobra. É por isso que a estratégia do Planalto na relação com o Congresso tem sido concentrar a energia nas pautas econômicas, em torno das quais se podem obter acordos, e resistir como puder ao avanço dos projetos conservadores.
Por trás dessa estratégia, está a suposição de que basta a economia ir bem para que Lula seja competitivo em 2026. A realidade, porém, desafia essa lógica.
Dados divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a soma de todos os salários em circulação na economia aumentou 8% no último ano, e o país gerou 33% mais empregos formais. As previsões de crescimento do PIB são de 2% para este ano, mais que o esperado inicialmente e razoável para um cenário de juros altos. Ainda assim, a popularidade do governo está em baixa, e pesquisas recentes, como a Ipsos, revelam que, para 57% dos brasileiros, o país está na direção errada.
A explicação é mais ou menos consensual: embora desempenho econômico ruim ainda possa ser fatal para a continuidade de um governo, já foi o tempo em que bons resultados garantiam a vitória nas urnas. Fatores ideológicos pesam, indicadores de segurança pública fazem cada vez mais diferença, e manter uma agenda sintonizada com o futuro é essencial.
Lula, porém, mantém postura apenas reativa na segurança. Se agarra a propostas impregnadas de naftalina — como a construção de refinarias na Petrobras, que, além de terem sido foco de corrupção, não contribuem para a necessária transição energética, ou a “celetização” dos motoristas de Uber, que eles mesmos abominam. Como se não bastasse, ainda torce o nariz para os evangélicos e o agronegócio, em vez de buscar algum tipo de aproximação.
O vareio tomado no Congresso é sintoma, e não causa, desse estado de coisas. Para enfrentá-lo de verdade, não adianta apenas melhorar a comunicação, encher a agenda de reuniões ou abrir o cofre para os parlamentares. É preciso, antes de mais nada, desapegar do passado e olhar para os problemas do presente com a cabeça no futuro. Mas talvez seja exigir demais de Lula.