O uso medicinal da cannabis no Brasil pode finalmente avançar junto ao investimento na indústria do cânhamo – uma tendência mundial – já presente em mais de 50 países. a
Após ser aprovada na terça-feira (8) pela comissão especial na Câmara dos Deputados – em votação apertada que contou com o desempate do relator -, o Projeto de Lei 399/15, que regula o cultivo da planta para fins medicinais e industriais, poderia ter ir diretamente para o Senado, mas foi alvo de um requerimento que vai submeter o texto ao Plenário.
A proposta foi aprovada em formato de substitutivo à original apresentada pelo deputado federal Fábio Mitidieri (PSD-SE).
Em entrevista ao jornal A Tarde, a deputada federal baiana, Alice Portugal (PCdoB) que é membro da comissão especial que aprovou o PL, disse que, apesar do “fundamentalismo” que toma conta de parte da Câmara, que tem uma bancada evangélica significativa, crê que o tema possa ter um desfecho positivo. “Acredito que essa Câmara possa ser convencida a votar favoravelmente”, confia.
O convencimento, segundo a deputada, deve se basear no “rigor” previsto no texto para fiscalização e produção dos medicamentes produzidos a partir da planta. Farmacêutica de formação, a deputada defende que a luta não é pelo direito de uso a erva, mas sim o direito de qualquer cidadão brasileiro poder utilizar um remédio que alivie a dor ou atenue a condição.
“Temos aqui muitas pessoas que enveredam por um fundamentalismo e tentam confundir a sociedade, mas o projeto que está sendo tratado é de um preciosismo e rigor enorme, que trata de cultivo controlado em estufa, com câmeras, extração do óleo sob fiscalização da Anvisa. Seria essencial pois baratearia de maneira exponencial o medicamento que pode ser utilizado em neurofibromialgias, epilepsias resistentes a tratamentos. É uma grande vitória para a ciência”, avalia Alice no A Tarde.
Hoje, um frasco de 30ml de óleo de CBD, componente da maconha, pode custar entre R$ 500 a R$ 1.500 e, em alguns casos, não duram nem um mês de tratamento.
Favorável ao projeto, o deputado federal também baiano, Bacelar (Podemos) lembra que o uso da cannabis remonta a um passado antigo, de pelo menos 3 mil anos, e que sempre foi considerada um medicamento, principalmente na Ásia, Oriente Médio e África. O parlamentar cita que existem indícios de que o óleo da erva era utilizado pelos cristãos – e até pelo próprio Jesus Cristo – “para a unção” de pessoas.
Mas, se este argumento não for suficiente para a bancada evangélica, Bacelar assegura que o potencial econômico da planta – conhecida popularmente como maconha – pode fazer brilhar os olhos de outro grupo que tem bastante representatividade: o do agronegócio. O assunto já chegou à Comissão de Agricultura, que vai promover debates sobre o uso industrial da cannabis.
“Não tem como negar o valor do cânhamo como commodity, os argumentos contrários são primários, feudais. Daqui até 2027, em seis anos, o cânhamo industrial vai ter movimentado mais de R$ 50 bilhões. Países como Colômbia estudam criar um hub da maconha, para distribuir para o mundo inteiro, a China tem investido alto em produtos derivados do cânhamo”, argumenta Bacelar, que lista as suas utilizações na indústria alimentícia, têxtil e de cosméticos por exemplo.
Para o meio ambiente, a cannabis também se mostra uma alternativa importante para “regenerar o solo”, que pode ser proveitoso nos locais onde se tem monocultura, como soja por exemplo, que domina boa parte da agricultura nacional.
“O Brasil tem que se preparar para isso, temos que investir pesado, o clima é favorável. É a nossa garantia de emprego e renda”, pondera.
Nos Estados Unidos, por exemplo, onde a “erva proibida” é legalizada em vários estados, o mercado movimenta todo ano mais de US$ 10 bilhões.
O potencial medicinal da planta, reforça Bacelar, não tem como ser mais negado. São quase 300 doenças que podem ter como tratamento algum remédio derivado da maconha, entre elas o Alzheimer, e ajuda a amenizar os efeitos colaterais da radioterapia, da quimioterapia e dos coquetéis de pacientes com HIV.
Assim como Alice Portugal, o o deputado Bacelar diz que o PL deve ter vida mais fácil no Plenário, apesar da queixa acerca da manobra dos “negacionistas” da Casa que, segundo ele, trocaram os deputados membros da comissão de última hora, o que fez com que perdesse força na votação na comissão.
“Era pra ser conclusivo, poderia ter ido direto ao senado e ir para o Senado. Mas eu acho que no Plenário da Câmara terá uma aprovação mais folgada”, projeta.