Abrir a possibilidade para que salários sejam recebidos por meio de criptomoedas, em alternativa ao real, é o objetivo de projeto de lei protocolado na Câmara dos Deputados. Assinada pelo deputado federal Luizão Goulart (Republicanos-PR), a proposta define conforme o jornal O Tempo, que o trabalhador poderá solicitar à empresa o pagamento de parte da remuneração, em percentual a ser acordado entre as partes e de forma opcional, em moedas virtuais. A ideia é que a regra seja válida para empresas públicas e privadas.
Criptomoedas ou cibermoedas são moedas digitais descentralizadas, ou seja, que não têm controle de algum órgão ou país em específico. São criadas em uma rede blockchain, que funciona como um registro público de movimentações e transações financeiras. Possuem um valor que, em alguns casos, pode ser convertido para outras moedas, como o dólar ou real.
Elas só existem em carteiras digitais na internet e não há a opção de guardá-las, por exemplo, na forma física, na conta corrente ou em cofres. Dessa forma, podem ser utilizadas como moedas de troca para a compra de produtos e serviços e para investimentos financeiros.
O deputado afirmou ter observado um movimento crescente de criptomoedas nos últimos anos e que foi motivado pelo incentivo de políticos de cidades dos Estados Unidos. O prefeito eleito de Nova York, Eric Adams, que disse que gostaria de receber os seus três primeiros salários na moeda digital Bitcoin. Enquanto o de Miami, Francis Suares, pretende distribuir os ganhos com a mesma moeda aos moradores da cidade.
“Qual é a minha intenção com o projeto? É de criar não uma obrigação, mas essa oportunidade de os funcionários terem essa possibilidade. A lei permitir que também possa ser feito o pagamento em criptomoedas, ou na totalidade do salário, ou parte do salário, dependendo da vontade do empregado”, explicou Luizão.
“Não vou dizer todos [os funcionários]. Mas nós temos funcionários que ganham um salário mínimo, e temos funcionários que ganham R$ 20 mil, R$ 30 mil por mês. Talvez um alto executivo de uma empresa tenha interesse em Bitcoin, então ele pode querer receber nessa moeda virtual”, acrescentou.
A ideia do deputado, no entanto, esbarra no fato de as criptomoedas não serem regulamentadas pelo Banco Central e, assim, não serem uma moeda corrente local, apesar de a ação estar no radar da autoridade monetária. O advogado e especialista em Direito do Trabalho, Cristian Dutra Moraes, contou que as leis trabalhistas definem critérios que não são atendidos pelo mercado de moedas digitais.
“A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) especifica que a prestação do pagamento de salários e remuneração tem que ser feita em moeda corrente do país. Inclusive, o parágrafo único desse artigo estipula que o pagamento do salário realizado sem observância desse artigo, ou seja, sem moeda corrente do país, pode ser considerado como não feito”, alertou o advogado.
Ele coloca que “ainda tem o Código Civil, que especifica que as dívidas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento em moeda corrente pelo valor nominal”. “Caso a lei seja aprovada seria possível o trabalhador questionar sua constitucionalidade, individualmente, em ação própria”, completou.
O especialista acrescentou que a volatilidade também pode ser um problema imposto pela Constituição Federal, que garante como direito do trabalhador a irredutibilidade do salário, ou seja, a proibição de reduzir valores salvo por convenção ou acordo trabalhista.
“Vamos imaginar que 50% da remuneração seja paga em criptomoeda. Chega no final do mês, essa moeda vai ter a volatilidade. Se essa volatilidade for para cima, o empregado vai ficar muito satisfeito, certeza. E se ele for para baixo, como vai fazer? O salário não pode ficar vinculado à variação negativa do valor das criptomoedas”, apontou.
Ao defender que o projeto é polêmico e merece uma discussão mais ampla, Cristian diz ainda que é preciso definir melhor o que será pago por meio de criptomoedas. “O projeto fala em remuneração, e existe na própria CLT uma definição de que a remuneração compreende, para todos os efeitos legais, outras verbas que o acompanham. Poderia citar adicional noturno, pagamento de hora extra, adicional de periculosidade. No meu ponto de ver, o projeto peca ao não especificar o que ele está a tratar”, destacou.
O deputado alegou que esses pontos colocados podem ser resolvidos quando as discussões começarem a ser feitas pelos parlamentares. “No projeto, a gente apresenta a ideia principal. Eu não preciso abarcar toda a mudança legislativa inicialmente que precisa acontecer. Essas mudanças vão fazendo durante a tramitação do projeto. A partir daí a gente vai aperfeiçoando o projeto. Aliás, nenhum projeto que chega na Casa, seja do Executivo, seja do Legislativo ou do Judiciário, é aprovado no final conforme entrou”, pontuou.
“A criptomoeda não é uma moeda corrente reconhecida, mas ela já está circulando no nosso território. Tem muita gente fazendo investimentos, comprando e fazendo negócios em criptomoedas. Isso é uma realidade”, destacou Luizão Goulart. Ele finalizou dizendo que “a partir do momento que o empregado tem essa opção, ele pode querer receber ou não. O risco é dele, na verdade, não é do empregador”.
O projeto de lei foi protocolado na primeira semana de novembro e ainda não foi distribuído pela Presidência da Câmara para as comissões temáticas, que vão avaliar se o tema é constitucional e outras possíveis alterações necessárias ao texto.