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sexta-feira 6 de outubro de 2023 às 17:02h

Denúncias de assédio moral e sexual de servidores públicos aumentam 51%

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Dados recentes do Painel de Ouvidoria do Distrito Federal revelam conforme reportagem de Arthur de Souza e Carlos Silva Carlos Silva, do jornal Correio Braziliense, que, entre 1º de janeiro e 3 de outubro deste ano, houve um aumento de 51% nas denúncias de assédio moral e sexual no serviço público do DF — foram registradas 610 denúncias, contra 404 em 2022.

Nos dois períodos, o assédio moral foi o mais reportado pelos servidores. Do total registrado este ano, 545 acusações eram para esse tipo de crime (89,3% dos casos). Índice semelhante ao do ano passado, quando 344 ocorrências dessa natureza (85,1%) representaram a maioria das denúncias.

O crescimento nos casos de assédio é motivo de grande preocupação das autoridades responsáveis e dos órgãos que observam atentamente a conduta dos servidores públicos para com seus colegas de trabalho. Mas, se para quem vigia a palavra de ordem é preocupação, para quem sofre com falhas de conduta vindas de quem trabalha ao lado, o que vigora é a angústia.

Essa foi a palavra que resumiu os dias de trabalho do servidor público João*, 59, durante dois. Mesmo sendo um funcionário antigo de casa, ele não escapou das investidas do chefe do departamento em que trabalha, as quais se estendiam a todos os colegas do setor e ultrapassavam quaisquer limites do que é aceitável. “De 2019 para 2020, o nosso diretor começou a se sentir mais ‘poderoso’, por conta de uma união de secretarias, e passou a nos tratar mal e nos xingar. Os insultos eram na frente dos outros”, relembra.

A situação chegou a um ponto que aqueles que estavam sendo assediados cogitaram a denúncia direta. No entanto, o morador de Águas Claras comenta que não precisou denunciar. Ele e os colegas preferiram recorrer ao diálogo para resolver a situação. “A gente conversou com ele, que acabou entendendo que não deveria tratar as pessoas daquela forma”, diz. “Mas, se eu sentisse que não iria parar, teria que tomar uma atitude e fazer uma ocorrência. Cheguei a cogitar isso”, pondera João.

Entre o assédio e a desistência

O caso de João foi um dos poucos exemplos em que não foi necessária denúncia formal para serem resolvidos, mas nem todas as histórias têm um final feliz. No caso da servidora Marisa*, 62, o desfecho foi tão triste quanto a situação em si. Servidora pública durante mais 30 anos, ela tinha disposição e energia para seguir com suas atribuições.

Só que isso foi apagado por uma situação de assédio que não só se estendeu a outros colegas de trabalho, mas durou dois anos. O destrato vinha numa grande variedade de condutas ruins, que iam desde a atribuição de tarefas além das capacidades dos servidores até o flagrante assédio moral. “Ele pedia uma tarefa e, quando entregava, dizia que não precisava mais. Gritava comigo e com todos da repartição o dia todo. Alguns colegas chegaram a denunciar, mas nada aconteceu”, lamenta.

O resultado foi uma série de transtornos mentais que recaíram sobre a equipe. Segundo Marisa, colegas  desenvolveram processos de ansiedade, além da Síndrome de Burnout (ou Síndrome do Esgotamento Emocional). Isso também se refletiu na eficácia dos trabalhos desenvolvidos no setor, já que o pessoal do departamento saía de licença de tempos em tempos, o que agravava ainda mais a situação.

Acuada e sem perspectiva de solução para o caso, ela se viu ainda conforme Arthur de Souza e Carlos Silva Carlos Silva, do Correio Braziliense, com uma triste alternativa: a aposentadoria. “Quando senti que minha saúde mental estava começando a ficar comprometida, eu fiz a contagem do tempo de serviço e pedi aposentadoria no ano seguinte. Foi um alívio sair daquele ambiente tóxico. Só lamento porque ainda tinha condições físicas para trabalhar, mas o preço seria muito alto”, desabafa.

Grande desafio

Apesar de essas parecerem situações sem solução, nas quais a vítima não tem poder para cessar seu sofrimento, no âmbito legal não é assim que funciona. O jurista e professor de direito penal do Ceub, Victor Quintiere, afirma que, no serviço público, além de requerer a instauração das medidas administrativa e penal contra o assediador, a vítima tem o direito de mudar sua lotação de setor. “É fundamental que ela comunique o episódio à chefia, podendo ser adotadas algumas medidas: mudança de setor, mudança de horários de trabalho, etc.”, avalia. “A produção de provas é o grande desafio para fins de responsabilização, pois, no geral, tais condutas costumam ocorrer às escondidas”, pondera Quintiere.

Para que as vítimas de assédio encontrem solução para as suas situações é preciso estar atento ao processo de apuração de um caso. Deste modo, fica mais fácil saber qual caminho será percorrido desde a comunicação do fato até uma resposta a ele. Segundo Quintiere, “recebida a denúncia na ouvidoria ou na chefia respectiva, será produzida toda a prova, momento no qual poderão ser ouvidas eventuais testemunhas, juntados documentos e ouvido o acusado”.

Caso seja comprovado que esse tipo de conduta de fato ocorreu, o assediador pode ser punido de algumas formas. “Analisando, por exemplo, a lei 8.112/1990 em conjunto com o Código Penal, em seu art. 92, I, é possível concluir que são também efeitos da condenação a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a administração pública, ou quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a quatro anos, nos demais casos”, explica Quintiere.

Ações concretas

Para lidar com esse alarmante cenário, o Poder Público vem adotando medidas que visem o bem-estar dos servidores e a boa convivência no ambiente de trabalho em órgãos públicos da capital. Uma das ações mais recentes é a Portaria Nº 965, de 27 de setembro de 2023, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, que criou um grupo de trabalho, com promotores e servidores responsáveis pela criação de fluxos e protocolos para o recebimento de denúncias de assédio, bem como de ações de incentivo à comunicação de assédio sexual e demais crimes contra a dignidade sexual e o assédio moral.

O grupo de trabalho, composto por 17 membros, já começou a trabalhar, levando em conta principalmente a Convenção Nº 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Além de ser o primeiro tratado internacional para reconhecer a necessidade da discussão sobre esse problema, a convenção esclarece o que é violência e assédio no mundo do trabalho e propõe medidas de como prevenir e lidar com cenário de abuso.

Além disso, a medida também considera que “práticas de assédio interferem de modo direto na vida das pessoas, comprometendo sua identidade, dignidade e relações afetivas e sociais, podendo ocasionar graves danos à saúde física e mental, constituindo-se como um risco invisível, porém concreto, nas relações e nas condições de trabalho”.

Não se cale!

Para além da apuração dos fatos, um dos maiores desafios é fazer com que as vítimas se sintam seguras para denunciar. Para Quintiere ainda há medo, por parte dos denunciantes, por terem medo de represálias. O jurista ressalta que o atendimento às vítimas e a apuração dos casos podem melhorar. “É importante que o sistema seja aperfeiçoado, focando na facilitação do acesso pelas vítimas, resguardando sua integridade e tramitando de forma mais célere”, pontua o professor do Ceub.

No entanto, é importante que quem sofre algum tipo de assédio decida pôr um basta na situação e, nesse sentido, é preciso denunciar. Em nota, o Governo do Distrito Federal (GDF), ressalta a importância desse passo. No DF, o caminho para denúncia em casos de assédio, é a ouvidoria do GDF, pelo telefone 162, pelo participa.df.gov.br ou presencialmente, nas próprias ouvidorias dos órgãos (não precisa ser o mesmo órgão).

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