São nove horas da manhã e Michel Temer entra na sala de reuniões de seu escritório de advocacia no bairro paulistano do Itaim Bibi. De terno e gravata e café da manhã tomado, ele se diz conforme entrevista a Renata Agostini, do O Globo, pronto para o dia que terminaria somente tarde da noite e a mais de 900 quilômetros dali, numa palestra em Goiânia.
Desde que deixou a Presidência, no fim de 2018, Temer vem multiplicando suas frentes de atuação. Aos 83 anos, divide-se entre as atividades de advogado, autor de pareceres jurídicos, palestrante e conselheiro de aliados políticos. Tem viajado muito e não dá sinais de que planeja reduzir o passo.
As palestras, ele diz fazer por gosto — ainda que possa cobrar por elas. O mais frequente é ser convidado a falar sobre sua “área”, o direito constitucional. O grande público o conhece pela carreira política, mas é como jurista que Temer tem seu reconhecimento mais longevo: o seu livro “Elementos de Direito Constitucional” chegou à 25ª edição no ano passado.
Nas conversas, costuma ser instado a falar também sobre seu governo e o cenário político atual. Nos últimos meses, discursou em Dubai, Londres e Nova York. Palestrou ainda num centro judaico em São Paulo, numa Conferência de Advogados em Goiânia e num evento em São Sebastião, no litoral paulista. Já tem agendadas palestras no Fórum Jurídico de Lisboa e num simpósio de logística em Balneário Camboriú (SC) para as próximas semanas.
— É claro que falo bem do meu governo, mas também dou uma visão otimista do Brasil. Nós temos a mania de falar mal do país, especialmente lá fora. Eu não. O Brasil já passou por muitas crises e superou todas — diz Temer.
Aos giros como palestrante, soma-se à advocacia — ramo que hoje garante seu sustento, segundo o ex-presidente. O hiato na prática foi de três décadas, já que deixou o dia a dia como advogado para se dedicar à política e a cargos públicos ainda na década de 80. Apesar disso, a Temer Advogados Associados tem sido bastante requisitada desde que ele deixou o Palácio do Planalto.
— Advocacia em parceria, com vários colegas. Eles vêm aqui e me pedem para examinar os memoriais, para assinar junto se eu estiver de acordo, modificar. É uma suposição de que eu tenha algum prestígio na área jurídica — afirma Temer, com tom obsequioso, característica lembrada até por adversários políticos.
Ele reconhece que atua em casos “expressivos” nos tribunais, mas evita citá-los. A associação com outros escritórios permitiu sua presença em causas vultosas. Contra a mineradora Samarco, por exemplo, o pleito foi de cerca de R$ 100 bilhões. Temer atua representando associações de moradores e municípios afetados pelo rompimento da barragem de Mariana que pedem indenização da empresa.
Noutra ação, o ex-presidente foi contratado pela Paper Excellence e viu-se novamente como adversário de Joesley Batista, o empresário que o acusou de irregularidades e provocou a maior crise de seu governo. O grupo indonésio trava com a J&F uma disputa bilionária nos tribunais pelo controle da Eldorado Celulose. Temer uniu-se ao time de advogados como uma espécie de “consultor”, diz um integrante da equipe. A briga pela iluminação pública na cidade de São Paulo levou Temer a outra contenda: a construtora WTorre decidiu escalá-lo para integrar o time jurídico do consórcio Walks, que perdeu a licitação de R$ 7 bilhões. Procuradas, WTorre e a Paper Excelence não comentaram.
Sem ‘fogo no circo’
Mais recentemente, o ex-presidente foi chamado a atuar numa briga da fabricante Gradiente contra a Apple. A empresa brasileira reivindica o direito de usar a marca “iPhone” no país, e o caso foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF). Quem também buscou Temer foi o Google, que o escalou de olho em melhorar sua relação com Brasília, mais notadamente com o Congresso. A empresa trava uma disputa pesada nos bastidores contra o PL das Redes Sociais. Procurados, o Google e a Gradiente não comentaram.
O ex-presidente tornou-se uma grife para alguns clientes pelo saber jurídico, mas especialmente por seu vasto conhecimento dos meandros da Justiça e da política. Segundo um advogado, Temer ajuda a montar a melhor estratégia para “sensibilizar um magistrado”, indicando formas de chegar até ele e quais argumentos têm mais chance de prosperar.
O bom trânsito no Judiciário também rende a Temer dividendos na política. No início do ano, voluntariou-se para atuar como ponte entre Jair Bolsonaro e o STF. O temor era que o ato programado para a Avenida Paulista pudesse se transformar em mais uma complicação judicial para o ex-presidente.
— A primeira pergunta que fiz para ele (Bolsonaro) foi: “Olha, você quer que o circo pegue fogo? Se quiser, não digo nada”. Se ele falasse o que costuma falar, o Supremo necessariamente teria de dar uma resposta — avalia Temer. — Evitamos um novo conflito. Valeu a pena? Valeu. Vai perdurar? Não sei.
Temer já havia feito o papel de acalmar Bolsonaro quando colocou o ministro Alexandre de Moraes, do STF, para falar ao telefone com o então presidente e costurou uma tentativa de armistício em 2021. Aliado de longa data, Moraes foi indicado à Corte pelo ex-presidente, com quem mantém relação de proximidade até hoje.
O papel de conselheiro político, contudo, é exercido por Temer com mais frequência com aliados no MDB. O ex-presidente vê no prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, a “forma harmoniosa de governar” que tanto defende e, por isso, tem participado um pouco mais de perto das conversas para sua reeleição. Temer tornou-se um pregador da “pacificação” e um crítico da radicalização no discurso público, apesar de Nunes ter costurado uma aliança com Bolsonaro e almejar nadar na raia do bolsonarismo paulista.
‘Quero mais o quê?’
É esta experiência de quatro décadas na política que ele espera ver no filme que o cineasta Bruno Barreto faz sobre seu governo. Temer já gravou mais de sete horas de depoimentos para o documentário. Ele diz não ter receio de um retrato ácido sobre o impeachment de Dilma Rousseff. Segundo Temer, as pessoas hoje até se “envergonham” de falar que ele atuou para derrubar a então presidente. O ex-presidente nega que esteja buscando reconhecimento, até porque ele “já veio”, diz.
— No sistema financeiro, empresarial, o legado está consolidadíssimo. Mas percebo, que está se consolidando agora também nas camadas, digamos, mais pobres — acredita Temer, ponderando que esse diagnóstico não vai alçá-lo a novas disputas por voto. — Já ocupei muitos cargos. O que quero mais? Quero mais nada.