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Biden conversou com líderes mundias via teleconferência - Foto: EPA
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sexta-feira 10 de dezembro de 2021 às 08:45h

Cúpula de Biden é marcada por Bolsonaro coadjuvante e crises com Rússia e China

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Planejada como um encerramento apoteótico do primeiro ano de Joe Biden à frente da Casa Branca e como o símbolo do retorno dos Estados Unidos ao posto máximo de liderança global, a Cúpula da Democracia promovida pelo presidente democrata essa semana tem sido eclipsada por múltiplas crises geopolíticas simultâneas.

O encontro, para o qual foram convidados 110 líderes mundiais, serviria para Biden galvanizar aliados em torno de si, em uma mostra do significado prático do lema do governo democrata: “America is Back”, ou os “EUA estão de volta”, em substituição ao “América First” (América primeiro”), de Donald Trump.

“Só que deu tudo errado. Biden tem uma visão binária de política externa e tentou polarizar democracias e autocracias. Mas, por um lado, nem os próprios americanos estão dispostos a defender a democracia como antes — inclusive com parte dos conservadores, como o comentarista da Fox Tucker Carlson, defendendo os interesses dos russos e atacando as eleições domésticas. Por outro, os aliados internacionais, como a Alemanha, demonstraram pouca disposição de se alinhar completamente aos americanos contra a China, por exemplo. Era um fiasco anunciado”, afirmou Mathias Alencastro, pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e professor de relações internacionais na UFABC.

Rússia rouba a cena

Em vez de se concentrar em receber os convidados que endossariam os valores que o governo americano quer espalhar pelo mundo, Biden passou a semana em gestões para conter seus dois principais antagonistas, Rússia e China, em duas frentes distintas que podem levar a conflitos militares.

De um lado, os EUA assistem a uma escalada de tensão na fronteira entre Ucrânia e Rússia. O líder russo Vladimir Putin passou a estacionar milhares de soldados nas últimas semanas na região da Crimeia, sugerindo que um ataque ao território ucraniano é iminente. Putin quer que Biden e os países ocidentais vetem a entrada da Ucrânia na aliança militar da OTAN (Organização do Atlântico Norte) e não avancem militarmente na região, que Putin vê como sua zona de influência.

Diante do cenário, Biden teve que se dividir entre reuniões bilaterais com o líder russo Vladimir Putin — com quem fez uma ligação de vídeo de mais de duas horas de duração -, com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, com nove países bálticos da OTAN , além de ter várias conversas com lideranças europeias.

“Putin fez o que sempre faz: criou uma crise para forçar todo mundo a se sentar com ele à mesa. E Biden caiu na armadilha”, diz Alencastro. Ele relembra ainda que Putin também estaria por trás de outra crise que incomoda parte da Europa há um mês: o surgimento de migrantes iraquianos em massa na fronteira de Belarus, movimento aparentemente orquestrado pelo líder autoritário do país Alexander Lukashenko, um aliado de Putin. A situação gerou uma crise na fronteira da Polônia, uma das convidadas para a Cúpula da Democracia de Biden.

Ao mesmo tempo em que ameaçou a Rússia com sanções econômicas no caso da Ucrânia, Biden descartou uma intervenção militar direta americana, o que reduz sua capacidade de demonstrar força. Desde os fracassos da guerra do Iraque e do Afeganistão, a opinião pública dos EUA se coloca majoritariamente contrária a ações de guerra dos americanos por interesses geopolíticos. O caso do Afeganistão, do qual Biden comandou uma retirada considerada falha pelo próprio comando militar americano, custou uma fatia importante da popularidade do presidente americano. As cenas de americanos desesperados para partir do país e de afegãos agarrados à fuselagem de uma aeronave militar americana provocaram nos americanos sentimento vexatório comparado pela imprensa local à derrota da Guerra do Vietnã, nos anos 1970.

China expõe fragilidades americanas

Em outra frente, o convite de Biden para que Taiwan fizesse parte da Cúpula da Democracia irritou os chineses. A China vê Taiwan como parte de seu próprio território e tomou o tratamento dispensado pelos americanos à área, como se fosse uma nação autônoma, como uma afronta ao princípio de uma China única defendida pelo presidente Xi Jinping. Os chineses têm apertado o cerco em torno de Taiwan, tanto econômica quanto militarmente, para tentar fazê-la se submeter ao comando do Partido Comunista Chinês.

Os chineses responderam com um movimento sem precedentes, ao divulgar um documento diplomático em que afirmam que a China é “uma democracia que funciona”, ao contrário dos EUA, incapaz de satisfazer os desejos de seu povo.

“A China tem se afastado da democracia nos últimos 10 anos, mas foi a campo ressignificar o termo e orgulhosamente defender seu modelo político. Isso não acontecia antes. Parece estar surgindo esse componente ideológico que faltava para definir a atual relação entre EUA e China como uma Guerra Fria, e não só uma disputa comercial ou de influência”, afirma o especialista em EUA Carlos Gustavo Poggio, professor de relações internacionais da FAAP.

Os chineses argumentam ainda que os americanos não teriam autoridade para determinar quem é ou não uma democracia – especialmente depois das cenas da invasão do Congresso por apoiadores do então presidente Donald Trump que tentavam impedir a certificação da vitória presidencial do próprio Biden.

“Nessa crítica os chineses são precisos. O critério da Cúpula da democracia de Biden parece o mesmo adotado nas portas de baladas americanas: você é bonito, entra, você é feio, não entra. Não tem objetividade alguma”, afirma Alencastro.

Se adotasse como critério o mapeamento da Ong Freedom House, que avalia anualmente a qualidade das democracias no mundo, Biden teria que alterar sua lista de convidados. A Bolívia, com nota 66, e a Hungria, com 69, dois dos países barrados no evento atual, são considerados mais democráticas do que as Filipinas, com 56, que recebeu convite.

Além da disputa em relação à Taiwan, Biden anunciou ainda esta semana um boicote diplomático aos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Inverno em Pequim, em 2022. Isso significa que, além dos atletas, o país não enviará autoridades ou missões diplomáticas ao evento. O boicote foi justificado pelo tratamento dado aos chineses a minorias, como o grupo étnico muçulmano de Uigures, na província de Xinjiang, classificada como “genocídio” e “crime contra a humanidade” pelos americanos.

Para a especialista em China e professora de relações exteriores da Universidade de Michigan, Mary Gallagher, em vez de ser uma medida de força, o anúncio do boicote pode revelar fraqueza dos americanos. Até o momento, três dias após a decisão americana, apenas Austrália, Canadá e Reino Unido anunciaram que seguiriam os passos dos EUA no boicote. Isso mostra que Biden tem dificuldades de alinhar parceiros ocidentais e asiáticos em torno de suas ações. Segundo Gallagher, para mostrar força, os EUA precisariam contar ao menos com o endosso adicional de França, Alemanha, Japão e Coreia do Sul.

“É uma péssima ideia dos Estados Unidos terem feito um boicote diplomático sem ter absoluta certeza de que poderiam contar ao menos com esses países. Se eles não aderirem, isso será encorajador para os chineses, porque vai mostrar a eles que a oposição a certas políticas da China é relativa e há importantes países que preferirão apenas ignorar o assunto em vez de se indispor com eles”, diz Gallagher.

Cúpula sem compromisso final

Em meio a tantas dificuldades domésticas e internacionais, um alto funcionário do Departamento de Estado confirmou na quinta-feira (9/12) que os EUA não pretendem concluir a Cúpula da Democracia com algum tipo de comunicado conjunto entre os participantes. Os países convidados puderam apresentar compromissos específicos e voluntários, mas nem todos o fizeram.

“Não planejamos ter um documento assinado por todos porque não queremos nos antecipar demais. Vemos essa primeira cúpula como o lançamento de um processo maior”, afirmou um porta-voz do Departamento de Estado, afirmando que uma segunda edição do evento deve acontecer no ano que vem para acompanhar como os diferentes líderes – e os atores da sociedade civil – têm agido para fortalecer a democracia domesticamente.

Mas, para Poggio, a ausência de um compromisso partilhado pelos participantes mostra que os americanos falharam em construir uma coalizão em torno de si e de seus valores.

“Ainda que fosse um documento genérico, seria muito importante que os países assinassem e se comprometessem com algo, para mostrar que existe algum tipo de aliança”, diz Poggio.

Bolsonaro como coadjuvante

Convidado para a Cúpula, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro participa do evento na posição de coadjuvante. Ao contrário do que aconteceu em outros eventos internacionais de que o mandatário participou este ano, como a Assembleia Geral da ONU e a reunião do G-20, Bolsonaro desta vez não deve ser alvo de críticas, a despeito de seu histórico de alegações sem provas de que o sistema eleitoral brasileiro seria inseguro e de que as eleições que ele venceu, em 2018, teriam sido fraudadas.

“Não será ali que Bolsonaro mudará a péssima imagem internacional que tem, nem que ela irá piorar. Se ele colher algum benefício, será entre aqueles que já são seus apoiadores”, afirma Poggio.

O Brasil apresentou uma lista de compromissos voluntários aos americanos que incluem, entre outras coisas, garantir eleições livres no ano que vem, defender liberdades individuais e combater a corrupção. “Bolsonaro reitera o compromisso do Brasil com a proteção das liberdades fundamentais e a promoção de uma cultura de diálogo, liberdade e inclusão social, sem discriminação”, afirmou o Itamaraty em nota.

Em um vídeo de três minutos que irá ao ar apenas no segundo dia da cúpula, Bolsonaro defenderá especialmente que a internet deve ser um ambiente livre para a expressão, sem que plataformas possam derrubar conteúdos falsos ou enganosos, por exemplo.

A ideia é controversa porque alude ao episódio do ex-presidente Trump, banido das redes sociais por, segundo elas, incitar o desfecho violento do ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2020. Bolsonaro e seus aliados têm argumentado que a Justiça e as plataformas digitais silenciam vozes de direita. Ainda assim, o tópico não deve ter força para gerar polêmica e captar a atenção.

Outro ponto polêmico da participação do Brasil é o trecho dos compromissos democráticos em que o país acusa a mídia tradicional de ser a maior fonte de desinformação do país. A afirmação vai de encontro à defesa feita pelos americanos da liberdade de imprensa, “pedra fundamental da democracia” nas palavras de Biden na abertura da Cúpula.

Os EUA anunciaram no evento a criação de um fundo de US$ 30 milhões (R$ 170 milhões) para financiar a atividade de mídias independentes tanto domesticamente quanto no exterior. Outros US$ 9 milhões (R$ 50 milhões) serão destinados pelo país a custear defesas judiciais de jornalistas processados ou perseguidos em função de suas investigações e reportagens.

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