Alvo de disputa entre Executivo, Legislativo e Judiciário ao longo de todo 2024, a execução das emendas parlamentares foi fonte de discórdia dentro do governo do presidente Lula da Silva (PT) e alimentou um racha entre Câmara e Senado no penúltimo dia do ano.
A consequência do vaivém de ofícios, decisões e pareceres é que os mais de R$ 4 bilhões em emendas que os parlamentares esperavam ver liberados ainda em 2024 ameaçam não sair do papel.
Para compensar, auxiliares de Lula estão costurando um acordo com parlamentares para que os recursos reforcem o caixa dessas verbas no ano que vem —o modelo ainda não está pronto.
Na tarde desta segunda-feira (30), a Advocacia-Geral da União (AGU) divulgou um parecer para orientar os ministérios sobre a execução de emendas a partir de uma decisão da véspera do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Optando por uma interpretação cautelosa, conforme descrito no próprio parecer, o órgão recomendou segundo Catia Seabra e Marianna Holanda, da Folhapress, o não pagamento até o esclarecimento do que apontou como “dúvida razoável”. Posteriormente, pediu ao STF esclarecimento sobre a decisão.
A análise da AGU foi classificada como restritiva por técnicos de ministérios e do Palácio do Planalto, que trabalhavam com a possibilidade de liberação de R$ 1,7 bi em emendas de comissão que haviam sido empenhadas até 23 de dezembro –o que, na avaliação deles, estaria alinhado com a decisão de Dino.
Sob comando de Alexandre Padilha, a SRI (Secretaria das Relações Institucionais) chegou a divulgar o valor total dessas emendas e os ministérios contemplados, sem, no entanto, sugerir o descumprimento do parecer da AGU.
Acompanhando a decisão do ministro do STF, o texto da Advocacia-Geral também apontou para nulidade do ofício em que 17 líderes partidários, inclusive o petista Odair Cunha (MG), assumiram, em conjunto, a paternidade de emendas de comissão no total de R$ 4,2 bilhões.
Nos bastidores, líderes partidários afirmam haver uma ação coordenada entre Dino, que foi ministro de Lula, e o governo no sentido de reduzir na marra o peso das emendas parlamentares no orçamento federal. A mesma suspeita levou o petista a receber os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), no Palácio do Planalto para negar qualquer tipo de acordo.
O Congresso está de recesso e só volta aos trabalhos em fevereiro, ocasião em que retaliações podem ocorrer em votações de interesse do governo
O parecer da AGU foi concebido em meio a rumores de que Dino iria proferir uma decisão ainda mais rigorosa sobre a execução do orçamento.
Em alguns ministérios, chegou-se a discutir o cancelamento das emendas. No fim da tarde, a orientação foi apenas a de suspensão até nova decisão do STF.
Também na tarde desta segunda, a Advocacia do Senado apresentou um recurso em que defende a legalidade das emendas de comissão. Seu texto é o desdobramento de um mal-estar ocorrido quando, em petição ao STF, a Câmara argumentou que os senadores adotavam as mesmas práticas que os deputados para identificação dos autores de emendas de comissão.
“Daí o estranhamento de que apenas a Câmara dos Deputados esteja participando neste momento de diálogo institucional com a Suprema Corte, para fins de aprimoramento do processo orçamentário das emendas parlamentares, quando a competência para a matéria é do Congresso Nacional, quando o Senado da República adotou rito rigorosamente idêntico ao da Câmara dos Deputados e quando ambas as Casas se limitaram a seguir orientações técnicas prévias do Poder Executivo”, afirmou.
A petição foi encaminhada ao STF cinco dias depois do cancelamento de uma reunião no Senado convocada com objetivo de legitimar suas emendas de comissão.
Na reunião da Comissão de Desenvolvimento Regional, seriam aprovadas as emendas apadrinhadas por líderes da Casa. Era uma tentativa de validar a lista e afastar a ideia de que tivesse sido definida sem aprovação prévia das comissões do Senado.
Mas, segundo relatos, a reunião do colegiado foi cancelada a pedido de deputados para fortalecer o argumento de que as duas casas legislativas adotavam estratégia comum.
Só que, cinco dias depois, a advocacia da Câmara questionou a ausência do Senado no “diálogo” com o Judiciário. A alegação incomodou senadores. E as emendas do Senado acabaram bloqueadas.
Nesta segunda, em sua petição, o Senado lembrou que seus líderes assumiram, individualmente, a paternidade das emendas. No caso da Câmara, 17 líderes se responsabilizaram, coletivamente, por cada uma delas.
“Na 2ª fase de individualização das emendas, ou seja, na discriminação dos entes destinatários, dada a exigência de aposição do nome e código do parlamentar solicitante, tem-se que para cada destinação específica o Senado Federal fez constar o senador solicitante”, afirma.
A advocacia da Casa pediu que fossem autorizadas suas emendas, comprometendo-se, caso necessário, a submetê-las à futura aprovação das comissões.
Em sua decisão sobre essa manifestação, Dino disse que os senadores estão “um degrau acima” na questão da transparência, mas que igualmente agiram fora da lei ao definir as emendas de comissão por meio de chancela de líderes partidários e não dessas comissões.