O Senado entrou na reta final da disputa pela vaga aberta no Tribunal de Contas da União (TCU) em meio a ofertas de doces regionais, traições, acusações de “golpe baixo” e de liberação de emendas em troca de votos. A escolha do próximo ministro da corte está prevista para a terça-feira (14).
A disputa é a mais ferrenha em 13 anos, incluindo três pesos pesados da Casa: o líder do governo Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), Kátia Abreu (PP-TO) e Antonio Anastasia (PSD-MG).
Kátia largou na corrida como favorita, contando com a articulação do ministro Ciro Nogueira (Casa Civil) e do líder da maioria no Senado, Renan Calheiros (MDB-AL).
Nos últimos dias, no entanto, ganhou força o nome de Bezerra. Projeções de lideranças governistas na Casa o colocam na frente da disputa, com pelo menos 30 votos.
Muitos falam no “efeito Mendonça”, em referência à vitória da indicação do ex-ministro André Mendonça para uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal), que mostrou a força do governo na Casa em uma difícil disputa.
Anastasia, o candidato do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), segue com uma campanha discreta, correndo por fora. No entanto, alguns senadores apontam que a disputa fratricida entre Bezerra e Kátia pode abrir caminho para a sua vitória.
O clima nos bastidores está tão tenso que dois antigos aliados de primeira hora de Renan têm dito que agora só conversam com ele por respeito à trajetória política e idade avançada.
Ambos os senadores são correligionários de Renan e querem a escolha do líder do governo para o TCU.
Nomes influentes no Senado defendem que a ascensão de Bezerra está relacionada com a liberação de emendas em troca de votos.
Embora ressaltem que Jair Bolsonaro (PL) se manteve neutro na disputa, o representante do presidente no Senado tem acesso direto a ministérios e por isso conseguiria driblar o crivo do Planalto e mesmo de Ciro Nogueira.
Bezerra negou veementemente por meio de sua assessoria de imprensa que esteja negociando emendas para obter apoio.
Por outro lado, segundo apontam senadores, seus adversários tentaram barrar seu pleito ao apresentar e aprovar uma resolução no TCU que impede a nomeação de ministros que sejam réus por improbidade administrativa ou ações penais por crime doloso contra administração pública.
O líder do governo é alvo de pelo menos seis inquéritos ou procedimentos na Justiça e em tribunais de contas, acusado de crimes que teriam sido cometidos quando foi prefeito de Petrolina (PE), secretário estadual de Desenvolvimento, dirigente do porto de Suape e também quando foi Ministro da Integração Nacional em governo do PT.
A assessoria de imprensa do senador afirmou que “a sua postulação à indicação do Senado para o cargo de ministro de Tribunal de Contas da União preenche todos os requisitos constitucionais e os critérios estabelecidos pelo TCU na Resolução 334”.
Por sua gestão no município pernambucano —atualmente comandado por seu filho, Miguel Coelho (DEM)—, o TCU instaurou processo pela falta de comprovação da aplicação devida de recursos repassados pela União, por meio de convênio com o Ministério da Saúde. O prejuízo seria de R$ 9,5 milhões.
No âmbito da Operação Lava Jato, Bezerra foi apontado como autor de pedido de vantagem indevida de R$ 20 milhões ao ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, como contrapartida por supostamente ter favorecido empresas que atuavam como cartel. O atual líder de Bolsonaro era diretor do porto de Suape.
Os valores supostamente indevidos teriam resultado no enriquecimento ilícito no valor de R$ 40 milhões pago pelas empreiteiras Queiroz Galvão, OAS e Camargo Corrêa.
Em um inquérito para apurar irregularidades nas obras de transposição do rio São Francisco, a Polícia Federal sugeriu em relatório que há indícios de que o senador —quando ministro da Integração Nacional— recebeu vantagens indevidas de construtoras.
O montante que teria sido repassado diretamente ou indiretamente a ele e a seu filho, o deputado Fernando Bezerra Filho (DEM-PE), seria de até R$ 10 milhões.
Em relação ao processo no âmbito da Lava Jato, no qual é alvo de ação por improbidade administrativa, a defesa de Bezerra contesta a indicação de que o senador seja réu, como consta do site da Justiça Federal, e argumenta que não está adequada segundo a legislação.
Segundo a defesa, o juiz da 1ª Vara Federal de Curitiba não proferiu decisão sobre o recebimento da ação e por isso nenhuma das pessoas acionadas naquele processo é considerada juridicamente ré. Acrescenta ainda que a ação decorre de inquérito arquivado pelo STF por ausência de provas de conduta criminosa.
Sobre os fatos durante seu período como ministro, a defesa afirma que o ministro do STF Luís Roberto Barroso decidiu enviar a questão para a primeira instância e que, portanto, não há ação penal aberta contra o senador.
Na sexta-feira (10), Bezerra encaminhou a outros senadores mensagens reforçando a sua candidatura e encaminhou a sua certidão negativa, para argumentar que não tem condenações, não é réu e por isso não haveria motivos para não ser escolhido para a vaga no TCU.
O senador ainda tem afirmado a diversos aliados que foi traído por Renan. Isso porque acusa o senador alagoano, Kátia e o ministro do TCU Bruno Dantas de terem sido os grandes articuladores da resolução que teria visado a barrar sua candidatura ao TCU.
Bezerra também tem dito que a sequência de ataques contra ele seria consequência do suposto naufrágio da candidatura de Kátia.
Também circula nos bastidores a informação de que aliados da senadora e emissários de Bezerra teriam discutido alguma forma de composição, recompensando Kátia por uma eventual desistência.
A ideia seria oferecer para a senadora a presidência do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) no ano que vem, às vésperas do fim do mandato da parlamentar.
Interlocutores afirmam que essa proposta teria como ponto de partida a suposição de que Kátia precisa de um cargo atrativo, pois estaria enfrentando dificuldades para ser reeleita senadora no Tocantins.
De acordo com fontes do Senado, a proposta chegou a ser sinalizada à senadora, que a refutou. Kátia, por sua vez, nega que a proposta tenha sido feita a ela ou a seus aliados.
“Esse tipo de negócio não faço. Não estou atrás de emprego, mas atrás de sonhos e ideais. De novos desafios onde eu possa ser útil ao Brasil”, afirmou à Folha.
Enquanto senadores apontam que a briga nos bastidores se dá de maneira suja, os candidatos ao TCU buscam manter na superfície um clima cordial e, quando há cutucadas, elas se deram de maneira mais irônica.
Na quinta-feira (2), durante sessão do Senado, Kátia levou doces para os “seus eleitores” e citou que seus rivais também haviam aderido à guerra gastronômica.
“Estes doces aqui são de Pelotas, patrimônio imaterial, conhecidos no mundo inteiro. Eu soube, há poucos dias, que um colega que disputa o TCU trouxe várias caixas de uvas para os eleitores e que outro trouxe várias latas de doce de leite de Mococa”, disse.
“Eu, infelizmente, não tinha trazido nada. Então, aqui há 47 docinhos, que são dos meus eleitores. Eu vou levar para cada um. Eu sou objetiva e pragmática, como toda mulher […] Vou começar com o meu eleitor número um, Anastasia, e com outro número um também, Fernando Bezerra.”
Anastasia retrucou a provocação da colega em plenário.
“Agradeço os cumprimentos da senadora Kátia, mas, primeiro, não houve distribuição de doce de leite. Segundo, não é Mococa, que é do estado de São Paulo. É Viçosa, que é uma cidade”, respondeu o senador mineiro.