Dez anos após a Lava-Jato ter sido oficialmente deflagrada, o setor de construção pesada do país ainda reflete os efeitos da operação, segundo especialistas, mas vem buscando novos caminhos para retomar o crescimento. Muitas empreiteiras já estão reabilitadas a trabalhar para o governo, que voltará a investir em infraestrutura. Mas elas também estão ampliando sua atuação no setor privado, devido a concessões e projetos de parceria público-privadas (PPPs). As informações são de João Sorima Neto e Cleide Carvalho, do jornal O Globo.
Ao longo da Lava-Jato, as principais companhias do setor entraram na mira de investigações por esquemas de cartel em contratos públicos e fecharam acordos de leniência com pagamentos de multas bilionárias. Altos executivos foram condenados e chegaram a ficar presos por crimes como organização criminosa, lavagem de dinheiro e corrupção, como Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Novonor (antiga Odebrecht), Otávio Marques de Azevedo, ex-executivo da Andrade Gutierrez, e Dario Queiroz Galvão Filho, ex-presidente da Galvão Engenharia.
Com o encolhimento das grandes construtoras no período, surgiram novos concorrentes, com crescimento de médias e pequenas construtoras, que formaram consórcios para ganhar obras ou conseguiram criar musculatura por conta própria. No mercado, nomes como Construtora Passarelli e Dimensional Engenharia são citados como empresas que expandiram suas atividades em infraestrutura.
Números do IBGE mostram que as médias construtoras (com 5 a 29 empregados) somam no país 6.347, mais que o dobro das consideradas grandes. Já as pequenas (com 1 a 4 pessoas) somam 6.682. Concorrentes estrangeiras, como empresas chinesas e europeias, também assumiram obras de infraestrutura no país.
— O país perdeu competitividade no setor e isso abriu espaço para construtoras internacionais. Não sou a favor do mercado fechado, mas não se pode destruir o valor do capital humano de companhias, que leva anos para ser construído — diz Gesner Oliveira, sócio da consultoria GO Associados, que lembra que no exterior empresas de infraestrutura também foram alvos de investigação, mas continuaram atuando em seus mercados sem ter que mudar de nome ou entrar em recuperação judicial.
O resultado, aponta, é que no ranking da engenharia brasileira, produzido pela revista O Empreiteiro, o faturamento das 100 maiores do segmento de construção despencou de R$ 138 bilhões, em 2013, para R$ 56 bilhões, em 2022.
Negócios
Desde julho passado, três grandes empreiteiras foram reabilitadas a prestar serviços para a Petrobras, alvo das denúncias iniciais da Lava-Jato, entre elas a Novonor, Andrade Gutierrez e UTC. Braço de engenharia e construção da Novonor, a OEC tem como meta conquistar pelo menos R$ 10,2 bilhões em novos negócios até 2027, segundo último relatório de demonstração financeira publicado em setembro de 2023. O desempenho da empresa, cujo patrimônio é negativo em R$ 16 bilhões, é considerado fundamental para a retomada da Novonor, que está em recuperação judicial.
Após a Lava-Jato, a construtora baiana OAS mudou de nome e se dividiu em duas: a Coesa e o Grupo Metha. A Metha tem entre suas empresas a KPE Engenharia, que atua com infraestrutura pesada, e os números públicos mais recentes apontavam contratos de cerca de R$ 1,8 bilhão em obras. Outra empresa, da holding, a E2, administra estádios de futebol como a Arena Fonte Nova, Arena do Grêmio e Arena das Dunas.
A outra metade da empresa virou a Coesa, um novo grupo, com outros sócios, formado a partir dos ativos “dispensados” pela Metha. Embora tenham avançado no setor privado, ambas as empresas atualmente estão em recuperação judicial, com dívidas conjuntas que chegam a R$ 10 bilhões.
Já a Camargo Corrêa dividiu a construtora em duas empresas, a Camargo Corrêa Infra e a 4C, que ficou com as obras e negociações com a Lava-Jato. Em 2019 a empresa fechou o primeiro contrato relevante com o setor público depois da força-tarefa, para construir um trecho de 9,2 quilômetros do metrô de Salvador.
As parcerias público-privadas têm sido a aposta da Queiroz Galvão para crescer. Ela é a dona, por exemplo, da Concessionária Tamoios, que administra a rodovia que liga o Vale do Paraíba ao litoral norte paulista, num contrato de 30 anos.
Já a Andrade Gutierrez Engenharia, que teve faturamento de R$ 3,3 bilhões em 2023, tem sua carteira formada 100% por clientes do privado. O estoque de contratos já assinados alcança hoje R$ 10 bilhões. Antes da operação, atuava principalmente com obras públicas. Nos últimos anos, ela se tornou a maior construtora de parques eólicos do Brasil. Uma das obras mais recentes é a construção de duas termelétricas no Porto de Açu (RJ), o maior parque de usinas térmicas a gás natural da América Latina, com investimento de R$ 10 bilhões até 2025.
Cenário de recuperação
Em seu mais recente relatório, a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) avaliou que depois de uma queda de 50% no mercado de obras públicas devido à crise econômica, a epidemia de Covid e à Lava-Jato, os investimentos em infraestrutura, especialmente no segmento de energia renovável, serão retomados.
Segundo a entidade, o Brasil tem mais de 500 projetos de PPPs nas várias esferas de governo. O Executivo federal, pelo novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), planeja investimentos de R$ 1,7 trilhão, com R$ 60 bilhões por ano saindo diretamente de seu orçamento até 2028.
Os principais números do setor reforçam que o fundo do poço já começa a ficar para trás. Em 2014, havia cerca de 2.700 empresas com mais de 30 funcionários atuantes na área, número que caiu para 2.224 em 2017, segundo a Consultoria Tendências. Atualmente, são 2.533 empresas.
O total de trabalhadores que era de 961 mil em 2014, caiu para 535 mil em 2017 e o último número disponível, de 2021, mostra 637 mil pessoas empregadas, segundo o IBGE. A participação do setor no Produto Interno Bruto (PIB), que era de 2,36% em 2014 e caiu para 1,61% em 2019, este ano deve ficar em 1,87%, segundo consultorias.
— Os leilões de concessões aumentando o investimento privado, as eleições municipais que estão impulsionando obras nos municípios, e o PAC, voltam a impulsionar o setor, inclusive criando mais empregos — aponta a coordenadora de Estudos de Construção Civil da Fundação Getúlio Vargas/Instituto Brasileiro de Economia (FGV/IBRE), Ana Maria Castelo.
Sócio da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios, que atua na área de infraestrutura, Claudio Frischtak pontua que em alguns segmentos, como linhas de transmissão do setor elétrico, há inclusive escassez de empresas brasileiras capazes de responder à demanda de obras com o aumento de concessões. Ele observa que se houve um lado positivo trazido pela Lava-Jato, é que as construtoras ficaram mais cautelosas com governança e compliance:
— Pode-se até não concordar com os métodos da Lava-Jato, mas as companhias estão mais cautelosas com questões como governança e compliance, já que estão atuando mais com o setor privado.
Outras construtoras, entretanto, ainda não conseguiram se recuperar. A Mendes Junior, que era a mais internacionalizada e uma das que mais faturava com obras públicas, acumulava prejuízos de R$ 17 milhões e patrimônio líquido negativo de R$ 14,9 milhões em 2022, segundo relatório de auditoria independente. A construtora depende de ações judiciais que cobram R$ 586 milhões por obras já feitas. No ano passado, ela voltou a poder participar de licitações e assinar contratos com o governo federal. Procuradas para comentar seus números e impactos da Lava-Jato, as construtoras não responderam.
Estrangeiras dobraram faturamento
Cláudio Medeiros, presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada-Infraestrutura (Sinicon) observa que enquanto as principais construtoras brasileiras tiveram a queda da receita líquida superior a 80%, após a Lava Jato, algumas empresas estrangeiras dobraram o faturamento no país. Ele diz que as construtoras estão tentando se recuperar, embora a atuação no mercado internacional seja baixa.
— Nossa representatividade no exterior é muito baixa. Mesmo o mercado interno mudou bastante. Durante o último governo, foi estabelecida uma nova modelagem para as poucas obras públicas em que o Estado privilegiou pequenas e médias empresas. As grandes sobreviveram a partir de contratos privados — diz Medeiros.
Medeiros afirma que com o PAC e o programa Nova Indústria Brasil o setor vai tentar voltar a um melhor nível de crescimento.
— Mas para ter adesão aos projetos é necessário ter capital de giro com taxas atrativas e garantias. As empresas ainda estão sem capacidade de investimento, portanto, é necessário que haja recurso público envolvido, por meio de linhas de crédito governamentais e pela retomada de crédito à exportação de bens e serviços de engenharia— diz ele, lembrando que quatro milhões de empregos podem ser gerados com essas obras.