As emendas parlamentares para a Saúde deixam de priorizar os municípios mais pobres e com piores indicadores de atenção básica.
A conclusão é de estudo inédito do Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), ao qual Lucas Marchesini, da Folha, teve acesso com exclusividade. Baseado nessas conclusões, o levantamento propõe um índice para direcionar as emendas para as cidades que mais necessitam.
“Ao direcionar uma emenda para a saúde, olhar o índice é superinteressante. Em termos de pensar políticas públicas, você dá mais objetividade. Estamos propondo isso”, resumiu o secretário-geral do Gife, Cassio França. Procurado, o Ministério da Saúde não respondeu.
O estudo analisou as preferências dos parlamentares na indicação das emendas entre 2018 e 2022 e de que forma é feita a distribuição e aplicação desses recursos em todos os municípios do Brasil.
Ao todo, R$ 47 bilhões foram para a Saúde no período, sendo R$ 27,2 bilhões de emendas individuais, R$ 7 bilhões a emendas de bancada e R$ 12,8 bilhões a emendas do relator.
Os recursos das emendas não têm priorizado municípios com os piores indicadores de saúde, aponta o estudo.
“Municípios com os índices mais baixos de mortes prematuras por doenças crônicas não transmissíveis, por exemplo, receberam em média 62% mais recursos per capita do que os municípios com maiores dificuldades nesse indicador”, calcula o levantamento.
Os recursos de emendas também não têm priorizado municípios mais pobres, com menos recursos próprios para a saúde.
“Municípios com os menores valores de orçamento per capita são os que menos têm recebido emendas para a atenção básica desde 2018, obtendo, em média, 59% menos recursos do que aqueles com maior disponibilidade de recursos municipais para a saúde”, diz o estudo.
Para o Gife, os parlamentares “deveriam priorizar investimentos na atenção primária ao alocar sua cota de emendas à saúde”.
“Os municípios com os piores níveis de cobertura da atenção básica são os que menos têm recebido recursos de emenda parlamentar”, apontou o levantamento.
“Apesar de concentrarem quase 46% da população brasileira, os municípios com cobertura de Atenção Básica do Programa Saúde da Família em nível muito baixo [menos de 70% de cobertura] receberam quatro vezes menos em valores per capita do que municípios com cobertura completa”, indicou o estudo.
Na escolha do município que receberá os recursos, eles deveriam “considerar critérios de equidade, levando em conta a necessidade de recursos, de universalização da atenção básica e de melhoria das condições de saúde da população, priorizando os municípios com indicadores que sugerem maior necessidade de financiamento adicional”.
Outro problema revelado pelo estudo é que, do total, cerca de 96,6% foram para os municípios e quase tudo na modalidade fundo a fundo —que tem menos transparência e permite menos controle na aplicação dos recursos.
Além disso, há uma alta concentração de despesas de custeio no total de recursos destinados. Só R$ 8,9 bilhões (18,6% do total) foram aplicados em obras, aquisição de material permanente e outras formas de investimento.
Isso acaba gerando uma dependência do município desse tipo de recurso para manter o pagamento das despesas contratadas em anos seguintes.
Para ajudar a solucionar a questão, o Gife criou o Índice de Necessidade Potencial de Emendas para a Atenção Básica, baseado nos indicadores de mortalidade prematura por doenças crônicas não transmissíveis, mortalidade infantil, mortalidade materna e cobertura vacinal
Na separação por município, Santo Antonio do Descoberto (GO) é o que tem a pior situação, com índice 0,954. O indicador vai de 1 a 0, sendo um 1 a maior necessidade de recursos.
Em seguida vêm duas cidades de Roraima: São Luiz, com 0,953, e Cantá, com 0,951.
O estudo será divulgado nesta segunda (30) em audiência pública da Frente Parlamentar Mista da Saúde, na Câmara dos Deputados.