O Congresso controla segundo Mateus Vargas, da Folhapress, ao menos 30% das verbas de aplicação não obrigatória em sete ministérios do governo Lula (PT). A lista inclui pastas estratégicas, como a da Saúde, a da Justiça e a da Integração.
Os deputados e senadores têm maior poder sobre o orçamento discricionário do Esporte (80% do total) e do Turismo (70%), ambos comandados por ministros do centrão. Verbas discricionárias são as não comprometidas com salários e outras obrigações e que podem ser usadas em obras e investimentos públicos —portanto, são cobiçadas em ano de eleições municipais.
O maior volume de emendas foi direcionado para a Saúde: R$ 22,1 bilhões dos R$ 47,6 bilhões reservados no Orçamento de 2024 para indicações individuais, das bancadas estaduais e das comissões do Congresso.
Cerca de 40% dos recursos discricionários da pasta comanda por Nísia Trindade estão nas mãos do Congresso. A proporção é similar a do fim de 2023, mas superior aos 23% registrados em 2019.
Mesmo com controle inédito do Orçamento, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tornou públicas queixas de parte do Congresso sobre o ritmo de execução das emendas.
“O Orçamento da União pertence a todos e todas e não apenas ao Executivo, porque, se assim fosse, a Constituição não determinaria a necessária participação do Legislativo em sua confecção e final aprovação”, disse Lira na abertura do ano legislativo.
Dentro do valor das emendas ainda há R$ 8,1 bilhões das chamadas transferências especiais, modalidade em que o parlamentar envia o recurso diretamente ao estado ou município sem um projeto específico.
Assessora política do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), Alessandra Cardoso afirma que o poder do Congresso sobre o orçamento dificulta a execução das políticas públicas.
“Para as emendas, o que importa muitas vezes não é a política pública, mas o quão fácil é transferir recurso para aquela localidade, para aquela base. Atender, então, aos interesses que são muito localistas e também muito corporativistas”, diz Cardoso.
Para ela, isso “muitas vezes, entra em conflito direto com a lógica que o próprio processo de planejamento da política pública e do orçamento deve estabelecer”.
Cerca de 20% do total dos recursos discricionários do governo Lula são controlados pelo Congresso. O percentual é menor do que os 10% em 2019 e chegou a alcançar 27% no governo Jair Bolsonaro.
Em dezembro, a presidente do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR) disse, nas redes sociais, que há “um parlamentarismo orçamentário” ao se referir ao aumento das verbas de indicações de deputados e senadores.
“Num país que precisa de investimentos estruturantes, o Parlamento apostar na pulverização de recursos para atender seus interesses é irresponsabilidade. É usurpação das funções do Poder Executivo”, afirmou.
Recém-chegado ao Ministério da Justiça, Ricardo Lewandowski encontrou a pasta sob maior domínio do Congresso. As emendas, que ocupavam 14% dos recursos discricionários no ano passado, são 37% da verba do órgão em 2024.
As indicações parlamentares na Justiça são voltadas principalmente para equipar forças de seguranças locais, por exemplo, com novas viaturas, armas e sistemas de monitoramento.
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) apresentou emendas de R$ 20,6 milhões para a Justiça, o maior repasse de um único parlamentar ao ministério. O filho do ex-presidente determinou a compra de drones e capacetes, além de R$ 10 milhões em fuzis para a Polícia Militar do Rio de Janeiro.
Em ministérios com verba curta, as emendas também têm relevância. Na pasta das Mulheres 60% desses recursos estão nas mãos do Congresso. Em nota, o ministério disse que as emendas estão alinhadas com as políticas da pasta.
Outros ministérios são menos atrativos aos parlamentares. O Meio Ambiente recebeu apenas R$ 78,2 milhões em emendas, cerca de 5,7% da verba discricionário do órgão comandado por Marina Silva.
“A leitura mais rasa é que meio ambiente não dá voto. Aponta ainda, do ponto de vista dos municípios, principalmente, o quanto a política ambiental não é prioritária ou como ela é muito mais feita de processos de atividade meio e ligada menos a investimentos, a compras de equipamentos, a coisas que, normalmente, as prefeituras gostam”, avalia a assessora política do Inesc.
Em janeiro, ao se referir a execução das emendas parlamentares, o presidente Lula disse que o seu governo estabeleceu uma “relação democrática” com o Congresso, enquanto Bolsonaro não tinha “governança”.
“Ele não tinha governança, quem governava era o Congresso Nacional. Ele não tinha sequer capacidade de discutir Orçamento. Porque ele não queria ou porque não fazia parte da lógica deles. O que ele queria é que deputados fizessem o que eles quisessem”, afirmou.
Os congressistas ganharam poder inédito sobre o Orçamento nos últimos anos, mas há diversos exemplos de mau uso dos recursos. Em 2023, a Folha mostrou distorções na entrega de caixas d’água em regiões secas com emendas direcionadas a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba).
A Polícia Federal também investiga se verbas indicada por parlamentares à mesma companhia foram desviadas. Um dos inquéritos tem como o alvo o ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil). A suspeita é de que ele foi beneficiado com o dinheiro de obras de pavimentação executadas por empresa suspeita de corrupção. Juscelino nega qualquer irregularidade.
A partir de 2015, a execução de parte das emendas se tornou impositiva, ou seja, deixou de ser uma decisão política do governo.