Partidos populistas e de ultradireita tendem a votar contra a maioria em assuntos como migração e proteção do clima. Os eleitores da União Europeia (UE) penderam para a direita nas eleições ao Parlamento Europeu. As bancadas dos Reformistas e Conservadores Europeus (ECR) e Identidade e Democracia (ID), que reúnem partidos cujas visões vão do populismo de direita ao nacionalismo de ultradireita, conquistaram, somadas, 18% dos 720 assentos na câmara baixa do Legislativo europeu – um pouco mais do que os atuais 16%.
As bancadas dos dois maiores grupos parlamentares, o Partido Popular Europeu (PPE) – ao qual pertencem os alemães conservadores da CDU e da CSU –, e a Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D), mantiveram-se como as duas maiores do Parlamento Europeu. Já os liberais do Renovar a Europa (ex-ALDE) e os Verdes/Aliança Livre Europeia foram os grandes perdedores.
Aproximação entre Meloni e Le Pen
A composição das bancadas parlamentares ECR e ID provavelmente mudará após a eleição. A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, cujo partido Irmãos da Itália integra o ECR, espera ganhar mais votos e se unir à líder nacionalista francesa Marine Le Pen, da Reunião Nacional (RN), que pertence ao grupo ID.
O ID expulsou a ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD) duas semanas antes das eleições, alegando que o partido estava prejudicando a imagem do grupo por ser muito extremista e provocativo. A gota d’água foi quando o candidato da AfD Maximillian Krah afirmou que nem todos os membros da SS, a principal força paramilitar sob Adolf Hitler na Alemanha nazista, deveriam ser considerados criminosos. Após o resultado das eleições, a AfD, porém, afastou Krah da sua bancada no Parlamento europeu. Um porta-voz da sigla afirmou que Krah, que foi reeleito, poderá tomar posse, mas não sob a sigla da legenda.
Meloni tem dito que seu objetivo é formar uma coalizão na UE semelhante à que ela lidera na Itália, onde populistas de direita (Irmãos da Itália), extremistas de direita (Lega) e democratas-cristãos (Força) constituem uma aliança estável. Para ela, a coalizão de democratas-cristãos, social-democratas e liberais no Parlamento Europeu é “antinatural” e tem que acabar.
Como votam os parlamentares da ultradireita?
A unidade de jornalismo de dados da DW examinou os votos das bancadas parlamentares ECR e ID ao longo da última legislatura, focando em questões-chave como a guerra na Ucrânia, migração e mudanças climáticas.
Na maioria desses temas, ambos os grupos geralmente votaram contra a maioria no Parlamento Europeu. No entanto, as bancadas e os partidos que as compõem nem sempre convergiram em seus votos, especialmente em relação à Rússia e à Ucrânia.
Divididos sobre a Ucrânia
Embora ambas as bancadas tenham condenado a invasão russa da Ucrânia, apenas o ECR votou a favor de apoiar e armar a Ucrânia. Em 2024, o ID votou contra.
Neste ano, contrariando a maioria do Parlamento, tanto o ECR quanto o ID apoiaram a imposição de restrições às exportações agrícolas ucranianas para a UE, alegando que elas deixavam os agricultores do bloco em desvantagem.
Em relação à política comercial com a Ucrânia, ambas as bancadas focaram nos supostos interesses dos agricultores da UE. O partido polonês nacional-conservador Lei e Justiça (PiS), que integra o ECR, votou contra regras mais favoráveis à Ucrânia, embora tenha sido um dos mais ardorosos defensores da Ucrânia. O assunto também divide populistas de direita na Holanda, Bélgica e Áustria. Na Itália, a extrema direita Lega, do ID, e os Irmãos da Itália, do ECR, apoiam Kiev.
O ECR apoia a entrada da Ucrânia na UE, algo que é desejado pela maioria do Parlamento Europeu. Já o ID se opõe a isso.
Nenhuma das duas bancadas defende que qualquer eventual expansão da UE deva ser acompanhada por um maior alinhamento de novos países-membros aos valores do bloco.
Unidos contra a migração
Quando o assunto é migração, ECR e ID convergem: as bancadas se opuseram à boa parte das principais reformas adotadas pela maioria parlamentar, por não considerá-las rigorosas o suficiente. Ambos advogam por medidas como o fechamento completo das fronteiras da UE e o fim do direito ao refúgio no bloco.
No entanto, ambos concordaram com o novo Regulamento Eurodac que prevê um banco de dados expandido para registrar todos os migrantes e solicitantes de refúgio que entram na UE.
Contra o Acordo Verde Europeu
Os dois grupos também concordam quase completamente quando o tema é legislações para proteção do clima e do meio ambiente. Diferentemente da maioria no Parlamento, membros do ECR e do ID rejeitaram a maioria das medidas para reduzir as emissões de CO2. A maioria dos membros dos dois grupos, incluindo a alemã AfD, nega que as mudanças climáticas sejam causadas pela humanidade.
Como fica a UE com o crescimento da ultradireita?
Uma votação de uma lei sobre controle da poluição do ar em abril de 2024 pode dar algumas pistas: rejeitada por ID e ECR, bem como pela metade dos conservadores do PPE, ela só foi aprovada porque teve o apoio unânime das bancadas social-democrata, verde e de esquerda – um cenário mantido mesmo com a expansão da ultradireita nessas eleições.
A analista Sophia Russack, do Centro de Estudos de Políticas Europeias (CEPS), avalia que os conservadores do PPE, que continuam sendo a maior bancada no Parlamento Europeu, talvez não precisem mais formar uma coalizão com os social-democratas e liberais; em vez disso, poderiam também cooperar com parlamentares moderados de partidos mais à direita.
“Não acho que precisamos nos preocupar com a ultradireita tomando decisões. Provavelmente a agenda vai pender para um lado [mais conservador]”, afirma Russack.
Principal candidata do PPE e atual presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen, da CDU, não descartou cooperar com pelo menos alguns dos parlamentares mais à direita na Europa. Em entrevista recente a uma rádio pública alemã, Von der Leyen disse que trabalharia com indivíduos caso a caso, e não com os partidos aos quais eles pertencem – desde que eles apoiem a Ucrânia, representem valores europeus e sejam a favor da manutenção do Estado de Direito.
A análise de dados feita pela DW não considera os legisladores do Fidesz, partido de direita que governa a Hungria, já que eles não integram um grupo parlamentar.
Dados, fontes e metodologia desta análise podem ser encontrados neste repositório.