A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que altera regras do chamado teto de gastos dos governo e cria novas normas para o pagamento de precatórios votada nesta quarta-feira (3) na Câmara dos Deputados. Se aprovada, ela segue para o Senado e depois para a sanção presidencial.
O governo Bolsonaro tenta há meses reunir maioria na Câmara para votar a favor da proposta, conhecida como PEC dos Precatórios, porque ela ampliará a margem de gastos do governo e possibilitará, entre outras coisas, o financiamento do Auxílio Brasil, o novo programa social que vai substituir o Bolsa Família.
A expectativa do governo segundo a BBC News é que o novo programa possa ajudar a recuperar a popularidade de Bolsonaro para a disputa eleitoral do próximo ano. Atualmente, o presidente aparece em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, atrás de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Além da discussão sobre a importância do teto e do pagamento de precatórios para a responsabilidade fiscal e segurança jurídica, analistas e membros da oposição apontam que a abertura de espaço no orçamento vai possibilitar a liberação de emendas parlamentares além das previstas na lei orçamentária para o ano que vem.
Entenda como isso pode acontecer e por que a PEC tem sido motivo de tantas disputas.
Dinheiro pode acabar em emendas
Os dois principais mecanismos pelos quais a PEC abrirá espaço no orçamento são a mudança da forma de cálculo do reajuste do teto de gastos do governo e o não pagamento dos precatórios – dívidas da União com diversos tipos de credores para as quais não há possibilidade de recurso.
Também há uma série de outras medidas incluídas nos detalhes da PEC dos Precatórios envolvendo gastos e receitas da União.
Uma delas é o fim da necessidade de aprovação do Congresso caso o governo queira desrespeitar a chamada “regra de ouro” – o princípio constitucional que impede o governo de se endividar para pagar despesas correntes. Desde 2018 o governo tem pedido autorização do Congresso para desrespeitar a regra – e tido o pedido autorizado.
Outra medida é a criação da possibilidade de Estados e Municípios parcelarem suas dívidas com a União caso aprovem reformas da Previdência locais – o que poderia atrair os prefeitos a pressionarem deputados para aprovação da proposta.
O governo disse em outubro que a PEC, se aprovada, vai abrir espaço de mais R$ 91,6 bilhões para novos gastos em 2022.
Nem todo esse valor, no entanto, será usado no Auxílio Brasil. Segundo o governo, o excedente seria gasto em ajustes de benefícios vinculados ao salário mínimo, elevação de outras despesas obrigatórias e despesas de vacinação contra a covid-19.
O que a oposição e analistas de contas públicas apontam, no entanto, é que as mudanças promovidas pela proposta também abrem espaço para o uso do dinheiro para as chamadas “emendas de relator” – um tipo de emenda que começou a vigorar no ano passado e na qual o relator define quanto e onde os recursos serão aplicados.
Esse tipo de emenda foi duramente criticada pelo Secretário-Geral de Controle Externo do TCU (Tribunal de Contas da União), Leonardo Albernaz, em uma audiência pública neste ano. Ele argumentou que não há um “critério objetivo que norteie a distribuição” dessas emendas. Ou seja, é dinheiro público cujo uso e distribuição é determinado sem transparência e sem regras, e que acaba servindo como moeda de troca pelo governo para garantir apoio de parlamentares.
Segundo Gil Castelo Branco, da associação Contas Abertas, esse tipo de emenda também facilita a corrupção – e o espaço no orçamento aberto pela PEC na prática vai acabar sendo usado para financiá-la.
“Parte do valor para o Auxílio Brasil já está prevista na lei orçamentária. Dos R$ 91 bilhões que o governo anunciou, R$ 50 bi iria para o auxílio”, diz Castelo Branco à BBC News Brasil. “O resto o governo diz que é para poder corrigir os parâmetros do orçamento, mas a gente sabe que na prática ele vai para as emendas.”
“Acompanho o orçamento há 40 anos e não vejo algo tão promíscuo desde o escândalo dos anões do orçamento”, afirma o analista. O escândalo dos anões do orçamento foi uma série de fraudes cometidas por parlamentares com recursos do orçamento da União entre o fim dos anos 1980 e o começo da década de 1990 .
Objeções desde o início
A PEC tem sido motivo de grande discussão desde o meio do ano porque o teto de gastos é visto como essencial para a responsabilidade fiscal e sua flexibilização gera desconfiança do mercado.
Além disso, o não pagamento dos precatórios é visto como fator de insegurança jurídica por analistas, membros da oposição e até por deputados da própria base do governo. Entre os prejudicados, podem estar professores da rede pública que seriam pagos com dinheiro do pagamento de dívidas da União com Estados e Municípios.
A ameaça ao teto de gastos, contrária aos princípios liberais que o ministro da Economia Paulo Guedes sempre disse defender, gerou inclusive uma debandada no alto escalão da pasta. O ministério disse que as pessoas saíram por motivos pessoais.
Após reações negativas do mercado e rumores que Guedes iria sair, o ministro deu uma declaração defendendo a aprovação da medida.
“As pessoas falam: ‘Você não é defensor do teto?’ Eu sou defensor do teto. Eu vou continuar defendendo o teto”, disse ele. “Agora, o presidente tem que tomar uma decisão política muito difícil: se ele respeita o teto ou deixa 17 milhões de famílias passando fome. Então, ele tem que pedir uma ação social que proteja a população. E eu tenho que calibrar essa ajuda”, disse.
A oposição, que não é majoritária, já fechou posição contra a aprovação da PEC dos Precatórios.
Enquanto isso, o governo tem trabalhado nas últimas semanas para obter apoio suficiente na Câmara para aprovar a proposta. Mas a PEC não tem apoio total nem mesmo de deputados que normalmente votam com o governo.
“Não terá meu voto se não partir da premissa do pagamento integral dos precatórios”, diz Marcelo Ramos (PL-AM).
Ramos é um dos defensores de uma mudança na proposta que preveja o pagamento de parte dos precatórios fora do teto de gastos, algo rejeitado pelo governo.