Manchin. Parece o nome de uma cidade chinesa onde surgiu uma nova variante do coronavírus. Porém, é o sobrenome de um respeitado senador dos Estados Unidos. Joseph Manchin, democrata da Virgínia Ocidental, é uma das lideranças do partido mais respeitadas no Senado americano.
Na noite do domingo (19), Manchin disse algo impensável para os padrões políticos americanos. Ele afirmou claramente que iria votar contra o Build Back Better, plano do presidente Joseph Biden. Também democrata, Biden passou seu quase primeiro ano de mandato articulando esse plano econômico que prevê pesados gastos públicos em bem-estar social e em infraestrutura.
Uma das vozes mais respeitadas no Senado, Manchin foi cortejado por Biden, que fez várias alterações no projeto para agradar o senador. No entanto, na noite do domingo (19), o parlamentar disse em uma entrevista à rede de televisão conservadora Fox News que a proposta era fiscalmente irresponsável e que ele não votaria nela. “Se [os democratas] quiserem se tirar do partido, eles que me coloquem onde acharem melhor”, disse ele.
Resumidamente, o Build Back Better – algo como “reconstruindo melhor” é um plano que eleva os gastos com uma rede de proteção social, algo que nunca houve de maneira estruturada nos Estados Unidos. Apesar de serem o país com o maior Produto Interno Bruto (PIB) do mundo, os Estados Unidos nunca abraçaram, como diversos países da Europa e até mesmo da América Latina, políticas de bem-estar social.
As propostas do Build Back Better – apelidado BBB – são ambiciosas. São dezenas de medidas, iniciativas e provisões. Elas pretendem melhorar a pegada de carbono dos Estados Unidos, reformular sua indústria automobilística para usar tecnologias de ponta desenvolvidas nos Estados Unidos, zerar a pegada de carbono da geração de energia até 2035. Na parte social, o programa quer reformar 4 milhões de residências e construir mais 1,5 milhão para reduzir o pesado déficit habitacional americano, além de manter e ampliar programas parecidos com o Bolsa Família e com o antigo Salário Família, que fornecia um subsídio para as famílias com crianças.
Sua negociação foi árdua. Durante as tratativas, o total foi reduzido de US$ 3,3 trilhões para US$ 1,75 trilhão. O plano foi aprovado na Câmara dos Deputados em novembro por 231 votos a 218, com os deputados republicanos rejeitando a proposta de maneira unânime. No Senado a situação é mais séria. Há um empate numérico entre senadores republicanos e democratas. Constitucionalmente, o vice-presidente pode votar. Como Kamala Harris é democrata, isso faz pender a balança. Porém, sem o voto de Manchin, a aprovação fica comprometida.
As críticas do senador ao programa têm origem fiscal. Segundo Manchin, o Plano de Resgate Americano (American Rescue Plan), que ofereceu aos americanos US$ 300 para cada criança na família, é caro demais por custar US$ 185 bilhões por ano e seria “popular demais” para ser retirado posteriormente.
A retirada do voto – e o virtual cancelamento do programa – caiu como uma bomba sobre os mercados, que desabaram na segunda-feira (20). Nesse dia, o banco de investimentos Goldman Sachs revisou para baixo suas projeções para o crescimento americano em 2022 devido à possibilidade de esses gastos não ocorrerem. O crescimento esperado do primeiro trimestre caiu de 3% para 2%, o do segundo recuou de 3,5% para 3% e o do terceiro foi reduzido de 3% para 2,75%. Somadas, as revisões indicam uma frustração de 1,75 ponto percentual no crescimento da economia americana no ano que vem, com efeitos negativos sobre as economias de outros países.