A Meta, proprietária do Facebook e do Instagram, tomou segundo a c. 2022 The New York Times Companyuma atitude inusitada no mês passado: suspendeu alguns dos controles de qualidade que garantem que as postagens de usuários na Rússia, na Ucrânia e em outros países do Leste Europeu atendam às suas regras.
Com a mudança, a empresa deixou temporariamente de verificar se seus trabalhadores dessas áreas que monitoram postagens do Facebook e do Instagram estavam aplicando com precisão suas diretrizes de conteúdo, segundo seis pessoas com conhecimento da situação. Isso porque os trabalhadores não conseguiram acompanhar as mudanças das regras sobre que tipos de posts relativos à guerra na Ucrânia eram permitidos.
A Meta fez mais de meia dúzia de revisões de políticas de conteúdo desde que a Rússia invadiu a Ucrânia em fevereiro. A empresa permitiu postagens sobre o conflito que normalmente teria derrubado – incluindo algumas pedindo a morte do presidente Vladimir Putin da Rússia e atos de violência contra soldados russos –, antes de mudar de ideia e elaborar novas diretrizes, de acordo com essas pessoas.
O resultado tem sido uma grande confusão interna, especialmente entre os moderadores de conteúdo que patrulham textos e imagens do Facebook e do Instagram à procura de atrocidades, discursos de ódio e incitações à violência. A Meta já chegou a mudar suas regras diariamente, informaram as mesmas pessoas, que não estavam autorizadas a falar publicamente.
A bagunça relacionada às diretrizes de conteúdo é apenas uma maneira pela qual a Meta foi afetada pela guerra na Ucrânia. A empresa também enfrenta a pressão de autoridades russas e ucranianas por causa da batalha de informações sobre o conflito. E, internamente, lida com o descontentamento acerca de suas decisões, incluindo o de funcionários russos preocupados com sua segurança e o de trabalhadores ucranianos que querem que a empresa seja mais dura com as organizações afiliadas ao Kremlin on-line, segundo três pessoas.
Dani Lever, porta-voz da Meta, preferiu não abordar diretamente a maneira como a empresa estava lidando com as decisões de conteúdo e as preocupações dos funcionários durante a guerra.
A empresa mãe do Facebook divulgou que, depois que a Rússia invadiu a Ucrânia, estabeleceu uma equipe de operações especiais 24 horas por dia, composta por funcionários que são falantes nativos de russo e ucraniano. Também atualizou seus produtos para ajudar os civis na guerra, incluindo recursos que direcionam os ucranianos para informações confiáveis e verificadas para localização de moradia e assistência a refugiados.
Mark Zuckerberg, executivo-chefe da Meta, e Sheryl Sandberg, diretora de operações, estiveram diretamente envolvidos na resposta à guerra, disseram duas pessoas com conhecimento dos esforços. Mas, agora que Zuckerberg se concentra em transformar a Meta em líder dos mundos digitais do chamado metaverso, muitas responsabilidades em torno do conflito ficaram – pelo menos publicamente – a cargo de Nick Clegg, o presidente para assuntos globais.
Em fevereiro, Clegg anunciou que, dentro da União Europeia, a Meta restringiria o acesso às páginas do “Russia Today” e do “Sputnik”, que são parte da mídia estatal russa, depois de pedidos da Ucrânia e de outros governos europeus. A Rússia retaliou cortando o acesso ao Facebook dentro do país, sob a alegação de que a empresa discriminava a mídia russa, e, logo depois, bloqueando o Instagram.
Em março, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, elogiou a Meta por ter sido rápida na limitação da propaganda de guerra russa. A empresa também agiu depressa para remover um vídeo “deepfake” de suas plataformas, que falsamente apresentava Zelensky cedendo às forças russas.
A empresa também cometeu erros graves. Permitiu que um grupo chamado Legião Ucraniana divulgasse anúncios em suas plataformas em março para recrutar “estrangeiros” para o exército ucraniano, uma violação das leis internacionais. Mais tarde, removeu os anúncios – que foram exibidos nos Estados Unidos, na Irlanda, na Alemanha e em outros lugares –, porque o grupo pode ter distorcido os laços com o governo ucraniano, de acordo com a Meta.
Internamente, a empresa também começou a mudar suas políticas de conteúdo para lidar com a natureza rápida dos posts sobre a guerra. Aqueles que podem incitar a violência são proibidos há muito tempo. Mas, em 26 de fevereiro, dois dias depois que a Rússia invadiu a Ucrânia, a Meta informou seus moderadores de conteúdo – que normalmente são terceirizados – de que permitiria apelos à morte de Putin e à “violência contra russos e soldados russos no contexto da invasão da Ucrânia”, de acordo com as mudanças nas políticas, que foram revisadas pelo “The New York Times”.
Em março, a Reuters noticiou as alterações na Meta com uma manchete que sugeria que as postagens que apelassem à violência contra todos os russos seriam toleradas. Em resposta, as autoridades russas rotularam essas atividades de “extremistas”. Pouco depois, a empresa anunciou que não deixaria que seus usuários pedissem a morte de chefes de Estado. “As circunstâncias na Ucrânia mudam rapidamente. Tentamos pensar em todas as consequências e mantemos nossa orientação sob revisão constante porque o contexto está sempre evoluindo”, escreveu Clegg em um memorando interno que foi revisado pelo “Times” e relatado pela Bloomberg pela primeira vez.
A Meta alterou outras políticas. Em março, abriu uma exceção temporária às suas diretrizes de discurso de ódio para que os usuários pudessem postar sobre a “remoção dos russos” e a “exclusão explícita dos russos” em 12 países do Leste Europeu, de acordo com documentos internos. Mas, depois de uma semana, voltou atrás, notando que a regra deveria se aplicar apenas aos usuários na Ucrânia.
As seis pessoas com conhecimento da situação revelaram que os ajustes constantes deixaram os moderadores nos países da Europa Central e Oriental confusos. Estes afirmaram que as mudanças na política foram onerosas porque geralmente tinham menos de 90 segundos para decidir se imagens de cadáveres, vídeos de membros sendo explodidos ou conclamação à violência violavam as regras da Meta. E acrescentaram que, em alguns casos, encontraram posts sobre a guerra em checheno, cazaque ou quirguiz, apesar de não conhecerem essas línguas.
Lever não quis comentar se a Meta havia contratado moderadores de conteúdo especializados nesses idiomas.
Segundo Emerson T. Brooking, membro sênior do Laboratório de Pesquisa Forense Digital do Conselho Atlântico, que estuda a disseminação da desinformação on-line, a Meta enfrentou um dilema sobre o conteúdo de guerra. “Geralmente, a política de moderação visa limitar o conteúdo violento. Mas a guerra é um exercício de violência. Não há forma de higienizá-la ou de fingir que é algo diferente.”
Houve também reclamações de funcionários da Meta sobre as mudanças nas políticas. Dois participantes contaram que, em março, em uma reunião para trabalhadores ligados à Ucrânia, os funcionários perguntaram por que a empresa havia esperado até a guerra para tomar medidas contra o “Russia Today” e o “Sputnik”. A atividade estatal russa estava no centro da falha do Facebook em proteger as eleições presidenciais dos EUA em 2016, disseram eles, e não fazia sentido que continuassem operando nas plataformas da Meta.
Esta não tem funcionários na Rússia, mas a empresa fez uma reunião separada em março para trabalhadores com conexões russas. Esses funcionários afirmaram temer que as ações de Moscou contra a empresa os afetassem, de acordo com um documento interno.
Nas discussões nos fóruns internos da Meta, que foram vistos pelo “Times”, alguns funcionários russos disseram ter apagado seu local de trabalho do perfil on-line. Outros se perguntavam o que aconteceria se trabalhassem nos escritórios da empresa em locais com tratados de extradição para a Rússia e “que tipo de riscos estariam associados ao trabalho na Meta não só para nós, mas para nossos familiares”.
Lever garantiu que a empresa “se preocupa com todos os nossos funcionários que são afetados pela guerra na Ucrânia, e nossas equipes estão trabalhando para garantir que eles e seus familiares tenham o apoio de que precisam”.
Em uma reunião separada em março, alguns funcionários expressaram insatisfação com as mudanças nas políticas de discurso durante a guerra, apontou uma pesquisa interna. Alguns perguntaram se as novas regras eram necessárias, chamando-as de perigosas, e se estariam “sendo usadas como prova de que os ocidentais odeiam os russos”. Outros perguntaram sobre o efeito nos negócios da Meta: “A proibição russa afetará nossa receita no trimestre? Nos trimestres futuros? Qual é a nossa estratégia de recuperação?”