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domingo 8 de setembro de 2024 às 06:57h

Com R$ 6,1 bilhões, prefeituras contraem dívida recorde em ano de disputa eleitoral

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A um mês das eleições, prefeituras de cidades com até 100 mil habitantes, consideradas pequenas ou médias, contraíram um nível recorde de endividamento na comparação com outros anos de disputa municipal. Levantamento do GLOBO com base em dados do Tesouro Nacional mostra que, de janeiro a agosto de 2024, os empréstimos bancários assinados por prefeitos já somaram R$ 6,1 bilhões, valor 60% superior ao do mesmo período de 2020 e o segundo maior da série histórica iniciada em 2002. A quantia só não ultrapassa a que foi captada no ano passado, de R$ 6,8 bilhões. O dinheiro extra tem servido como munição para a campanha de políticos no poder, que anunciam obras e outras benfeitorias aos eleitores, deixando a fatura a ser paga aos sucessores.

Além do valor recorde, o número de municípios que recorreram ao crédito bancário, 731, é o maior da série histórica desde 2002. Se considerar todas as prefeituras do país, os empréstimos com instituições financeiras somam R$ 33 bilhões em 2024, atingindo o maior pico nos últimos 22 anos. Essa lista é encabeçada por capitais, como Rio e São Paulo, que possuem maior capacidade de alavancagem e representam 21,5% do total de R$ 33 bilhões de dívidas contraídas neste ano.

No caso das cidades pequenas e médias, a garantia dada pelos prefeitos para conseguir o empréstimo são os repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), recursos enviados pelo governo federal que representam a principal fonte de renda de sete de cada dez localidades do país. É o dinheiro do FPM que garante desde o pagamento de salários dos servidores a serviços essenciais para a população, como insumos para unidades de saúde.

Os contratos firmados por essas prefeituras costumam ser de longo prazo e durar cerca de uma década, com a responsabilidade por manter os pagamentos das parcelas em dia recaindo não só para o prefeito eleito em outubro, mas também por seu sucessor.

É o caso de Vinhedo, a 77 quilômetros de São Paulo, onde o atual prefeito, Dr. Dario Pacheco, tenta a reeleição. A cidade de 76 mil habitantes captou R$ 90 milhões para, segundo informou o município, reformar prédios públicos, realizar obras de saneamento básico e pavimentar vias, entre outros investimentos.

O valor do empréstimo representa mais que o dobro dos R$ 41 milhões dos repasses do FPM previstos para Vinhedo em 2024. O pagamento será feito em dez anos, com direito a uma carência nos dois primeiros anos. Ou seja, mesmo que o prefeito de Vinhedo conquiste um novo mandato, ainda sobrarão boletos a serem quitados para quem o suceder no cargo em 2028.

Nas redes sociais, Dr. Dario tem publicado vídeos de campanha nas quais divulga obras na cidade como reforma de praças e recapeamento de ruas. Em nota, a prefeitura disse que, antes de assinado, o contrato passou por “análise minuciosa da Secretaria do Tesouro Nacional, da Procuradoria da Fazenda Nacional, do Tribunal de Contas do Estado e da própria instituição financeira”. Além disso, teve aval da Câmara Municipal.

‘Necessidades urgentes’

Outro candidato à reeleição que recorreu a empréstimos neste ano foi o prefeito de Vilhena (RO), município de 95 mil habitantes localizado a 700 quilômetros da capital, Porto Velho. Delegado Flori Cordeiro de Miranda (Podemos) assinou um contrato para receber R$ 25 milhões em empréstimo bancário no dia 16 de julho. O valor equivale a 70% do repasse do FPM que a cidade receberá ao longo de 2024.

O prefeito de Vilhena tem prometido, em suas redes sociais, usar o recurso extra para ampliar escolas e fazer o “maior programa de expansão de creches” do município em caso de reeleição, mas nega que a medida tenha cunho eleitoral.

“Apesar de ser ano de eleição, a motivação para obtenção da operação de crédito não é eleitoreira. São necessidades urgentes que os munícipes têm”, disse a prefeitura de Vilhena, por meio de nota.

Pavimentação em Pará de Minas (MG) — Foto: Divulgação
Pavimentação em Pará de Minas (MG) — Foto: Divulgação

Mesmo prefeitos que encerram seu mandato em dezembro recorreram a empréstimos para turbinar o caixa neste ano. Em Pará de Minas (MG), a 89 quilômetros de Belo Horizonte, o prefeito Elias Diniz (PSD) endividou o município que comandou nos últimos sete anos em R$ 60 milhões. Ele tenta eleger como sucessora sua ex-secretária municipal de Cultura e Comunicação, Andréia Xavier Paulino (PSD).

Procurada, a prefeitura não retornou aos contatos. O contrato com o banco informa que o dinheiro será aplicado em obras de infraestrutura, sem especificar quais. O valor é superior aos R$ 47,1 milhões que o município deve arrecadar de FPM no ano.

Fiscalização

O advogado especialista em contas públicas Valdir Moysés Simão, ex-ministro da Controladoria-Geral da União, afirma que a Lei da Responsabilidade Fiscal (LRF) disciplina esse tipo de operação feita por prefeituras, mas que em alguns casos as dívidas contraídas pelos prefeitos podem “desequilibrar a disputa eleitoral ou até inviabilizar a futura gestão”.

— Também representam risco ao gestor que contraiu a dívida e executou despesas que, certamente, serão escrutinadas pelo sistema de controle, em especial se o agente político não for reeleito, o que dificultará a obtenção das informações necessárias para a prestação de contas — afirmou ele.

O economista Gilberto Braga, professor de finanças do Ibmec, lembra que o governo federal é recorrentemente chamado para socorrer prefeituras endividadas:

— Há essa tendência por parte dos candidatos e prefeituras de abrir frentes de obras em ano eleitoral, de colocar placas para marcar a gestão sem analisar com bastante coerência a fonte de recursos — disse o economista.

Boa parte das iniciativas é postergada ou mesmo abandonadas depois das eleições. Nesses casos em que a prefeitura não consegue pagar, a dívida acaba tendo que ser assumida por outros entes da federação.

— O problema é que, quando precisam executar essa garantia e o FPM é retido, os prefeitos entram na Justiça argumentando que não pode faltar recurso para saúde e educação, por exemplo. Só que o prefeito devia ter avaliado isso antes de contrair a dívida. No fundo, quem vai pagar a conta do município é o estado e o governo federal — afirmou o economista Gabriel Barros, ex-diretor da Instituição Fiscal Independente do Senado.

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