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Lula com o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, que presidiu a CUT Douglas Magno/AFP
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domingo 2 de abril de 2023 às 06:55h

Com o retorno de Lula, centrais sindicais disputam espaço e cobram ações do governo

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Na camisa, a inscrição dava o tom: “Lute como uma metroviária”. Presidente do sindicato da categoria em Minas Gerais, onde trabalhadores cruzaram os braços por mais de um mês, Alda Fernandes pediu a palavra na assembleia de 24 de março. Contrariada com o avanço na concessão da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU-MG), avalizada na véspera pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ela abriu fogo segundo Luã Marinatto , do O Globo, contra o presidente Lula, a quem acusou de descumprir compromissos de campanha: “É uma traição”. No mesmo dia, várias bases do Sindicato Unificado dos Petroleiros paulista aprovavam estado de greve. A revolta, neste caso, não era só com a continuidade de processos de privatização em setores da Petrobras, mas também pela manutenção de nomes indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro na diretoria da estatal.

Os dois episódios ilustram os ruídos na relação do governo Lula com movimentos trabalhistas. Ignoradas — ou eventualmente atacadas — por Michel Temer e Bolsonaro, as centrais sindicais perderam prestígio nos últimos anos. A retomada do diálogo com o Planalto, graças ao retorno do PT, devolveu protagonismo às entidades, mas trouxe a reboque uma disputa por espaço entre os diferentes grupos, com críticas abertas a uma suposta prevalência da Central Única dos Trabalhadores (CUT) em nomeações e nas tratativas com o Executivo.

Trata-se da maior e mais antiga organização do gênero no país, historicamente ligada ao PT. O próprio Lula, metalúrgico e líder sindical na década de 1970, participou da fundação da CUT, em 1983. Escolhido como ministro do Trabalho, cargo que já ocupara no primeiro mandato do petista, Luiz Marinho presidiu a entidade entre 2003 e 2004.

— Tem incômodo, sim. No Ministério das Mulheres, indicaram várias integrantes da CUT, sem abrir para debate. O mesmo em escolhas para o Conselhão (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social). O tom de frente ampla da campanha deveria permanecer — afirma João Carlos Gonçalves, o Juruna, secretário-geral da Força Sindical.

“Pelo menos tem diálogo”

As Superintendências Regionais do Trabalho são outro motivo de insatisfação. As razões vão da permanência de indicações bolsonaristas à, mais uma vez, primazia da CUT. No Ceará, por outro lado, a reação foi fruto da escolha de um nome que integrou o governo Temer, chamado de golpista em carta de protesto assinada por cinco centrais.

Presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Ricardo Patah diz que conversa com Marinho “quase toda semana”, mas menciona o piso salarial dos enfermeiros como uma promessa de Lula ainda não equacionada. Contudo, o filiado ao PSD, que comanda três ministérios, pede “calma”:

— Pelo menos tem diálogo. Antes, não havia nada. A gente percebe uma certa ansiedade porque passamos muitos anos sem qualquer interlocução.

Na campanha, Lula chegou a prometer revogar na íntegra a Reforma Trabalhista, mas recuou. Já no Planalto, o presidente chamou de “crime”, durante reunião com representantes das centrais em janeiro, a extinção do imposto sindical, que abastecia o caixa das entidades. O retorno do tributo, no entanto, foi descartado.

— Na questão do trabalho, já são 90 dias de governo e ainda não vimos nada muito concreto — diz Antonio Neto, presidente da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB) e do PDT paulista. — Mas início de gestão é assim mesmo. Tem trombada daqui, trombada de lá. O que nós temos de fazer é disputar esse espaço politicamente.

Até a CUT já deu suas “trombadas”. Em fevereiro, ao defender um salário mínimo maior do que o anunciado por Lula, a entidade afirmou que não iria “aplaudir quem está nos lesando”. Uma proposta de valorização real do salário mínimo para os próximos anos, chancelada por oito centrais, será entregue ao Executivo amanhã.

Em nota enviada ao jornal O Globo, a CUT afirmou que é “autônoma em relação a qualquer governo” e que a “maior presença em espaços institucionais” é “proporcional ao seu tamanho e representatividade”. O Ministério do Trabalho não respondeu.

— São dez centrais sindicais. Toda vez que o ministro indica um nome, nove dirão que não estão contentes. É normal — minimiza o sociólogo Clemente Ganz Lúcio, coordenador do Fórum das Centrais Sindicais e escalado para gerenciar o núcleo sobre temas trabalhistas na transição.

Também integrante do grupo, a cientista política Patrícia Vieira Trópia, ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos do Trabalho, frisa que o movimento sindical é heterogêneo, mas se rearticulou em torno da eleição de Lula. A vitória do petista, pontua, “criou expectativas de participação”:

— Que o movimento sindical queira mais protagonismo no governo é, a meu juízo, legítimo e urgente. As disputas para participar existem, e são igualmente legítimas.

Trópia critica o “apagão dos dados” no governo Bolsonaro, que anexou o Ministério do Trabalho ao da Economia no primeiro dia de mandato, recriando-o dois anos depois. Os números sobre trabalhadores e sindicatos filiados a cada central, por exemplo, são de 2016, quando foi divulgado o último balanço pela pasta, ainda na gestão Dilma Rousseff.

Dilma também ocupava a Presidência quando, em meio à crise econômica e política que antecedeu seu impeachment, o país atingiu seu maior patamar de greves. Entre 2003 e 2006, com Lula no Planalto, houve pouco mais de 300 paralisações anuais, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), que só havia detectado índice inferior em 1983, no início da série histórica. As greves, contudo, cresceram ainda na reta final do segundo mandato do petista e aceleraram com a sucessora, superando duas mil ações do gênero em 2016.

Nos anos seguintes, as paralisações caíram pela metade: foram cerca de 1.100 em 2019, já com Bolsonaro no poder. Após leve recuo no pior período da pandemia da Covid-19, o ritmo voltou a um nível similar em 2022, com 1.067 greves, ainda segundo o Dieese.

— A Reforma Trabalhista, a eleição de Bolsonaro e a pandemia contribuíram para um cenário ainda mais desafiador ao sindicalismo, com fechamento dos canais de interlocução com o governo. Em uma postura reativa, os movimentos buscaram reduzir perdas, sem conseguir pautar agendas de expansão de direitos. A volta de Lula representa, para estes grupos, uma oportunidade — afirma Ana Paula Fregnani Colombi, professora de Economia na Universidade Federal do Espírito Santo e autora do livro “Trabalho e Ação Coletiva nos governos do PT”.

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