A cobrança é classificada como inconstitucional por concessionárias de ferrovias, rodovias, aeroportos e portos
Iniciativas por parte de Prefeituras que visam cobrar Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) de empresas que administram ativos concedidos pela União entraram na mira do governo federal. Classificada como inconstitucional por concessionárias de ferrovias, rodovias, aeroportos e portos, a cobrança será discutida por um grupo técnico liderado pelo Ministério da Infraestrutura, que vai contar com a participação das três agências reguladoras que estão sob o guarda-chuva da pasta.
Segundo matéria do Estadão, o assunto preocupa empresas que arremataram ativos do governo em formato de concessão desde que algumas Prefeituras resolveram cobrar IPTU desses negócios. O movimento se tornou mais intenso nos últimos três anos, apesar de decisões judiciais terem segurado grande parte desses pagamentos até agora. O tema assusta as concessionárias porque os contratos com o governo federal não preveem esse tipo de custo. Até as primeiras faturas darem as caras, era pacificado que o tributo não pode ser cobrado em razão de uma regra da Constituição. Ela veda a cobrança de determinados tributos de um ente federativo sobre o outro, incluindo o IPTU.
Ou seja, mesmo que o ativo esteja concedido para uma empresa privada, o bem continua sendo do governo federal. Portanto, as concessionárias afirmam que não há como incidir o tributo nesses casos. A Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF) é uma das entidades que alertam para o impacto dessa cobrança, caso ela vingue e se espalhe pelo País. São R$ 3 bilhões por ano, metade do que foi investido pelo setor ferroviário no ano passado. “Do ponto de vista econômico, você quebra a concessão e o serviço público”, disse o diretor-executivo da ANTF, Fernando Paes.
Ele classifica iniciativas de prefeituras para cobrar esse tributo como um “perde-perde” generalizado. Para os municípios, o esforço vai resultar numa batalha judicial e uma consequente derrota, segundo ele. A concessionária perde também pelos gastos jurídicos e pelo risco envolvido. E, no limite, se alguma decisão favorece a prefeitura, perderá o próprio serviço público, já que o equilíbrio econômico-financeiro da concessão precisará ser revisto, podendo haver redução de investimentos ou aumento de tarifa.
“Qualquer movimento que onere a prestação de serviço público na área de infraestrutura contribui para agravar o quadro de déficit de investimento no setor”, disse Paes. É a mesma posição da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR). “Taxar esses bens faria com que os investimentos em infraestrutura ficassem comprometidos e levaria, ainda, ao aumento de tarifas para os usuários”, comentou o presidente da associação, Marco Aurélio Barcelos.
Apesar de torcerem para que isso não ocorra, se as cobranças de IPTU forem à frente, as concessionárias esperam que o governo federal esteja preparado com uma posição padrão para responder aos desequilíbrios nos contratos. Essas revisões são feitas pelas agências reguladoras. “A criação desse grupo com todas as agências é importante para evoluir e haver segurança jurídica. Estamos falando de valores astronômicos”, disse o presidente-executivo da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Venilton Tadini.
Insegurança
Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2018 pavimentou o caminho para essas cobranças. Na ocasião, a Corte autorizou o recolhimento do tributo da Petrobras sobre um espaço arrendado da União no Porto de Santos. Apesar de o tribunal ter discutido mais propriamente se a imunidade tributária se estendia ou não sobre empresas de economia mista, a posição do STF fez o recolhimento encontrar espaço no setor portuário.
Segundo a Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP), a cobrança que recai sobre 10 terminais portuários de Santos, entre o que é devido em 2021 e o Refis de anos anteriores, soma R$ 150 milhões. “De fato, essa cobrança inesperada, e já sendo imputada aos terminais portuários, como efeito da decisão do STF, tem onerado os terminais e desincentivado investimentos”, disse o diretor-presidente da ABTP, Jesualdo Silva.
Diante da situação, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) já reconheceu que a incidência de IPTU tem potencial de desequilibrar contratos, cuja revisão precisa ser analisada caso a caso, por sua vez.
Ex-ministro do Planejamento e presidente da Associação Nacional das Empresas Administradoras de Aeroportos (Aneaa), Dyogo Oliveira enxerga como positivo o envolvimento do Executivo na questão. Ele pontuou que o governo tem interesse em discutir o tema porque, ao fim, quem precisará arcar com os custos de eventuais reequilíbrios de contrato é a própria União – que originalmente não pagaria o imposto em razão da imunidade tributária. “Então não faz sentido que haja essa cobrança”, comentou o ex-ministro.
E, apesar de decisões judiciais terem segurado o desembolso do tributo pelos aeroportos, o cenário é de insegurança, já que as empresas precisam prever eventuais perdas futuras em seus balanços, por meio dos passivos contingenciados, lembrou Oliveira.